Do marketing político à política mercantilista

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Há pouco mais de cinco anos, aquando da campanha nacional para as eleições europeias, fui contactada por um dos responsáveis do PSD pela campanha a solicitar que tivesse alguns cuidados quando fizesse a sessão de fotos promocionais. Para além da cor do vestuário, justificável pelo enquadramento das fotos, pediram-me que não usasse jóias exuberantes e, se possível, que alisasse o cabelo, pois os caracóis dariam muito trabalho no recorte de imagem que se seguiria. Respondi que quanto ao uso de adornos sou habitualmente discreta, mas que, no que dizia respeito ao cabelo, estaria completamente fora de questão adulterar a minha imagem, abdicando dos meus caracóis.

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Partilho este episódio porque ilustra um conflito entre o necessário cuidado com a comunicação que se tem de ter em política e a adulteração da identidade do agente político. Neste caso, tratava-se apenas da imagem visual, mas estamos a evoluir para mecanismos cada vez mais sofisticados de comunicação que assentam no tratamento da percepção pública da personalidade dos agentes políticos e até mesmo do conteúdo do trabalho que se desenvolve.
O avanço da tecnologia introduziu novas estratégias de propaganda política. Os direitos de antena, a distribuição de panfletos e os cartazes estão cada vez mais em desuso e as redes sociais ganham protagonismo. A comunicação assume um formato estratégico e o marketing político constitui uma importante ferramenta de comunicação para cativar e fidelizar eleitores, estudando as potencialidades e as fraquezas dos agentes políticos e dos Partidos, bem como as expectativas do público-alvo, adequando os mensageiros e a respectiva mensagem para que o impacto seja positivo. São vários os exemplos a nível mundial de políticos de sucesso que cuidam da imagem e da comunicação, como é o caso de Barack Obama, Emmanuel Macron, Justin Trudeau, Vladimir Putin, Donald Trump e Jair Bolsonaro, de entre outros.
O exercício da actividade política, por essência, assenta na comunicação, mas a busca pela eficácia desta está a conduzir-nos para situações em que transitamos de estratégias de transmissão de informação para a adulteração do próprio conteúdo, adaptando-o ao que suscita maior adesão, mesmo que isso implique a perda da identidade. O marketing de conteúdo é, hoje, altamente profissionalizado, o que é essencial quando se pretende aproximar os eleitores da política. O problema surge quando parece que tudo está subordinado ao interesse da comunicação, e a própria acção política se restringe ao aperfeiçoamento do seu reflexo, não da sua essência, para ser mais “vendável”. Hoje, cada vez estamos mais rodeados de campanhas que nos dizem aquilo que todos queremos ouvir, com propostas tão populistas quanto demagógicas, com o simples propósito de se obter mais votos, assim como se evita abordar questões delicadas que possam suscitar melindre e, assim, retirar votos. É uma política mercantilista, que obedece às leis do mercado a que se destina. Aos “compradores”/eleitores cabe destrinçar a real qualidade do “produto”, não esquecendo, como diz o Povo, que “mais vale sê-lo que parecê-lo” e que, por vezes, “por uma má cara se perde um bom coração”.

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