Reforma do Parque Marinho dos Açores e da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores

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Fonte: FPA – Federação das Pescas dos Açores

Gostaríamos de sublinhar que a Federação das Pescas dos Açores representa todo o setor das pescas, e como tal, participou e colaborou em todas as reuniões do programa Blue Azores, no âmbito da implementação das áreas marinhas protegidas.

A Federação das Pescas tem plena consciência que se deve proteger e conservar os oceanos, pelas diversas razões estudadas, como a poluição, sobrepesca, alterações climáticas, acidificação, entre outros, mas também é preciso reconhecer tudo o que já foi feito nos Açores, em manter e preservar os recursos de forma sustentável, uma vez que é o futuro da pesca que também está em causa.

Sobre a consulta pública que decorre até 15 de setembro, sobre a reforma do Parque Marinho dos Açores e da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores, a Federação das Pescas dos Açores vem por esta forma expressar a sua opinião face ao desenvolvimento deste processo.

Segundo a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, da Comissão Europeia, pelo menos 30% das terras e 30% dos mares devem ser protegidos na EU1, e destes pelo menos 1/3 (cerca de 10%), deve ser estritamente protegido.

Contudo, o XIII Governo Regional dos Açores (GRA) e o programa Blue Azores estabeleceram, como objetivos, as seguintes percentagens de áreas marinhas protegidas a implementar: 30% do mar dos Açores, com pelo menos 15% da área totalmente protegida, até 2023. Evidentemente que existe uma maior percentagem de área totalmente protegida, do que aquilo que é proposto pela Comissão Europeia. E um prazo demasiado curto para cumprir devidamente todos os critérios para o estabelecimento de AMPs em 287 188 km2.

Se o Estado-Membro tem até 2030 para proteger parte do seu mar, concordamos que este processo se realize de uma forma mais tranquila e ponderada, sem colocar em causa a sustentabilidade socio económica do setor das pescas.

Ainda neste documento1 se pode ler que “As metas dizem respeito à UE no seu conjunto e podem ser repartidas de acordo com as regiões biogeográficas e as bacias marítimas da UE ou a um nível mais local. Cada Estado-Membro terá de realizar a sua quota-parte do esforço com base em critérios ecológicos objetivos, reconhecendo que cada país tem níveis quantitativos e qualitativos diferentes de biodiversidade.”. Como tal, cabe ao Estado-Membro iniciar o processo e delinear as áreas que pretende proteger. Podendo repartir essas áreas entre as suas bacias marítimas, neste caso, bacia do Atlântico. Por isso, questionamos a razão pela qual impõe esta percentagem (30%) aos Açores, enquanto em relação ao continente desconhecemos o trabalho que está a ser desenvolvido nesta matéria.

Para além disto, a Estratégia de Biodiversidade também estabelece a necessidade de haver um compromisso de “gerir eficazmente todas as áreas protegidas, definindo objetivos e medidas de conservação claros, e efetuando a monitorização dos mesmos de forma adequada.” Posto isto e considerando que as atuais zonas marinhas protegidas dos Açores carecem de fiscalização, questionamos em que medida a Região Autónoma dos Açores (RAA) apresenta um projeto com este nível de impacto, sem um modelo em conformidade de monitorização, vigilância ou fiscalização?

A percentagem de área imposta e a pressa na implementação de AMPs está a provocar uma enorme pressão, desconforto, desencorajamento ao investimento de comerciantes e investidores, e instabilidade junto dos pescadores açorianos que temem pelo encerramento da sua fonte de rendimento.

A pesca praticada no nosso arquipélago é uma prática cultural, artesanal e sustentável, e que devido a ausência de “plataforma continental” e de reduzido número de bancos de pesca, estas áreas grandes de AMPs propostas vão aniquilar um sector de atividade que sempre zelou pelo nosso mar e se tem mostrado cada vez mais sustentável. Lembramos, que na nossa Região há milhares de famílias que continuam a depender de um único elemento do seu agregado familiar – O Pescador.

A pesca é uma atividade de grande importância para Portugal, quer economicamente, sendo o terceiro País do mundo com maior consumo de pescado, quer sociocultural, por haver diversas comunidades que dependem exclusivamente da pesca. O setor alimentar que abrange a pesca, a transformação e o armazenamento de pescado, e que também será afetado diretamente com a implementação de AMPS, apresenta um peso elevado na RAA, representando atualmente mais de 20% das exportações e garantindo a coesão territorial de dezenas de pequenas comunidades piscatórias distribuídas nas 9 ilhas dos Açores e distantes dos principais mercados. Estimamos que aproximadamente 7.000 açorianos estão ligados à fileira da pesca, através da investigação, produção, setor associativo, construção naval e portuária, entidades governamentais, autoridades, indústria transformadora e comerciantes. Destes, cerca de 3.000 são pescadores e armadores. E praticam uma pesca profissional artesanal e sustentável que gere as capturas das espécies mais valorizadas, e que tem permitido manter os stocks das espécies. Neste sentido, é necessário ter em conta a sustentabilidade socioecónomica do setor, relembrando que existem muitos agregados familiares envolvidos na pesca. Como é possível apresentar um projeto com impacto de difícil avaliação no rendimento da comunidade piscatória, sem pensar numa estratégia de restruturação do setor (que envolva abates de embarcações e artes de pesca, que envolva reorientação profissional ou a criação de rendimento complementar ou alternativo à pesca)?

Ao longo dos últimos 20 anos, com a evolução da ciência, a conservação e a sustentabilidade dos recursos marinhos fazem parte, desde então, na tomada de decisões. A Direção Regional das Pescas em cooperação com várias entidades, Universidade dos Açores, associações e incluindo a Federação das Pescas dos Açores, criaram, no passado, programas que continuam a contribuir para a sustentabilidade dos recursos marinhos na ZEE dos Açores, nomeadamente POPA (Programa de observação para as pescas dos Açores), COSTA ( consolidating sea turtle conservation in the Azores), ARQDAÇO (Campanhas de monitorização anual dos demersais), PNRD (Programa Nacional de Recolha de Dados), Programa de monitorização do Banco de Condor, MONICO (Programa para a gestão de recursos costeiros), SOS TubaProf (projeto de sustentabilidade das capturas indesejadas de tubarões de profundidade).

Além destes programas em parceria com pescadores e investigadores, que têm uma elevada importância na implementação de medidas para o setor das pescas, reconhecemos que houve um esforço nos últimos anos pelos pescadores na aceitação dessas medidas, com foco na preservação e sustentabilidade das espécies e numa melhor gestão dos stocks pesqueiros, especificamente: a proibição de redes de arrasto, de emalhar de fundo e de tresmalho; a criação de um regime de apoio ao abate voluntário de artes de pesca menos seletivas; a criação de um regime de apoio ao abate de embarcações de pesca comercial; a alteração dos tamanhos dos anzóis e da malha das redes; a implementação de totais admissíveis de captura (TACs) para os tunídeos e para algumas espécies demersais e bentónicas; os períodos de defeso e os tamanhos mínimos de capturas e a proibição da pesca dirigida aos tubarões de profundidade.

Nos Açores, no passado, foram criadas várias “áreas com restrições à pesca” (ARPs) pelo Governo dos Açores com o objetivo de regulamentar o exercício da atividade da pesca em zonas marinhas costeiras onde ocorriam outras atividades conflituantes. Estas ARPs praticamente atuam como reservas marinhas ou AMPs com elevadas restrições à pesca. Na Região Autónoma dos Açores existem, atualmente, 7 diplomas relativos às Áreas de Restrição à Pesca. Para além destas áreas com restrições à pesca, relembramos que existem as áreas marinhas protegidas e as reservas naturais marinhas incluídas no Parque Marinho dos Açores, e que ultrapassam a ZEE dos Açores. E, ainda as áreas marinhas protegidas incluídas no Parque Natural da Ilha.

De acordo com a informação descrita anteriormente, cerca de 1% da ZEE dos Açores correspondem às zonas de pesca, detendo que existe o triplo de áreas marinhas protegidas do que existe para a pesca demersal, e com a implementação dos 15% de áreas marinhas totalmente protegidas (no-take), questionamo-nos a onde é que os pescadores vão operar. Se as atuais zonas de pesca ficarem interditas, é certo que aumentará o esforço de pesca ao redor das AMPs, provocando novos distúrbios.

A nível económico, se pescarmos menos, menos pescado haverá para compra e o rendimento dos pescadores diminui, no geral, aumenta o custo de vida da população açoriana. Seremos “obrigados” importar e a ficar dependentes da pesca e aquacultura oriundas de outras regiões geográficas, feitas por métodos menos seletivos e menos sustentáveis. Igualmente iremos promover a pesca de arrasto, de cerco, de emalhar de fundo e de tresmalho, altamente prejudicial para os ecossistemas marinhos.

A Federação das Pescas dos Açores reforça que a pesca praticada no arquipélago é uma transmissão de valores de há muitos anos, artesanal e sustentável, e que devido à nossa localização, ao facto de não termos “plataforma continental” – diminutas áreas permitidas à pesca, a percentagem dos 15% no-take não é viável para o sector poder continuar a trabalhar, e para os armadores e pescadores terem o seu sustento para as suas famílias. É preferível ter uma percentagem mais realista, que possa efetivamente ser fiscalizada e de forma mais eficiente, evitando pescarias abusivas e outras formas ilegais.

Na última reunião com o programa Blue Azores, a Federação das Pescas teve conhecimento do impacto das AMPs na pesca de fundo, cerca de 27.5%, e de 7% na pesca de salto e vara. Posto isto, a Federação não concorda com estes resultados e o trabalho que foi feito, afirmando que o impacto é muito mais elevado, havendo necessidade de fazer um levantamento a todas as embarcações.

A Federação das Pescas considera que a ciência teve pouco presente e pouco comunicativa durante todo o processo, estranhado esta ausência, razão pela qual achamos que este processo tem de ser revisto junto dos investigadores do Departamento de Oceanografia e Pescas. Damos um exemplo de sucesso no estabelecimento da Área Marinha Protegida para a Gestão de Recursos do Banco de Condor, resultante do diálogo entre os investigadores da Região e os nossos pescadores.

Por último, a Federação das Pescas não concorda com o resultado do processo participativo, uma vez que não tiveram em conta as necessidades, sugestões e alterações propostas pelo setor das pescas, no entanto, é mencionada a nossa participação como se compactuássemos com o resultado final e estivéssemos envolvidos na tomada de decisão. Tal, confirmou-se na última reunião do processo, quando apresentaram áreas marinhas protegidas que nunca foram discutidas, nem devidamente justificadas para serem consideradas AMPs.

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