É já este domingo que, 25 anos e 13 dias depois, a freguesia de Pedro Miguel torna a ter um templo católico para a vivência eucarística e cultural. Muitos foram os que,
ao longo dos anos, fizeram por angariar fundos para cobrir 25% do custo de obra, a ser suportado pelos paroquianos. Muitos foram os que desanimaram e pensavam que este dia não iria acontecer. Agora materializou-se, é presente, e D. Armando Domingues consagrará a sua primeira igreja enquanto Bispo de Angra.
Não bastou o forte terramoto de 9 de julho de 1998. O criminoso incêndio de agosto desse mesmo ano destruiu o que restava da igreja, da talha dourada e um órgão de tubos, algo raro de se encontrar nas freguesias rurais faialenses. A solução foi uma: construir de raiz uma nova igreja, no centro de Pedro Miguel. Tal como as restantes que precisaram de sofrer obras de reconstrução/construção de raiz, 75% dos encargos ficaram nas mãos do Governo Regional dos Açores, o restante nas da paróquia.
O povo uniu-se desde logo, a Comissão Fabriqueira procurou formas de angariar fundos para a construção do seu novo local de celebração e continua a fazer o seu caminho.
Cabe ao padre Bruno Rodrigues, pároco da freguesia há mais de 10 anos, ser o anfitrião da Dedicação que decorre a partir das 16h30 de domingo, 23 de julho. É dia de sarar feridas, de celebrar o esforço feito, de parte a parte. Aquando do lançamento da primeira pedra, a 5 de agosto de 2020, esperava-se uma empreitada de 15 meses, orçamentada em 2,3 milhões de euros. Além de todos os percalços que aconteceram antes deste momento, outros vieram atrasar o processo: primeiramente, a pandemia da Covid19; surgiu uma cripta, que não estava inicialmente prevista, após as escavações dos alicerces chegarem aos sete metros de profundidade, junto ao leito da ribeira; depois os efeitos especulativos e inflacionistas derivados da ocupação russa na Ucrânia. Cerca de 20 meses depois da data inicialmente prevista é hora de abrir portas e colocar os 300m2 à disposição da população.
Aquele povoado conheceu igrejas de diferentes configurações, impulsionadas pelos sismos que abalaram a estrutura. No volume VI das Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso, escrito entre 1586 e 1590, indicava-se a existência de um templo religioso na freguesia. As diferentes fachadas sucederam-se ao longo dos séculos, as torres foram-se alterando, chegando a ser duas, uma de cada lado.
“O povo daqui, e que viveu aqui, esperou 25 anos por isto”, reforça o pároco considerando que esta é “uma obra bonita, o interior está impactante e, ao fim e ao cabo, supera a expectativa da comunidade”. Além disso Bruno Rodrigues aponta a edifício como marcando uma nova fase para a própria freguesia, elevando o seu centro nevrálgico.
A estatuária da igreja é aquela que ao longo deste quarto de século foi sendo reparada, já os bancos, o altar e o ambão serão estreados este domingo.
Anos de casa às costas e a manter o possível
Em 30 de janeiro de 2005 aquela comunidade cristã voltou a ter um espaço fixo para participar nas eucaristias.
Logo após o sismo celebravam na Casa do Espírito Santo, depois passaram para o Polivalente. Quando havia atividades na freguesia, como bailes, tudo era desmanchado, ia para o Império, e voltava a ser montado. Sucessivas vezes.
A situação tornou-se insustentável. “A paróquia investiu, em boa hora, e construiu este edifício [Centro Paroquial], teve a sua utilidade até agora e terá no futuro para eventos que possam ser lá realizados, sublinha o pároco faialense.
Entre monta e desmonta os fundos que se conseguiam serviram, em parte, para cuidar das pratas e recuperar a estatuária: Nossa Senhora de Fátima, a Senhora da Ajuda e São José já haviam sido intervencionados quando Bruno Rodrigues assumiu as rédeas da paróquia. Quase 20 anos depois do sismo foi recuperado o Sagrado Coração de Jesus, em São Jorge, e também São Pedro e São Paulo foram alvo de restauro, mas na Terceira. Há outras peças a necessitar de restauro, como a do Bom Jesus dos Aflitos, mas o orçamento de 11 mil euros afasta essa possibilidade para já. Há que gerir os recursos, sempre escassos.
O novo espaço de culto
A nova construção tem elementos que saltam à vista. Em primeira instância, a parte superior da torre sineira, de metal, amarela e com pastilhas de cerâmica, vem quebrar o “medo” que o povo faialense e açoriano tem em relação às cores e fugir do “preto, branco ou cinza”, diz lembrando que ainda no século XIX era comum encontrar igrejas pintadas de amarelo e branco. Conseguiram aproveitar dois dos antigos sinos, tendo que adquirir um e planeiam colocar, nos arredores da igreja, o que se encontra partido, para memória futura.
No topo há um catavento em formato de peixe. Porquê? Porque um dos primeiros símbolos de identificação dos católicos era o peixe.
A própria estrutura identifica, “facilmente, que se trata de uma igreja católica, apostólica romana”: a planta lembra um corpo, ou uma cruz latina. O altar não assume o formato convencional, sendo quadrangular e não retangular, como é habitual, com um tampo de basalto açoriano, bem como um painel com pormenores em cobre, virado para a assembleia.
Na ótica do pastor, a igreja é mais que um espaço de culto, é um local de diálogo cultural. Exemplo disso é uma artista alemã, radicada no Faial, ter doado um quadro do Batismo de Jesus no rio Jordão, sendo também ela responsável pelos quadros da Via Sacra que serão colocados.
Quem vê de fora “parece uma igreja muito grande”, aliás a porta principal tem 4,30m, mas no interior não é, afirma o pároco. “É acolhedora, pode receber cerca de 100 pessoas sentadas e faz uma ponte “entre o antigo e o atual, concilia a doutrina”. Também fora do imóvel há um nártex, “convidativo para que se conserve esse costume de, depois da missa, ficarem a conversar uns com os outros”, espera Bruno Rodrigues. Em termos de acessibilidade, e com a colaboração do arquiteto, fez-se uma rampa que permite a subida de carros funerários e cadeiras de rodas.
Esta é a 11.ª igreja idealizada pelo arquiteto João Pedro Paredes, a 1.ª nos Açores a ser inaugurada. A 2.ª será a da Ribeirinha, a avançar a curto trecho, espera aquela comunidade.
Nos arredores da nova igreja, onde há trabalho a fazer posteriormente, há espaço para estacionamento e para festividades. Do outro lado da estrada, o Centro Paroquial que serviu de casa aos fiéis de Pedro Miguel, servirá de ativo a rentabilizar e até servir para angariações de fundos. “É necessário pagar as dívidas”, não esquece o padre.
As mudanças deram-se com a normalidade possível e “com o credo na boca”, como quando o órgão de mais de 100kg foi elevado a mais de sete metros do chão. Não houve a necessidade de levar “tudo para lá” e sim “apenas o necessário, até porque a igreja não tem altares suficientes para colocar os santos todos”, podendo se mudar a estatuária expostas todos os meses, por exemplo.
Uma grande expectativa
“Sente-se muito entusiasmo por parte da população e muita ansiedade, há pessoas que estão a contar os dias, principalmente os imigrantes” lembra o pároco local. Desde o lançamento da 1.ª pedra que muitos dos filhos da terra esperam por uma data concreta, para que possam estar presentes num dia histórico.
Se hoje estão onde estão e têm o que têm isso deve-se, em parte, às parcerias e entidades públicas que foram dando a mão. Mesmo o Município da Horta, quer antes quer agora, através do protoloco de apoio filantrópico foi dando uma ajuda para fazer face aos custos e às receitas magras proveniente das coletas dominicais.
Bruno Rodrigues está convencido do efeito disseminador deste dia para os locais. E agradecido por tantos quantos ajudaram ao longo dos últimos anos, das semanas e dos dias.
Domingo o coro de Pedro Miguel, que conta com alguns reforços e uma pequena orquestra, cantará a quatro vozes. Este é o 1.º dia do resto da vida daqueles paroquianos.
Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados
Há muita gente que já não está neste mundo que gostaria deste dia, o momento final, de missão cumprida. A certeza é apontada por Dalila Silva, membro da Comissão Fabriqueira (CF)e da Comissão de Obra, e conhecedora de todos os meandros de um processo que levou mais tempo do que era previsto. O projeto esteve licenciado desde 2008.
Após o ritmo acelerado das últimas semanas, depois de se fechar este capítulo, os sentimentos passarão por “dever cumprido” e “um certo alívio, trabalharam muito”. Pelos trilhos da história recente da freguesia ficam 25 anos de angariações de fundos, com Sopas de Espírito Santo a serem feitas de dois em dois meses, na expectativa de um dia ver o desejado edificado. A desilusão, a frustração e a descrença apoderaram-se de alguns, as dúvidas eram bem maiores do que as certezas, e isso conduziu a flutuações na estrutura humano da comissão. Felizes dos que acreditarem mesmo sem terem visto.
A estabilidade procurava-se em Pedro Miguel nos anos pós-sismo. Os párocos sucederam-se: Francisco Monteiro, Davide Barcelos, Tomás de Brito, Marco Luciano e Hélder Miranda, alguns com passagem muito curta. “Cada vez que vinha um padre novo era quase como começar um processo novo”, recorda a porta-voz dos principais financiadores do pagamento do novo templo, satisfeita por nos últimos 11 anos contarem com Bruno Rodrigues, que “foi-se inteirando do processo e caminhando connosco, embora entrando a meio”.
O interesse e mobilização nas eucaristias é consideravelmente inferior ao verificado em 1998. Ainda assim a bisneta de um homem que fez parte da reconstrução da igreja local, fruto do sismo de 1926, perspetiva um futuro positivo: ao longo deste tempo aquela comunidade não contava com as condições mais condignas para a prática da sua fé.
“Agora temos todas as condições para fazer atividade social, socio-caritativa, e atividade religiosa com espaços onde se possam sentir bem para voltar a conviver, e as comunidades todas da ilha do Faial estão a ter uma necessidade urgente disso acontecer”, reforça satisfeita com a preparação que o imóvel a inaugurar tem para acolhimento de eventos culturais, reforçando as opções possíveis nas freguesias ditas rurais.
Organista desde os 11 anos, Dalila sempre acompanhou de perto a vivência religiosa de Pedro Miguel. Os diversos passos que a CF deu foram acompanhados por si enquanto, numa primeira instância, estava de férias universitárias, depois enquanto membro efetivo de ajuda à equipa. Entende que este período desgastou alguns dos envolvidos, mas entende que, em todas as instituições, mesmo com uma ou outra dificuldade, se dará uma renovação. “O pior que podia acontecer era inaugurar a igreja e, quem está há 25 anos a trabalhar para a causa, e merece o devido descanso, não ter quem os pudesse substituir”, declara Dalila Silva crente em que a capacidade de congregação que a igreja católica tem será suficiente para que tudo conheça o rumo desejado.
Há mais de 20 anos que Dalila pensava no que aconteceria neste dia de Dedicação. O sonho era ter uma grande orquestra e um coro pelo menos a quatro vozes. À dezena de elementos do coro uniram-se pessoas, com ligações familiares e afetivas a Pedro Miguel, morando ou não na freguesia. Juntou-se uma orquestra de sete pessoas e o organista será o seminarista Rui Pedro Soares. Tem um grupo com cerca de 30 pessoas, que irão interpretar 16 cânticos nas quatro vozes. “Vou cumprir o meu sonho”, confessa.
Programa da Dedicação da Igreja
23 de julho
15h30 – Concentração dos fiéis e autoridades no campo de jogos de Pedro Miguel. Desfile da filarmónica Unânime Praiense, do centro paroquial de Nossa Senhora da Ajuda em direção ao campo;
15h40 – Receção às autoridades e execução do Hino dos Açores, à chegada do presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores;
16h05 – Chegada de D. Armando Domingues e posterior execução do Hino da Diocese de Angra;
16h15 – Saída em procissão dos ministros, presbíteros e do Bispo, do Polivalente, percorrendo a rampa tardoz.
16H30 – Chegada da procissão à porta principal da nova igreja seguida de eucaristia solene.
19h00 – Receção no centro paroquial aberta a todos os presentes no rito de Dedicação.