FLORENTINO QUE SE DISTINGUIU SÍNTESE HISTÓRICA DO PADRE JOSÉ ANTÓNIO CAMÕES (III) (1777-1827) Sacerdote perseguido, poeta e professor de elevado mérito

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(Continuação)

Todavia, com o falecimento do Bispo D. José Pegado de Azevedo nesse ano de 1812, sucede-lhe o Provisor do Bispado, Dr. João José da Cunha Ferraz. E, embora este, por Provisão de 9 de Setembro de 1812, tenha confirmado o Padre Camões como ouvidor das Flores e do Corvo, a vida deste jamais foi o que era até então. Dias depois, em 17 de Outubro, o Padre Camões escreve um ofício ao referido Provisor que desagrada o novo mandante da Diocese e que este o interpreta como de falta de respeito. 

Para gáudio ou satisfação de uns e aborrecimento de outros, em 1813 aparece o manuscrito do “Testamento de D. Burro, pai dos asnos” que, como referimos, muitos consideram ser da sua autoria. Circula, sobretudo nas Flores, causando grande escândalo. Esse escândalo terá tido maior projecção, sobretudo junto dos seus poucos adversários do clero, face à linguagem atrevida e obscena utilizada pelo seu autor.

Ainda em 1813, talvez antes desse escândalo, é nomeado Prioste da ilha do Corvo mas, em 22 de Janeiro e 13 de Março, volta a remeter novos ofícios ao mencionado Provisor que lhe causam o mesmo desagrado anterior. 

Assim, em 19 de Maio desse ano, é destituído do cargo de ouvidor eclesiástico e acusado de várias irregularidades pelo referido Provisor do Bispado, Dr. João José da Cunha Ferraz. Iniciava-se, deste modo, uma intensa perseguição ao Padre José António Camões, apoiada pelos seus inimigos florentinos, com a cobertura do referido Provisor. É acusado então, entre outras faltas, de “falta de decoro, nímia familiaridade e pouco respeito com que tratou os seus superiores”, “fomentador de intrigas e desordens”, “falta de caridade”, e de “ter procedido ilegalmente contra seculares” (8). Eram termos e faltas que a Inquisição punia gravemente. 

Sobre a nova administração da diocese, em que Cunha Ferraz passara a ser o homem forte, Reis Leite escreve que “Os tempos tinham mudado e os rigores reformadores do bispo tinham passado. As audiências no paço episcopal eram outras e a hora dos inimigos florentinos do nosso sacerdote chegara. É possível que Camões não se tenha apercebido desta mudança e continuando a actuar com o rigor passado, era um homem perdido”. 

Ora, a simpatia, a competência, o saber e o prestígio público de que gozava o Padre Camões, quer nas Flores, quer nos Açores, deverá ter provocado a já tradicional inveja doentia em alguns dos seus adversários. Terá sido isso que levou os seus inimigos, nomeadamente alguns colegas e superiores hierárquicos, a considerá-lo como um alvo a abater. 

 Convento de S. Boaventura de Santa Cruz das Flores  Foi neste local onde o Padre Camões terá estudado e mais tarde leccionado

O Padre Camões, que logo se defende das acusações que lhe são feitas, contesta brilhantemente a sua destituição, e pede que sejam ouvidos todos os clérigos das ilhas das Flores e do Corvo. Pede ainda que sejam ouvidos todos os habitantes dessas ilhas, durante a sua ausência dessas ilhas, para que todos eles se pronunciem livremente sobre a veracidade de toda a sua defesa; “e se de todos eles houver hum único, que deixe de confessar” que o Padre Camões foi o melhor Ouvidor Eclesiástico que tenha lá existido, “oferece este as pernas aos grilhões, os braços às algemas, o pescoço ao garrote, e o corpo ao fogo e ao pó”. Mais tarde vem a excluir dessa unanimidade sete colegas e um florentino seu adversário. A sua defesa é brilhante, como se pode ver no livro “OBRAS” à margem mencionado. 

Deste modo, o novo Ouvidor Eclesiástico dessas ilhas, Reverendo José Jacinto de Fraga, seu sucessor, em 12 de Junho de 1813 pediu a todos os sacerdotes que “atestem, querendo, sobre o alegado” pelo Padre Camões. 

Responderam, com os maiores e mais diversificados elogios, conforme atestados que se sintetizam em Anexo, os seguintes sacerdotes, dos quais seleccionámos alguns excertos (9): 

– o Cura António José da Silveira, de Santa Cruz: – “o pároco mais religioso, respeitado, e estimado destas duas ilhas “[…]” pelo grande talento de ciência, prudência, e capacidade”; 

– o Padre Francisco Inácio de Mendonça Ramos, da mesma localidade: – “é de todos os predicados dotado, tanto pela ciência, prudência e capacidade “[…]” o primeiro sem segundo em ciência em tudo hábil”;

– o Reitor João Inácio Lopes de Bettencourt, dos Cedros: – “é hum Eclesiástico Virtuoso, honrado, e cheio de probidade “[…]”.  Protector da pobreza, socorrendo, amparando, e valendo a todos, tanto filhos da terra, como forasteiros”; 

– o Cura António Lourenço, de Ponta Delgada: – “muito cuidadoso, muito exemplar “[…]” muito amado, e estimado de seus fregueses “[…]” muito caritativo para todos, e muito esmoler”; 

– o Reitor José Joaquim de Almeida, da Lomba: – “Religioso mais respeitado e de maiores luzes que há nestas ilhas “[…]” é um sacerdote muito exemplar nas suas palavras, e acções”;

– o Cura Francisco António da Silveira, das Lajes: – “não conheço nesta Ilha um pároco que melhor cumpre a obrigação de que esta encarregado”; 

– o Padre João Pedro Coelho, das Lajes – “depois de tudo dito não há nada, que dizer”; 

– o Presbítero António Martins da Silva, da Lomba: – “é muito eloquente e sábio”; 

– o Padre João Inácio de Quadros, do Corvo: – “muito apaixonado pelo estado clerical, e quem disser o contrario é com falsidade, e aleivosia e por inveja das heróicas virtudes que brilham no Reverendo Suplicante, dos que nunca mais o podem imitar “[…]”. A quem recorreremos na falta dele?”; 

– o Padre João de Sousa e Almada, do Corvo: –  “O seu único vício é o contínuo estudo, sempre rodeado de livros, de que tem um famoso sortimento, e uma das mais copiosas livrarias particulares, que eu tenho visto “[…]” o mais sábio, e instruído Eclesiástico, que tem estas duas Ilhas”; 

(Continua)

 

BIBL: “O Padre José António Camões uma Tentativa de Bibliografia – Separata do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira”, Vol. XLV, 1987, de José Guilherme Reis Leite; “Anais do Município das Lajes das Flores”, 1970, de João Augusto da Silveira; “Arquivo dos Açores – O Padre Camões” Vol. VIII; “Anais da Ilha Terceira”, 1859, Vol. III, p. 254 a 257, de Francisco Ferreira Drumond; Jornal “Correio da Horta”, de 8-5-1984; Jornal “O Monchique”, de 30-4-2002; Jornal “As Flores” de 13-10-1994 a 29-7-2000; “OBRAS – Memórias da Ilha das Flores, Testamento de D. Burro Pai dos Asnos, Os Pecados Mortais e Poemas Dispersos”, 2006, pp. 21 a 35, do Padre José António Camões, ed. da Câmara Municipal das Lajes das Flores. 

(8). “Anais do Município das Lajes das Flores”, 1970, pp. 91 e 92, de João Augusto da Silveira.

(9). “O Padre José António Camões Uma Tentativa de Biografia – Separa do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira”, ver págs. 1171 a 1186, de José Guilherme Reis Leite.

 

 

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