Mariana Rovoredo
“Não se ama aquilo que não se conhece, e não se protege aquilo que não se ama”
Os tubarões-baleia, maiores peixes do mundo e espécie em risco, eram designados de “pintas-brancas” e “pintados” pelos pescadores de Santa Maria, quando surgiram em grande número, misteriosamente, perto daquela ilha em 2008, trazendo na sua companhia cardumes de atum. No entanto, tão misteriosamente como surgiram, em 2014 desapareceram. Cinco anos depois, os gigantes voltaram à costa da ilha do sol em abundância, tornando este lugar o local da Europa onde os tubarões-baleia se juntam em maior número.
O documentário A Ilha dos Gigantes, uma produção da Atlantic Ridge Productions, estreou recentemente e mostra os esforços do cineasta subaquático Nuno Sá e da equipa do faialense Jorge Fontes, investigador do Instituto OKEANOS da Universidade dos Açores, para desvendar os mistérios sobre os pintados. De onde vêm, para onde vão, porque migram para os Açores e vêm rodeados de atuns? Quase nada se sabia sobre esta espécie e muito ainda continua por desvendar.
Estas questões e o fascínio pelos tubarões-baleia juntaram Nuno Sá à equipa do OKEANOS, e esta, por sua vez, aos pescadores marienses, que continuam a trabalhar em conjunto em prol do conhecimento e desta história única – um grande mistério do Atlântico.
O Tribuna das Ilhas esteve à conversa com Jorge Fontes, natural do Faial, licenciado em Biologia Marinha e Pescas e doutorado em Ciências do Mar com especialidade em Ecologia Marinha, líder da equipa de investigação de espécies migradoras aquáticas do OKEANOS, que, “por acaso e acidente”, encontrou Nuno Sá em Santa Maria, no verão de 2008.

Nesse ano, apesar de não haver um objetivo concreto, Jorge Fontes deslocou-se a Santa Maria para observar as agregações de pintados. “Era uma oportunidade demasiado boa e importante para se perder”, lembra, frisando que a equipa não estava preparada para estudar tubarões-baleia com aquela dimensão. Com a colaboração de colegas dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, numa primeira fase, o ecologista marinho conta que foi possível reunir alguns transmissores de satélite para colocar nos tubarões-baleia. No entanto, as primeiras tentativas falharam, devido à dificuldade de penetrar as suas fortes armaduras. No segundo ano, a equipa marcou três animais, mas não conseguiram dados desses transmissores.
Jorge explica que “o objetivo era não só perceber o comportamento desses animais, no seu estado maduro, quando estavam cá nos Açores, mas também perceber para onde iam quando partiam”. Já sabíamos que eles seriam visitantes sazonais e passariam pelos Açores durante o verão. Queríamos descobrir para onde é que eles iam, na expectativa de também perceber a origem deles”, conta. Agora, a marcação seria mais fácil, pois desde 2016 a equipa vinha a desenvolver as suas capacidades de marcação de grandes animais, aperfeiçoando as ferramentas.
Mas, primeiro do que tudo, porque é que estes animais, com distribuição tropical, se deslocam milhares de quilómetros até ao limite norte da sua tolerância térmica? Para Jorge, tem de haver uma razão muito forte para o fazerem, dado o grande investimento em enveredar nesta viagem.
No entanto, em 2014 os tubarões-baleia deixaram de aparecer, para desilusão do duo, que nunca perdeu a esperança do regresso dos animais. Finalmente, em 2019, os pintados voltaram em grande número, abrindo “a janela para uma nova oportunidade”, lembra o ecologista marinho.
ÁRDUO TRABALHO DE MARCAÇÃO DOS ANIMAIS E RECUPERAÇÃO DE DADOS RICOS
Enquanto Nuno Sá documentava a atividade e comportamento dos pintados, a Jorge Fontes cabia a parte científica, marcando os animais com câmaras e transmissores. O ecologista explica que, apesar de ser ele a dar a cara pela equipa do OKEANOS, outras pessoas colaboram, “desde os engenheiros que trabalham connosco no desenho dos sensores, até aos colegas biólogos que me acompanham e que ajudam a desenvolver e aperfeiçoar as metodologias e a fazer o trabalho de marcação e recuperação das câmaras e transmissores”.
Para além disso, a marcação do animal é só uma parte do trabalho, a segunda parte é também essencial: recuperar os marcadores, o que não é fácil, visto os pintados conseguirem deslocar-se por centenas de quilómetros em poucos dias. Trata-se de equipamentos com informações ricas: os sensores fazem entre 20 e 100 medições por segundo, e, permanecendo no animal durante dois dias, por exemplo, armazenam uma quantidade enorme de dados.
Para Jorge, o trabalho de Nuno Sá, ao documentar todo este trabalho, é deveras importante: “é muito mais eficiente ter boas imagens para acompanhar essa divulgação. Conseguimos mostrar não só aquilo que fazemos, mas também os valores naturais que temos no nosso mar”, diz o líder da equipa de investigação. As imagens de Nuno Sá são, assim, o cartão de visita destes tubarões ao público, que muitas vezes não tem noção do valor e potencial natural dos Açores, e desconhecia a existência de tubarões-baleia com esta dimensão abundância na região, aponta Jorge. De facto, tirando os pescadores, a maioria das pessoas desconhecia que os tubarões-baleia visitavam os Açores.
TUBARÕES-BALEIA
Estes animais medem entre 10 a 12 metros, na sua maturidade, e nascem com cerca de meio metro. A sua boca enorme permite uma sucção muito forte, e, ao contrário dos outros tubarões, localiza-se na frente da cabeça, e não na parte inferior. Têm uma distribuição sobretudo tropical, pelo que vivem em águas quentes.
É um animal icónico não só pelo seu tamanho, mas também pela sua raridade. O número de tubarões-baleia tem vindo a diminuir nas últimas décadas, devido à pesca acidental, à destruição do seu habitat, e, possivelmente, às alterações climáticas.
O ecologista marinho explica que é curioso que nesta agregação em Santa Maria ocorram tanto machos como fêmeas, já que as agregações costeiras são normalmente quase exclusivamente compostas por machos. Nos Açores é possível observar os dois sexos, todavia, não se sabe se se estão a reproduzir cá, apesar de os genitais de alguns machos aparentarem uso. Este é um aspeto muito importante: um animal solitário que viaja em mar aberto e que tem, cá, a oportunidade de encontrar outros tubarões-baleia.
EQUIPA DESVENDA MISTÉRIOS
Graças às câmaras coladas aos tubarões-baleia, foi possível observar, pela primeira vez, o comportamento destes animais e a sua colaboração com os atuns, para benefício de ambos.
Os tubarões-baleia são conhecidos como filtradores (alimentam-se essencialmente de plâncton), no entanto, com a observação destas agregações nos Açores, a equipa de Jorge descobriu que nem sempre é o caso. De facto, foi observado que os tubarões-baleia “recrutam” peixes, como os atuns, e, na ausência destes, lírios, para se alimentarem de cardumes de pequenos peixes, conhecidos como “isca”, como o chicharro, cavala e peixe-trombeta. Jorge explica esta estratégia: “Os atuns obrigam a que os pequenos peixes se concentrem nas bolas de isco e não consigam fugir, pois ficam encurralados pelos próprios atuns, debaixo de água, e pelas aves marinhas, acima de água. O tubarão-baleia consegue alimentar-se dos pequenos cardumes, pois os peixes acabam por não conseguir fugir”. Para além disso, os tubarões-baleia mostram uma grande capacidade de adaptação, “recrutando” várias espécies de peixe, sendo que, em 2020, quando os atuns desapareceram, procuraram outros predadores para os ajudarem a reunir o seu alimento.
A equipa de Jorge observou que os tubarões-baleia estão constantemente a mergulhar, provavelmente para controlo de temperatura corporal. Têm ainda uma estratégia inteligente para percorrer grandes distâncias, poupando energia, através do “gliding”, uma espécie de voo planado. Conseguem mergulhar muito fundo (com registos de dois mil metros de profundidade nos Açores), o que demonstra que conseguem suportar ambientes extremos, mesmo sendo animais de águas mais quentes.
Foi também possível apurar que muitos destes animais regressam aos trópicos no inverno, sobretudo para o Atlântico Tropical oeste (desde o Norte do Brasil até às Caraíbas). Alguns tubarões-baleia regressam, no ano seguinte, aos Açores, o que sugere que há uma espécie de memória e, sobretudo, uma enorme capacidade de navegar, compreende Jorge. Em mar aberto não há referências, todavia os tubarões-baleia conseguem fazer milhares de quilómetros no oceano, com um destino predefinido e conseguindo fazer o caminho inverso.
“POR CADA RESPOSTA QUE OBTEMOS, SURGEM DUAS OU TRÊS PERGUNTAS”
Jorge considera que esta continua a ser uma espécie curiosa: ainda não se sabe onde é que desovam e onde vivem os juvenis, mas a investigação continua.
É também preciso apurar porque é que a expansão do habitat do tubarão-baleia acaba por acontecer mais regularmente até latitudes tão altas como a dos Açores. Isto poderá dever-se às alterações climáticas e ao aquecimento global dos oceanos, defende o biólogo, pois, nos anos mais quentes, aparecem mais tubarões-baleia.
Este trabalho é essencial pois, conhecendo melhor os animais e a sua ecologia, será possível criar medidas de conservação mais inteligentes e eficazes, explica o líder da equipa do OKEANOS.
Com a investigação e divulgação, as pessoas poderão perceber a importância de preservar e gerir melhor o mar e os seus recursos. Jorge Fontes conclui que “se não conhecerem, não poderão admirar e quem não admira e não ama nunca vai proteger. Não se ama aquilo que não se conhece e não se protege o que não se ama”, um valor muito importante nos dias de hoje, em que a atividade humana provoca alterações climáticas, e estas, por sua vez, prejudicam os habitats naturais e colocam em risco várias espécies, tão importantes para a humanidade, sem que esta tenha a consciência disso.
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