Modelação matemática das conchas marinhas

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A Matemática tem um grande impacto nas nossas vidas, mesmo que muitas vezes não nos demos conta da sua aplicabilidade. Através de um código próprio, a Matemática fornece importantes ferramentas que permitem descrever e compreender a realidade que nos rodeia. Em particular, a Matemática ajuda-nos a interpretar os fenómenos que observamos na Natureza. Ian Stewart, conhecido matemático britânico, prevê para o século XXI um investimento crescente na aplicação de modelos matemáticos à Biologia, motivado pela necessidade de compreendermos com profundidade os padrões que caracterizam o mundo vivo. O autor, nas suas obras Nature’s Numbers (1995), Life’s Other Secret (1998) e The Mathematics of Life (2011), apresenta-nos exemplos muito interessantes de modelos matemáticos aplicados à Biologia, muitos deles descobertos nas últimas décadas. A modelação matemática é o processo pelo qual se cria um modelo com vista à análise teórica de uma situação da vida real. Um modelo matemático é, pois, uma representação de um objeto ou fenómeno real, com base num conjunto de regras ou leis de natureza matemática que o retratam adequadamente. A modelação matemática é utilizada em problemas tão diversos como, por exemplo, para se estudar o crescimento populacional na Ecologia ou a concentração de um medicamento no sangue nas Ciências da Saúde. A aplicação de modelos matemáticos é fundamental na construção de aeronaves ou na orientação dos satélites em órbita, entre muitos outros exemplos. No contexto deste artigo, interessa-nos particularmente os modelos matemáticos que permitem interpretar fenómenos naturais. A beleza das conchas marinhas constitui um claro convite à construção de modelos matemáticos que possam proporcionar uma melhor compreensão do mecanismo associado à sua formação. A utilização de computadores para a visualização e análise das formas das conchas teve origem nos trabalhos de David M. Raup (1933-2015), na década de 60 do século passado. Desde então, muitos investigadores têm dedicado parte do seu tempo a esta temática. Também é interessante verificar que o Capítulo XI do livro On Growth and Form, de D’Arcy Thompson (1860-1948), publicado pela primeira vez em 1917, pela Cambridge University Press, apresenta já uma descrição geométrica detalhada do crescimento das conchas marinhas, com base em algumas medições efetuadas. Thompson procurou identificar princípios da Física que explicassem a forte presença de padrões matemáticos na Natureza. O crescimento das conchas foi um dos temas que escolheu. Entre outros aspetos, o autor refere que “a superfície de qualquer concha pode ser gerada pela revolução em torno de um eixo fixo de uma curva fechada, a qual, permanecendo sempre geometricamente semelhante a si mesma, aumenta as suas dimensões continuamente”. É interessante verificar que o molusco não alarga a sua concha de modo uniforme, pois adiciona material apenas a uma das extremidades da concha (a extremidade aberta ou “de crescimento”) e fá-lo de maneira a que a nova concha seja sempre um modelo exato, à escala, da concha mais pequena. Este processo de crescimento tem uma consequência matemática: quase todas as conchas seguem um modelo de crescimento baseado numa espiral logarítmica. Este tipo de espiral, designada por Jacob Bernoulli (1654-1705) como Spira mirabilis (espiral maravilhosa), surge com frequência na Natureza, tanto nos cornos e nas garras de alguns animais como em galáxias distantes. O matemático Jorge Picado, da Universidade de Coimbra, no seu trabalho Conchas marinhas: a simplicidade e beleza da sua descrição matemática, disponível na Web em www.mat.uc.pt/~picado/conchas, mostra-nos que as conchas, com a sua forma auto-semelhante, podem ser representadas por superfícies tridimensionais, geradas por um sistema de equações relativamente simples, com alguns parâmetros livres. Apesar da simplicidade do modelo matemático, é possível gerar praticamente todos os tipos de conchas, com poucas exceções! Na página da Associação Atractor, é possível apreciar um projeto que contou com a coordenação científica de Jorge Picado (www.atractor.pt/mat/conchas), estando disponíveis várias aplicações em JAVA que permitem testar a variação dos parâmetros. A título de exemplo, apresentam-se os modelos das conchas de alguns gastrópodes, que foram gerados recorrendo à versão 9.0 do software Mathematica: Glória dos Mares (Conus gloriamaris, Fig. 1), Búzio (Charonia lampas, Fig. 2), Cone (Conus omaria, Fig. 3), Turritela (Turritella communis, Fig. 4), Troque maurea tigre (Calliostoma tigris, Fig. 5), Nática de orelha (Naticinae, Fig. 6), Capacete húngaro (Capulus ungaricus, Fig. 7), Castanha dourada (Ancilla adelphe, Fig. 8), Neptuno entalhado (Neptunea tabulata, Fig. 9), Tonel gigante (Tonna tankervillii, Fig. 10) e Concha em serpentina (Vermetoidea, Fig. 11). O tema deste artigo é parte integrante da exposição “Coleção de Conchas Robert Benevides & Raymond Burr”, que estará em exibição pública entre agosto e dezembro de 2016, no Banco de Artistas (antigas instalações do Banco de Portugal), na Cidade da Horta. A coleção é uma oferta de Roberto Benevides à sua Cidade da Horta, e a exposição resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal da Horta, o Observatório do Mar dos Açores, o Departamento de Oceanografia da Universidade dos Açores e a Direção Regional dos Assuntos do Mar, Governo do Açores, entidades que têm a responsabilidade de a preservar e divulgar. Resta-me agradecer a Filipe Porteiro, Carla Dâmaso, Rogério Feio, Noélia Rios e Ester Pereira, o convite para colaborar nesta iniciativa, potenciando assim o papel educativo desta coleção no campo da Matemática aplicada. Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

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