Como lucidamente escreveu António Barreto, “Há 30 ou 40 anos que as populações aspiram às delícias da vida moderna. Os que já lá chegaram querem mais e não renunciam. Os que ainda não chegaram consideram uma suprema injustiça serem agora travados. Foram condicionados pelos mais poderosos aparelhos de publicidade e informação que a humanidade jamais conheceu. A propaganda política deu uma ajuda poderosa. Há décadas que os governos, as televisões, a imprensa e os grandes grupos económicos comungam um punhado de ideais que presidiram à nossa vida coletiva. Para usar o lugar-comum conhecido, o ter substituiu o ser.”
E o ter tornou-se, nessa dinâmica em que todos fomos envolvidos, um modo de vida e uma mentalidade que se desenvolveu e se consolidou na sociedade ocidental atual. E para a satisfazer impôs-se a ideologia do consumo e do sucesso.
Quando olho para o que se tem passado em Portugal (com os vários casos na Banca – o BES é apenas o último que veio a conhecimento público!), mas também nos restantes países do mundo ocidental, não deixo de verificar que há, na raiz de muito do que nos tem acontecido, uma consequência direta ou indireta desta mentalidade que se impôs na nossa sociedade, em que o sucesso tudo explica. O critério de vida é vencer, a qualquer preço, sem olhar a meios. Os fins tudo justificam, incluindo a mentira, as ilegalidades, a deslealdade, os truques enganosos, a corrupção. E a consciência só pesa se não se vencer nem se tiver sucesso. Porque estes, quando acontecem, tudo apagam, tudo justificam, tudo legitimam.
Vivemos na sociedade que criámos. Que escutou os seus deuses e que escolheu os seus padrões de vida.
E, por isso, esta é também a sociedade que escolheu não escutar outras vozes, discordantes, que denunciaram os perigos das escolhas que se estavam a fazer, que foram alertando para os perigos e que foram propondo caminhos diferentes.
Uma dessas vozes não escutada foi a do Papa Emérito Bento XVI.
Entre o muito que disse e escreveu, recordo as suas afirmações, em 2011, no contexto da Jornada Mundial da Juventude em Madrid, quando lançou um apelo por uma economia “centrada no homem” e não “no lucro”. Segundo ele, “O homem deve estar no centro da economia” e a atual crise económica “confirma o que já aconteceu nas anteriores crises”, isto é, que “a dimensão ética não é uma coisa exterior aos problemas económicos, mas uma dimensão interior e fundamental”. “A economia não funciona apenas com uma autorregulação mercantil, tem necessidade de uma razão ética, para funcionar”, e esta deve-se medir pelo “bem de todos”.
O que se passou no BES não será, também, em grande medida, o espelho desta sociedade que perdeu uma razão ética para funcionar e que vive na ilusão de que o critério de vida é vencer, a qualquer preço, sem olhar a meios?
Se Bento XVI e outros tivessem sido escutados e sido levados à prática, o que já não se teria, entretanto, evitado em Portugal e no Mundo.
11.08.2014