Retalhos da nossa história – CCVIII – Coronel Astolfo da Costa, africanista e grande amigo da sua terra

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Faialense, nascido na freguesia das Angústias a 21 de Março de 1870, Fernando Astolfo da Costa era filho de António Bernardo da Costa e de Rita Jesuína da Costa. Tendo vivido quase sempre longe da sua terra natal, jamais a esqueceu e, por várias vezes, empenhou-se no seu desenvolvimento, marcando presença actuante sobretudo nas horas difíceis por que passaram os seus conterrâneos.

Concluído o Liceu da Horta, onde se matriculara pela primeira vez em 1884, ingressou voluntariamente no serviço militar em 1889. Terminado o Curso da Arma de Infantaria, foi alferes em 1896, tenente em 1902, capitão em 1906, major em 1915, tenente-coronel em 1917, coronel em 1922, passando à reserva em 1927.
Uma grande parte da sua carreira decorreu no Ultramar Português, concretamente em Moçambique e Angola, destacando-se em expedições militares ao lado de tantos outros camaradas de armas que haviam despertado para a vida militar e para os problemas coloniais com o choque que o Ultimatum (1890) provocou na generalidade dos portugueses. Assim, em 1898 foi mobilizado para Moçambique, aí permanecendo dois anos, tendo participado em múltiplas acções militares, nomeadamente a expedição do Niassa, tomando parte nas operações ao Quamba, designadamente em Mocuna, Metarimba, Livambala, Nagama, Namatanda e Luangua. Regressou a Portugal em Dezembro de 1899 e em 1900 voltou àquela colónia portuguesa do Índico, nomeado ajudante de campo do governador-geral, Gorjão Henriques. De volta à Metrópole, Fernando Astolfo Costa foi destacado para a Guarda Fiscal, mas depressa regressou ao Exército, sendo mobilizado para novas comissões no Ultramar Português. Em 1904-1906 esteve em Angola desempenhando as funções de ajudante de campo do governador-geral Ramada Curto e, após curto período em Lisboa, foi para Angola em 1907, onde exerceu o cargo de ajudante de campo do governador-geral – que era o famoso africanista e indefectível monárquico Henrique Paiva Couceiro – e comandou a força militar que realizou a ocupação efectiva de Ambriz (1907) e de Santo António do Zaire e Quifuma (1908). No decurso dessa comissão foi ainda comandante do depósito Geral de Degredados e governador da Fortaleza de S. Miguel em Luanda (1908). Havendo regressado à Metrópole em 1909, aí esteve até Dezembro de 1912, seguindo então para Moçambique prestando serviço, com as forças militares destacadas em Cabo Delgado, na construção do caminho-de-ferro da colónia.

Havendo regressado definitivamente à Metrópole em 1915, esteve colocado no Estado-Maior de Infantaria e comandou o Regimento de Infantaria 18. Possuía vários louvores e condecorações, nomeadamente: Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada (1900), Medalha de ouro dos serviços distintos do Ultramar (1909), Medalha Comemorativa das Campanhas de Moçambique (1914-1915), Medalha de ouro de comportamento exemplar (1920), Medalha de Vitória (1920) e comendador da Ordem Militar de Avis (1921)1. Em 1927 – ano em que passou à situação de aposentação – chefiava ainda o Distrito de Recrutamento e Reserva n.º 1 quando foi destacado para o Gabinete do Ministro do Interior com o objectivo de se dedicar inteiramente ao serviço da Comissão Executiva de Auxílio aos Sinistrados do Faial que integrava conjuntamente com o governador civil de Lisboa, tenente-coronel Luís de Moura, e com o açoriano Afonso Dornelas.
Em 31 de Janeiro de 1928 um “lamentável desvairamento levou Astolfo da Costa a pôr termo à sua benemérita existência”. O malogrado oficial “era um açoriano de elevação, entranhadamente votado aos interesses dos Açores e, muito em especial, à ilha do Faial, sua terra natal. Apesar de há longos anos afastado dos Açores, eram os Açores a sua grande paixão, por eles trabalhando com o máximo desinteresse, em peregrinação pelas repartições públicas e associando-se com o maior entusiasmo a todas as iniciativas tendentes a engrandecer o seu nome e a torná-lo conhecido dos continentais. Foi assim que o vimos acorrer espontaneamente aos longos e pertinazes trabalhos preparatórios do Grémio dos Açores, que um reduzido número de devotados açorianos tomou sobre os seus ombros, através de muitas contrariedades. Com inteira justiça se pode dizer que foi devido em grande parte à pertinência e entusiasmo de Astolfo da Costa que esses dificultosos trabalhos puderam ser coroados de êxito (…) Onde, porém, a sua dedicação de açoriano se patenteou foi, de há dois anos a esta parte, no intenso trabalho da grande subscrição para os sinistrados do Faial, de que foi a verdadeira alma. Como faialense sentimental, chocaram-no profundamente as desgraças da sua terra e para minorar a sorte dos sinistrados, trabalhou com a dedicação de um verdadeiro beneditino”2.

Vítimas do violento terramoto que assolou o Faial em 31 de Agosto de 1926 que causou nove mortos, largas dezenas de feridos e avultados prejuízos com a destruição de inúmeras casas e propriedades, todas as ajudas eram absolutamente prementes aos sinistrados. Pouco depois da catástrofe, estimava-se que cerca de 12 mil pessoas necessitavam de alojamento, já que as suas habitações haviam ruído total ou parcialmente. Não é nosso propósito analisar agora o andamento e as prioridades do processo de reconstrução, que se arrastou por vários anos. Importa-nos apenas acentuar que, para responder, ainda que minimamente, à enorme carência de casas, foram construídos vários bairros, alguns de madeira e com carácter temporário – e que, apesar das boas intenções se tornaram definitivos até aos nossos dias! – e outros com materiais resistentes e apresentando boas condições de habitabilidade. Situa-se neste caso o popularmente chamado “Bairro de Porto Pim” ou “Bairro da Avenida”, mas cuja designação oficial passou a ser, desde 23 de Janeiro de 1930, a de “Bairro Mouzinho de Albuquerque”. Foi, efectivamente, nesse dia que a comissão administrativa da Câmara Municipal da Horta, presidida por José Inácio da Silva e estando presentes os vogais João Goulart da Silva, José da Rosa da Silva, Manuel Alexandre da Silva e António de Carvalho Alua Júnior, apreciou em sessão ordinária “a planta em duplicado do bairro construído em Porto Pim” que lhe enviara o governador civil do distrito com o pedido para que lhe “fosse devolvida uma das plantas com os nomes dos respectivos arruamentos”.

Desse encargo se procuraram desincumbir aqueles edis. Além da designação de várias artérias do novo conjunto habitacional, a Câmara ultrapassou a solicitação do chefe do distrito e entendeu ser “da maior justiça dar ao bairro de Porto Pim o nome de Bairro Coronel Mouzinho de Albuquerque”. Foi ele que, de Setembro de 1926 a Janeiro de 1927, como governador do distrito da Horta e com poderes de Alto-Comissário, coordenou os auxílios aos milhares de sinistrados do terramoto e dinamizou o processo de reconstrução. Ao relembrar “os inúmeros serviços prestados pelo ilustre e valente oficial” a Câmara – depois de sublinhar que ele “observou o estado aflitivo da maior parte da população desta ilha, flagelada com tão horrorosa catástrofe, empregando a favor das mesmas a sua reconhecida energia e valimento junto do governo” – prestava “assim àquele distinto oficial esta singela homenagem”. No que respeita à toponímia das artérias daquele bairro, a autarquia “escolheu a rua n.º 3, que é a central e de maior extensão para ficar com o nome de Rua Zeferino Oliveira, o benemérito português que por ocasião de ser iniciada no Rio de Janeiro a subscrição a favor dos sinistrados do terramoto de 1926 foi o primeiro a inscrever-se com a importante quantia de cinquenta contos em moeda brasileira”. A rua n.º 5 passou a chamar-se Rua Tenente-Coronel Luís Moura, “por ter sido este oficial, como governador civil de Lisboa, o presidente da Grande Comissão de Socorros ao Faial, que muito se esforçou em benefício dos sinistrados”. Para a rua n.º 1, paralela àquelas, a Câmara decidiu que se chamasse Rua Capitão Mesquita, oficial que sucedeu ao Coronel Mouzinho de Albuquerque no cargo de governador civil do distrito da Horta e que “no exercício do mesmo prestou relevantes serviços a bem dos sinistrados”. Finalmente à rua n.º 4, perpendicular àquelas e central, a nossa municipalidade deliberou que passasse a ser a “Rua Coronel Astolfo da Costa, ilustre filho desta terra, já falecido, que por ocasião do terramoto muito fez em Lisboa, junto dos poderes públicos, em favor dos seus patrícios atingidos por aquela catástrofe”. Para as ruas com os números 2 e 6, paralelas à 4, a Câmara não indicou nomes “reservando-se para o fazer oportunamente”.3 E fê-lo, embora sem efeitos práticos quando, em sessão de 11 de Dezembro de 1930, deliberou que a uma artéria do Bairro Mouzinho de Albuquerque seja dado o nome de ‘Rua do Coronel José Inácio da Silva”, prestando assim homenagem “àqueles que, como ele pelo seu trabalho, inteligência e dedicação contribuem para o progresso e bom nome do Concelho”4.
Actualmente, aquelas artérias têm o nome de “rua Jaime da Rosa Serpa” e “avenida Gago Coutinho e Sacadura Cabral”.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

 

1Mais elementos da sua carreira militar – de onde retirei os que aqui utilizei – podem encontrar-se em Arruda, Luís M. e Leite, J. G. Reis, s.v., “Costa, Fernando Astolfo da”, in Enciclopédia Açoriana, www.pg.azores.gov.pt/Dirac/cca/enciclopedia/index.aspx
2 “Portugal, Madeira e Açores”, de 8 de Fevereiro de 1928
3 B.P.A.R.H. Lv. Vereações n.º 73 da C.M.H., fls. 14-v. a 19-v.
4 B.P.A.R.J.J.G., Livro Vereações n.º 74 da C. M. H., fl. 63

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