27. Governador Luís Caldeira Mendes Saraiva

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Retalhos da nossa história – XCII

No Centenário da República Portuguesa (22)

Nomeado pelo Ministério presidido pelo coronel António Maria Baptista, o Dr. Luís Caldeira Mendes Saraiva assumiu o cargo de governador civil do distrito da Horta em 21 de Março de 1920, cargo que estava a ser interinamente exercido desde 14 de Janeiro pelo secretário-geral Dr. Urbano Prudêncio da Silva, porque nesse dia havia cessado aquelas funções o anterior titular Dr. António Xavier de Mesquita.

O novo chefe do distrito, contrariamente aos seus antecedentes, não era natural dos Açores mas residia e trabalhava na Horta já há algum tempo como advogado e Conservador do Registo Civil.

Por mais governos que houvesse, nenhum deles conseguia estancar a instabilidade política e garantir um mínimo de progresso económico e de solidariedade social que minimizasse a vida difícil que apoquentava a grande maioria dos portugueses. Efectivamente, não havia forma de o País sair do caos em que se encontrava. O próprio presidente do Ministério fora de uma total clareza ao proclamar que o seu “governo assumia o poder numa hora angustiosa para a Nação e para a República […] porque a vida colectiva se encontrava abalada até aos fundamentos”[1]. Sucediam-se as greves e os tumultos, os bombistas aumentavam as suas acções em Lisboa e crescia a penúria de grande parte da população.

Apesar de se encontrar na periferia e ser uma Região tradicionalmente pacífica, os Açores não fugiam à regra, pelo que não era fácil a acção dos governadores civis. Também assim sucedeu com o Dr. Luís Saraiva. Apesar de breve, o seu mandato ficou marcado pelas crises de abastecimentos e subsistências, por fomes e epidemias, e por alguns episódios de violência, especialmente na cidade da Horta, protagonizados por marinheiros e populares.

Antes de fixar residência no Faial, o Dr. Luís Saraiva fora administrador do concelho de Estremoz nomeado por decreto do Presidente da República Manuel de Arriaga de 24 de Agosto de 1912[2]. Viera depois para a Horta a fim de ocupar o lugar de Conservador do Registo Civil que se encontrava vago desde a morte, em 22 de Agosto de 1916, do seu primeiro titular Dr. Eduviges Goulart Prieto. Cedo se terá destacado na sociedade faialense, assumindo cargos públicos ou sendo membro activo de agremiações de destaque, como seja o “Amor da Pátria”, de que era, em 1930, um dos 36 sócios efectivos que constituíam a sua assembleia-geral, tendo participado activamente nas reuniões realizadas após o incêndio do edifício em 13 de Agosto desse ano na busca de soluções para a nova sede.

Curiosamente, fizera-se sócio do Amor da Pátria e aderira à maçonaria em 1919, ano em que também contraiu casamento na paroquial da Praia do Almoxarife com Júlia Bettencourt Ribeiro, natural e residente na Matriz da Horta.

Entretanto exercera, por nomeação de 27 de Fevereiro de 1919 do governador civil Dr. Manuel Francisco Neves Jr., o cargo de presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Horta, da qual faziam parte Manuel Agostinho Fernandes da Fonseca, Carlos Alberto da Silva Pinheiro, José Rodrigues, Jaime Urbano de Lima, Guilherme Goulart da Costa, Manuel Maria de Castro, José de Serpa da Rosa e José Augusto Noia. Demitir-se-ia desse cargo em Maio, sendo substituído por Jaime Maria Soares de Melo[3], para, apenas decorridos 10 meses ser nomeado governador civil do distrito da Horta. Continuando o que era há muito praticado, logo tratou de nomear administradores de concelho e regedores de freguesia da sua confiança. Escolheu para administradores do concelho os seguintes cidadãos:

Horta – Pedro Maria Lecoq; Santa Cruz – Álvaro Carlos Flores; Lajes das Flores – António Luís de Freitas; Madalena – António Nunes da Silva; Lajes do Pico – João de Deus Macedo; São Roque – Manuel Machado Linhares Soares, os quais, seriam exonerados com a posse de novo governador[4]. Era, do topo à base, uma administração pública em constante mutação!

No exercício das funções de chefe do distrito, o Dr. Luís Saraiva teve de enfrentar dificuldades sérias, como as crónicas faltas de bens essenciais ou as mortíferas epidemias que, na falta de medidas profilácticas, eram devastadoras. A gripe pneumónica que em 1919 assolou quase todo o arquipélago, terá chegado às duas ilhas mais ocidentais em 1920. As autoridades locais, impotentes e sem meios para combaterem a doença, pediram providências ao governador civil que tudo fez para que o pedido fosse imediatamente concretizado. Não houve, contudo, nenhum médico que se voluntariasse para seguir para Flores e Corvo e, quando o Dr. Luís Saraiva se viu obrigado a “convidá-los”, todos se esquivaram. Enviou ofícios a três médicos: Dr. João Pereira de Lacerda Forjaz, Dr. José Estêvão da Silva Azevedo e Dr. Alberto Goulart de Medeiros, este já oficialmente aposentado, mas os dois primeiros exercendo cargos públicos. Daí haver interesse, até para que não se continuem a imputar responsabilidades ao governador civil, em transcrever a participação que fez ao Delegado do Procurador da República na Comarca da Horta em 20 de Maio de 1920:

“Tendo reunido em 10 do corrente neste Governo Civil a Junta Distrital de Higiene para indicar as medidas a adoptar perante a epidemia que com intensidade estava grassando nas ilhas das Flores e Corvo foi emitido o parecer de que era necessário enviar urgentes socorros médicos que estavam sendo instantemente reclamados.

Conformando-me com este parecer inteiramente justo e procurando executá-lo, mas não obtendo o assentimento voluntário de qualquer dos médicos que compareceram na referida Junta para a execução do parecer emitido, impôs-se-me a necessidade de convocar o Exmo. Delegado de Saúde Dr. João Pereira de Lacerda Forjaz e o médico mais novo Dr. José Estêvão da Silva Azevedo para irem prestar os valiosos serviços da sua profissão no tratamento das epidemias das Flores e Corvo, tendo justificado o Exmo. Delegado de Saúde por atestado que se acha arquivado neste Governo Civil […] que não podia ir na ocasião para Flores ou Corvo fazer clínica intensiva que o estado sanitário destas ilhas exigia, em virtude de sofrer de diabetes em grau já bastante avançado e ainda de uma adenite supurada que há poucos dias tinha sido aberta, e tendo respondido o Exmo. Dr. José Estêvão da Silva Azevedo que lhe era impossível seguir por o não permitir o seu estado de saúde. Como, porém, não tivesse apresentado o competente atestado de doença que o inibisse de seguir e nem como tal podendo ser considerado o seu ofício pois que a si próprio não podia passar atestados, convidei o Exmo. Delegado de Saúde a proceder ao exame, feito o qual, declarou o Exmo. Dr. José Estêvão da Silva Azevedo em condições de seguir viagem, sendo certo, porém, que o mesmo não seguiu nem se prontificou a seguir.

E porque a apreciação da legitimidade ou ilegitimidade do não cumprimento da minha convocação compete aos Tribunais, venho rogar a V. Ex.ª se digne promover o que entender conveniente a bem da Justiça”[5].

O governador Luís Saraiva fez acompanhar esta participação dos ofícios nela referidos. Se houve ou não decisão judicial, é assunto que não conseguimos apurar. Mas, o que não deixa de ser uma trágica ironia – que pode ter condicionado os demissionários procedimentos daqueles clínicos – é que uns meses antes, tenha sido precisamente o médico florentino Dr. José de Freitas Pimentel a sucumbir no cumprimento do dever quando ajudava a população da Madalena do Pico a livrar-se da peste pneumónica!

 Entretanto, em 6 de Junho desse ano faleceu repentinamente, em plena reunião do Conselho de Ministros, o Chefe do Governo e, quatro dias depois, o governador civil do distrito da Horta demitia-se, deixando o exercício do cargo entregue ao secretário-geral, Dr. Urbano Prudêncio da Silva, a quem dirigiu, em 9 de Junho de 1920, um extenso ofício que mais do que uma formal transmissão de poderes, revela um carácter íntegro e testemunha sincera gratidão de quem se “retirou com a mais grata recordação de todos os zelosos, honestos e dignos funcionários, cuja lealdade deveras”[6] o penhorou.

Continuando no exercício da advocacia e de Conservador do Registo Civil, o Dr. Saraiva seria ainda chamado a ocupar o cargo de Comissário da Polícia (24.9.1924) e de gerente da Empresa de Iluminação Eléctrica da Horta (3.3. 1926).

Do seu casamento com Júlia Bettencourt Ribeiro (29.11.1919) nasceram na Horta os seguintes filhos: Luís Ribeiro Caldeira Saraiva (19.2.1922), Carlos Ribeiro Caldeira Saraiva (14.5.1923), Fernando Ribeiro Caldeira Saraiva (13.10.1925) e Margarida Ribeiro Caldeira Saraiva (8.5.1927). Problemas conjugais levaram a que o casal requeresse o divórcio que foi decretado a 7 de Janeiro de 1931 pelo Juízo de Direito da Comarca da Horta[7].

Regressou definitivamente a Lisboa a 9 de Junho de 1932, havendo sido homenageado, dois dias antes, “por um grupo de amigos” com um jantar de despedida no Hotel Faial, “festa esta que decorreu com muita animação”[8]. Foi ainda Conservador do Registo Civil nas cidades de Castelo Branco e do Porto.

O Dr. Luís Caldeira Mendes de Saraiva nasceu em Passos da Serra, concelho de Gouveia, distrito da Guarda, em 16Julho de 1890 e lá faleceu a 8 de Agosto de 1976.


[1] “Ilustração Portuguesa”, Lisboa 29.3.1920, pp. 232-233

[2] ANTT, Ministério do Interior, Decretos, Maço 208, Cx. 16

[3] AGCH, Livro n.º 327 (provisório) folha avulsa

[4] AGCH, Livro n.º 391 (provisório) fls. 71-114

[5] AGCH, Livro n.º 380 (provisório) fls. 106-109

[6] AGCH, Livro n.º 391 (provisório), fls. 135-137

[7] Livro Casamentos do Registo Civil da Horta, fls.118 e 118-v, nota à margem

[8] “O Telégrafo” de 9 Junho de 1932, p. 4

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