Existem ferramentas matemáticas que permitem classificar de forma sistemática e eficaz os padrões que nos rodeiam. Com isso, podemos compreender melhor o mundo onde vivemos e até a nossa própria cultura. Como já foi referido nos últimos artigos, o conceito de simetria é uma dessas ferramentas. A ideia de beleza e de harmonia das proporções está intimamente relacionada com este princípio unificador de organização e forma. O conceito intuitivo de simetria acompanha-nos desde que começamos a ter consciência do mundo em que vivemos. À nossa volta, encontramos inúmeros exemplos de simetria, quer na Natureza (nas asas de uma borboleta, nas pétalas de uma flor ou numa estrela do mar), como na arquitetura, na arte decorativa e em muitos dos objetos com que nos cruzamos todos os dias. Mas apesar de ser fácil reconhecer intuitivamente exemplos de simetria, o seu estudo matemático requer atenção e esforço adicionais. Mesmo assim (e, se calhar, por isso mesmo), este pode ser um desafio altamente motivador.
Em geral, e por uma questão de simplificação, pensamos nas figuras a estudar como conjuntos de pontos do plano. Uma simetria de uma figura é um tipo especial de transformação do plano (designada por isometria – uma maneira de mover os seus pontos, mantendo as distâncias entre eles), que fixa globalmente essa figura, ou seja, a figura original e a obtida por essa transformação sobrepõem-se por completo. Por exemplo, um quadrado sobrepõe-se a si próprio se for rodado 90 graus em torno do seu centro. Dizemos que essa rotação é uma simetria do quadrado.
Já aqui abordamos os padrões que podemos encontrar nas calçadas, mesmo por baixo dos nossos pés. Contudo, se levantarmos um pouco a cabeça não ficaremos menos surpreendidos. As nossas varandas são igualmente ricas em padrões, que se caracterizam pela repetição de um motivo ao longo de uma faixa, tal como acontece com muitos passeios em calçada. Estes padrões designam-se por frisos e a sua classificação baseia-se na forma como o motivo se repete (não propriamente no formato específico desse motivo).
Matematicamente, prova-se que existem apenas 7 maneiras diferentes de repetir um motivo ao longo de uma faixa, recorrendo aos diferentes tipos de simetria do plano. Por haver repetição do motivo ao longo da faixa, a simetria de translação tem presença obrigatória, podendo existir ou não outros tipos de simetria. A primeira pergunta que deve ser colocada por quem pretenda classificar um friso é se existe meia-volta (simetria de rotação de 180 graus). Em seguida, é necessário verificar se existem simetrias de reflexão horizontal (com a mesma direção do friso) ou vertical (com direção perpendicular à do friso), ou se existem simetrias de reflexão deslizante (que produzem padrões semelhantes aos das nossas pegadas ao caminharmos descalços na areia).
Neste artigo, vamos estudar os dois tipos de frisos mais comuns que surgem habitualmente nas varandas dos Açores. A título de exemplo, apresentamos uma varanda do Teatro Faialense (A) e uma varanda do Coliseu Micaelense (B). Começamos pelo primeiro exemplo. Se o leitor rodar a página do jornal 180 graus (o que equivale a colocá-la “de pernas ao ar”), verificará que a configuração da varanda em A não se altera. Isto significa que existe meia-volta. Facilmente também chegará à conclusão que existe reflexão horizontal (se dobrar a página do jornal ao longo da reta horizontal representada em A, verificará que as duas metades encaixam perfeitamente). Além disso, se o leitor supuser que o padrão se repete indefinidamente ao longo da faixa, encontrará igualmente várias reflexões verticais (um desses eixos de simetria está representado em A). Já a varanda em B não tem simetria de meia-volta, uma vez que, ao rodar a página 180 graus, a sua configuração é alterada. Também não tem simetria de reflexão horizontal. Apresenta apenas simetrias de reflexão vertical (um dos eixos de simetria está representado em B, mas um olhar atento permitirá encontrar outros eixos de reflexão vertical, paralelos a esse). Por apresentar uma maior variedade de simetrias, a varanda do Teatro Faialense é matematicamente “mais bela” do que a varanda do Coliseu Micaelense.
Encontram-se muitos exemplos destes dois tipos de frisos nas varandas da Cidade da Horta, quer do tipo A (por exemplo, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça), como do tipo B (na casa ao lado do Teatro Faialense, na Alameda do Barão de Roches).
Seria interessante um levantamento fotográfico e histórico das varandas da Cidade da Horta, à semelhança do trabalho desenvolvido por Carlos Lobão, em 2003, sobre as calçadas da cidade. Aos olhos de um matemático, não menos interessante seria uma classificação exaustiva dos padrões das nossas varandas, à semelhança do que foi feito para os roteiros de simetria das calçadas da Horta que serão distribuídos em breve no Tribuna das Ilhas.
Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]