Arte com Matemática: Uma análise dos padrões do artesanato faialense

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A freguesia da Matriz, da cidade da Horta, assinalou no passado dia 8 de março de 2016 mais um Dia da Freguesia, data que marca também o nascimento de António José de Ávila, mais tarde conhecido por Duque D’Ávila e Bolama. A sessão solene desta celebração decorreu pelas 20h30 na Sociedade Amor da Pátria. Foi proferida a comunicação “Arte com Matemática: Uma análise dos padrões do artesanato faialense”, que dediquei à arte de recortar papel da Dona Maria de Lourdes Pereira, às rendas tradicionais da Dona Ana Baptista, aos bordados de palha de trigo sobre tule da Dona Isaura Rodrigues e aos bordados de crivo da Dona Salomé Vieira. Na Fig.1, uma fotografia das quatro artesãs comigo e com a Dra. Alice Menezes da Rosa, presidente da Junta de Freguesia da Matriz.
Em artigos publicados no Tribuna das Ilhas ao longo dos últimos anos, tive o gosto de explorar e analisar as simetrias de vários trabalhos destas artesãs. As peças desenvolvidas pelas suas mãos resultam de um saber que tem passado de geração em geração. Contudo, estas quatro artesãs não se limitaram a reproduzir aquilo que lhes foi transmitido. Todas elas inovaram! De facto, o seu contributo muito enriquece estas quatro formas de arte e muito contribui para a valorização do nosso património cultural e do artesanato açoriano. A homenagem a estas quatro artesãs foi, portanto, merecida.
Neste artigo, selecionou-se uma peça de cada artesã para estudar as suas simetrias. Os exemplos escolhidos mostram como pode ser rica a análise matemática das diferentes formas de artesanato. Para além de se poderem analisar as peças como um todo, muitas vezes tem interesse explorar diferentes zonas de uma mesma peça.
Começamos pela arte de recortar papel da Dona Maria de Lourdes Pereira (Fig. 2). Se analisarmos o exemplo da Fig. 3 como um todo, identificamos 4 repetições do motivo em torno do centro da rosácea. Isto significa que existem simetrias de rotação segundo ângulos de 360/4=90 graus e dos seus múltiplos (se aplicamos uma rotação de 90 graus ou de um dos seus múltiplos em torno do centro da rosácea, a figura obtida sobrepõe-se por completo à figura inicial; por outras palavras, a configuração da peça permanece inalterada). Existem também 4 eixos de simetria: a utilização de um espelho permite identificar um eixo horizontal, outro vertical e dois diagonais. Por apresentar as propriedades indicadas, esta rosácea tem grupo de simetria D4. A letra D refere-se a grupo diedral e é usada sempre que a rosácea apresenta simetrias de reflexão ou de espelho.
Curiosamente, se concentrarmos a nossa atenção apenas na zona central da peça (Fig. 3), passamos a identificar 8 repetições do motivo. Existem também 8 eixos de simetria, pelo que essa zona tem grupo de simetria D8 (o ângulo mínimo de rotação é de 360/8=45 graus).
Passamos para as rendas tradicionais da Dona Ana Baptista (Fig. 4). Na Fig. 5, identificamos uma flor central com 12 pétalas. A utilização de um espelho permite concluir facilmente que não existem simetrias de reflexão. Ficamos, assim, apenas com simetrias de rotação, que transmitem uma sensação de movimento em torno de um ponto, tal como acontece quando olhamos para um catavento ou para as velas de um moinho. Esta flor tem grupo de simetria C12. A letra C refere-se a grupo cíclico e é usada sempre que a rosácea não apresenta simetrias de reflexão ou de espelho. Se observarmos, agora, a faixa circular exterior (Fig. 5), identificamos 12 repetições de amores-perfeitos. Existem também 12 eixos de simetria: a utilização de um espelho permite concluir que 6 eixos cortam ao meio amores-perfeitos opostos e os outros 6 separam pares consecutivos de amores-perfeitos. Esta faixa circular tem grupo de simetria D12.
No contexto dos bordados de palha de trigo sobre tule da Dona Isaura Rodrigues (Fig. 6), analisamos um pormenor de uma saia (Fig. 7). Identificamos dois eixos de simetria: um vertical e outro horizontal. Se colocarmos um espelho, sensivelmente a meio, na horizontal ou na vertical, apercebemo-nos que cada lado da figura é, de facto, um reflexo do outro. Isto significa que, se dobrarmos a saia segundo um dos dois eixos de simetria, as duas metades devem sobrepor-se por completo. Também é fácil verificar que a figura apresenta simetria de meia-volta (rotação de 360/2=180 graus; se virarmos a figura de “pernas para o ar” a sua configuração não se altera). Dizemos que esta rosácea é do tipo D2. As flores presentes na peça (Fig. 7) também podem ser analisadas separadamente: facilmente se constata que têm grupo de simetria D6 (o ângulo mínimo de rotação é de 360/6=60 graus). Outra possibilidade consiste em analisar uma faixa de flores: obtemos um friso que pode ser classificado do ponto de vista matemático (apresenta simetrias de translação numa única direção, ou seja, caracteriza-se pela repetição de um motivo ao longo de uma faixa, sempre com o mesmo espaçamento entre cópias consecutivas do motivo; tem simetrias de meia-volta, eixos de simetria perpendiculares ao friso e um eixo de simetria com a direção do friso, que corta o friso ao meio).
Terminamos com um exemplo no âmbito dos bordados de crivo da Dona Salomé Vieira (Fig. 8). O naperon da Fig. 9, como um todo, é uma rosácea com grupo de simetria C2, pois apresenta simetria de meia-volta, mas não tem eixos de simetria dada a posição das hortências. Na borda da peça (Fig. 9), identificamos um friso com eixos de simetria perpendiculares ao friso.
Será que o leitor já prestou a devida atenção a estas ricas peças de artesanato.

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

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