AS PALAVRAS QUE ENGOLI

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Tenho andado a conter-me, na esperança de que, num tempo considerado razoável fossem apresentadas conclusões e, fundamentalmente para que A PALAVRA “ lamentamos” fosse pronunciada, olhando-me nos olhos.
Tal não aconteceu, doze meses volvidos e, as palavras que tenho engolido, começam a sufocar-me, tornando-se tóxicas, colocando em desequilíbrio a minha condição física e psicológica.
Foi um desapontamento total constatar que os cidadãos eleitos pela maioria que nos representa (por quem o Zé Norberto defendia acerrimamente a causa) e que supostamente nos deviam defender e apoiar nas situações em que a nossa voz não é suficiente, mas que a voz deles é lei e portanto decisiva, foram os únicos a fechar-se na sua confortável concha, remetendo sempre para o que haveria de, na altura própria, surgir e então aí, sim, sair da concha e falar.
Como se houvesse altura própria para falar de uma morte que simplesmente não podia ter ocorrido, como se fosse possível adiar um assunto tão melindroso para os próprios, como se fossem necessários mais relatórios para assumir uma responsabilidade política que não podia ser imputada a mais ninguém senão ao próprio governo, senão vejamos; portos (infraestruturas, localização, manutenção …), barcos (aquisição, operacionalidade, formação …) – são tutelados por quem??
Como se houvessem dúvidas!!…
O presidente do governo é eleito por sufrágio direto e universal, mas os secretários que tutelam as diferentes pastas e os outros “apêndices” que são necessários ao funcionamento da máquina política, são nomeados e, caso não possuam a capacidade de reconhecer qual a atitude certa a adotar perante determinadas situações, parto do princípio que o presidente do governo, como “chefe máximo”, deveria ter a sensatez de ter tomado a decisão que se impunha, dando assim maior credibilidade ao seu governo, incorrendo agora no risco de ficar “muito mal na fotografia” e prejudicar a imagem do partido que milita e que o suporta.
Aliás, desde o início que as atitudes, quer de Vasco Cordeiro, quer de Vítor Fraga, foram de uma incorreção lamentável.
Sabem que por ética e educação ficaria bem terem apresentado pessoalmente as condolências à família e que para tal não teriam de comparecer fisicamente? Sabem que papel e caneta ainda não caíram em desuso e que um simples cartão de condolências teria feito muita diferença?
A infeliz declaração de Vítor Fraga, ao descartar responsabilidades políticas ou algum tipo de neglicência, foi de uma desfaçatez grave e mais infeliz ainda se tornou o seu discurso quando referiu que “o relatório do Gabinete de Prevenção e de Investigação de Acidentes Marítimos (GPIAM), sobre o acidente ocorrido em novembro de 2014, em que um passageiro de um barco da Transmaçor morreu, aponta um conjunto de fatores para o que aconteceu, não se podendo concluir que um desses fatores, só por si, causaria o acidente.”
Óbvio, sr. secretário! Não foi um só factor que causou o acidente, foi todo o conjunto de fatores enumerados no referido Relatório e todos eles se direcionam de forma direta ou indireta para as palavras “porto” e “barco”. Até fatores como o estado do mar se enquadram na mesma área vocabular e conduzem a uma mesma responsabilização, porque se o estado do mar não evidenciava boas condições de atracagem, então simplesmente o barco não atracava …
Pouco lógico é que, depois de proferir tais declarações, refira que “os procedimentos que a Porto dos Açores tem tido ao longo dos anos, e que passavam essencialmente por uma análise e inspeção visual dos cabeços, precisam de ser revistos, o que já aconteceu.”, tendo enumerado ainda uma série de medidas que já foram adotadas pelas duas empresas após o acidente, ou que estão a ser implementadas, com vista a melhorar a segurança.
Que raio de contradição é esta?
Se foram necessárias adotar novas medidas para melhorar a segurança, então podemos dizer que a segurança era duvidosa, ou estou errada? E se só agora estão a ser adotadas é porque antes não o foram (verdade à La Palice), logo, aqui posso encaixar a palavra “negligência”, ou estou de novo errada?
Como se não bastasse todo este chorrilho de incongruências, procedeu-se a renomeações de “figuras” que considero terem responsabilidade direta na manutenção de equipamentos, como é o caso do Eng. Fernando Nascimento, que, embora não estando legislada a forma de análise e verificação de cabeços de amarração, tinha obrigação de, como técnico superiormente formado, saber que inspeções visuais são enquadráveis na “lei do menor esforço”, porque o ser humano ainda não se encontra dotado de visão Raio-X. Proatividade é uma palavra que supostamente não figura no rol de caraterísticas a ter em conta para nomeação de responsáveis.
E reforço a minha posição de apontar o dedo à Portos dos Açores, porque o que “voou” foi um cabeço de amarração, que estava preso ao cais … porque supostamente, cabos podem rebentar, mas cabeços não podem voar (fundamentada em observações de pessoas relacionadas com estruturas portuárias e também, por que não, fundamentada apenas na lógica do improvável) e à Transmaçor, porque depois das diversas declarações proferidas na Comissão de Inquérito e que a comunicação social divulgou, supostamente os cabos também não seriam propriamente os mais adequados.
Civilmente cumpriram com as suas obrigações, mas a perda de uma vida humana não se pode resumir a essa obrigação, moralmente essa perda tem de ser honrada e dignificada e isso só acontecerá quando se apurarem culpados ou, quando a consciência de quem sabe estar “a sacudir água do seu capote”, falar mais alto do que interesses políticos.
A cereja no topo do bolo, para mim, foi sem dúvida a declaração do presidente Vasco Cordeiro quando referiu que “a responsabilidade política do executivo em relação ao acidente mortal num porto do Pico é “fazer tudo” para que a situação não se volte a repetir.”
Esta é uma cereja envenenada!
Esta é uma declaração do “politicamente mais incorreto” que já ouvi. Aponta o futuro, mas e o passado? Onde ficou o passado, sr. presidente?
Ficou enterrado no Cemitério do Carmo.
Mas antes de ser sepultado, ficou “engavetado” numa câmara de frio do Centro de Saúde de S. Roque do Pico, aguardando formalidades legais, ficando a família e Amigos do outro lado do canal, fazendo um “luto aberto”.
Mas ainda antes disso convém que se saiba que o interregno entre o acidente e a possibilidade de intervenção de um auxílio verdadeiramente eficaz, ultrapassou, no meu ponto de vista, o limite do razoável e aceitável. As comunicações estabelecidas entre o mestre da embarcação (que considerou que havia condições para o transbordo do sinistrado para a lancha dos pilotos), o Posto da Polícia Marítima de São Roque do Pico, o Comandante Local da Polícia Marítima da Horta, a ponderação da hipótese do navio Ponta do Sol acelerar a sua saída para que o barco Gilberto Mariano acostasse, foram outras das situações que não promoveram a celeridade necessária a um procedimento eficiente, tão menos eficiente quando o mestre do barco reiterou a necessidade de utilizar a lancha dos pilotos, tendo sido os bombeiros que, após entrar a bordo, verificaram que era impossível satisfazer a vontade do mestre, por diversos fatores, sendo que alguns deles se prendiam com condições que o mestre tinha obrigatoriamente de ter equacionado.
Apenas quando o Ponta do Sol terminou o serviço que lhe estava destinado, sensivelmente pelas 21:50 horas, foi possível o barco Gilberto Mariano atracar.
Cinquenta minutos … cinquenta minutos de decisões que considero erradas e podiam ter feito toda a diferença, porque cinquenta minutos é muito tempo.
Face ao exposto e à condução de todo o processo, há algumas questões para as quais gostaria de obter resposta:
1 – Houve alguma “pressão” para que a viagem fosse realizada apesar de considerarem que possivelmente as condições não eram as mais favoráveis? Se sim, a quem imputar responsabilidades?
2 – Porquê a insistência do mestre em utilizar a lancha dos pilotos? Por que não rumar a outro porto uma vez que a manobra se adivinhava difícil e demorada?
3 – Porque teve o Ponta do Sol de terminar o serviço de estiva e não abandonar o cais para que o Gilberto Mariano pudesse rapidamente atracar? Onde estavam as únicas pessoas que podiam efetuar essa manobra?
4 – Recuando um pouco no tempo, questiono igualmente qual a atitude tomada pela autoridade marítima face ao rebentamento de um cabeço no porto da Horta e ao rebentamento de dois cabeços no porto da Madalena no dia anterior ao do acidente?
5 – De acordo com declarações proferidas por alguns técnicos em engenharia naval, os cabos de amarração não tinham a espessura adequada, sendo exageradamente sobredimensionados. Quem assume a responsabilidade da compra e utilização de cabos de maior bitola?
6 – Se existe um projeto de reordenamento do porto de S. Roque do Pico é porque se considera que o atual porto não reúne as condições ideais de operacionalidade. Então porquê a pressão da entidade camarária em deter um serviço pouco aconselhável?
7 – Pergunta fundamental e crucial: existia um plano de emergência que pudesse ser acionado em situações de acidente, nomeadamente num acidente com a gravidade do que vitimou o Zé Norberto?
Ressalvo que estas não são afirmações, são questões de pessoa leiga na matéria, que gostaria de obter resposta às mesmas.
Entretanto o barco abandonava o local do “acidente”, rumo ao destino previsto, enquanto os marinheiros, em estado de choque, lavavam os vestígios do mesmo.
Consideram tudo isto procedimentos normais? Sensatos? Humanos? Legais?
Em conclusão: aliada a todas as decisões (mal) tomadas, a procedimentos técnicos errados de verificação e de manutenção, a portos construídos em lugares desaconselhados, a barcos adquiridos que supostamente não são a resposta ideal para os nossos mares, há a acrescentar a falta de nobreza de caráter de personagens de topo de toda a “orgânica governativa/marítimo/portuária”, que desta forma não honram a perda de uma vida humana nem dignificam os cargos que desempenham.
Portanto não procurem um culpado … procurem culpados!
Refiro apenas que, se sentirem ofendidos com o meu “desabafo”, garantidamente não se sentirão mais ofendidos do que eu, familiares e Amigos do Zé Norberto, face à abordagem e ao tratamento dado a esta tragédia.

Horta, 18 de novembro de 2015

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