Concurso de professores: um imbróglio escusado

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1 Apesar da minha experiência parlamentar, há coisas que se passam no Parlamento dos Açores que ainda são capazes de me surpreender. E, neste caso, pela negativa!

Refiro-me à novela em que se transformou a questão do concurso extraordinário para a integração de docentes contratados nos Açores. O processo resume-se assim:

 

2 A 11 de dezembro passado, o BE apresentou na Assembleia uma iniciativa legislativa que visava a criação do “Regime de integração excecional dos docentes contratados nos quadros da RAA, através de um concurso extraordinário, em 2014”.

O diploma foi remetido à Comissão dos Assuntos Sociais, que procedeu às habituais audições e recolha de contributos, tendo o parecer daquela Comissão sido desfavorável com os votos contra do PPM e a abstenção com reserva para plenário dos restantes partidos da Comissão (PS, PSD e CDS-PP).

 

3 A iniciativa em apreço fez parte da agenda do Plenário da Assembleia de janeiro passado, mas, havendo, segundo o proponente, indicadores no sentido de se conseguir uma versão de maior consenso, foi proposto e aprovado por unanimidade que o diploma voltasse novamente à comissão. 

 

4 A verdade é que, durante o novo período em que a iniciativa esteve na Comissão de Assuntos Sociais, não terá havido a desejada consensualização e verificou-se apenas que o proponente apresentou uma proposta de substituição integral do diploma, que teve como parecer de todos os partidos da comissão a abstenção com reserva de posição para o plenário. 

 

5 Já no decurso do plenário de fevereiro, o BE, autor da iniciativa, apresentou uma segunda proposta de substituição integral do diploma, seguindo-se, por parte do PS e do PCP, uma proposta conjunta de alteração daquela iniciativa. 

 

6 Face à complexidade das questões que envolvem o concurso do pessoal docente e face ao facto das novas propostas apresentadas por BE e PS+PCP só terem sido conhecidas no dia do debate (e, por isso, não haviam sido analisadas com o detalhe que a matéria exigia), o PSD apresentou uma proposta para que aquele diploma voltasse novamente à comissão e para que as propostas de alteração entretanto apresentadas pudessem ser analisadas com profundidade em todas as suas implicações e até para se poder ouvir novamente os sindicatos do setor, uma vez que as alterações em causa mudavam completamente o que inicialmente estava em discussão. A proposta do PSD foi chumbada com os votos do PS e do PCP.

 

7 Face à iminência de ver a sua iniciativa completamente alterada pela proposta do PS+PCP, o BE decidiu retirá-la, conforme o Regimento da Assembleia. Também no respeito pelo mesmo Regimento, o PS+PCP em conjunto decidiram assumir e adotar aquela iniciativa como sua. Seguiu-se a sua discussão e aprovação em plenário com os votos favoráveis do PS e do PCP e a abstenção do PSD. Os restantes partidos parlamentares abandonaram o plenário, recusando-se a participar no debate e votação daquele diploma.

 

8  Depois da aprovação do diploma e das suas alterações em plenário, o mesmo seguiu para redação final. De acordo com o Regimento da Assembleia, em redação final, “a comissão não pode modificar o pensamento legislativo, devendo limitar-se a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo, mediante deliberação sem votos contra.”

 

9  Ora, novo imbróglio esperava a novela em que se transformou esta iniciativa legislativa. Com efeito, acabou por vir a público que, em redação final, a comissão havia introduzido no diploma uma alteração nada pacífica. Foi a seguinte:

O texto do diploma aprovado em Plenário, relativo à alínea a) do n.º 3 do artº 4º era este: “Candidatos com habilitação profissional, não pertencentes aos quadros, que tenham cumprido, em escola da rede pública da RAA, 1075 dias de serviço docente efetivo seguido nos últimos três anos, como docentes profissionalizados no mesmo grupo de docência, que se candidatem aos quadros de todas as unidades orgânicas e aceitem ser providos por um período não inferior a três anos.”

Mas o texto do diploma alterado em redação final passou a sere este: “Candidatos com habilitação profissional, não pertencentes aos quadros, que tenham cumprido, em escola da rede pública da RAA, 1075 dias de serviço docente efetivo seguido nos últimos três anos, como docentes profissionalizados no mesmo grupo e/ou nível de docência, que se candidatem aos quadros de todas as unidades orgânicas e aceitem ser providos por um período não inferior a três anos.”

 

10  Face ao avolumar da discussão pública do assunto, a Comissão de Assuntos Sociais veio esclarecer, em comunicado, que, na sua perspetiva, “não houve qualquer mudança substantiva no teor da redação final do diploma em causa”. Mas, a situação adensa-se com o facto de, dispondo o Regimento que qualquer alteração só pode ser feita sem votos contra, o PSD já ter vindo esclarecer, também em comunicado, que “não participou na elaboração” da redação final e que o seu deputado nessa comissão “não teve qualquer participação na versão final do diploma relativo à situação dos professores contratados, dado que não foi convocado, perguntado, nem tido nem achado pelos deputados do PS/Açores nos trabalhos da redação final do documento.”

 

11Não está em causa avaliar-se a adequação e a justeza de fundo da alteração introduzida. O que está em causa é avaliar se, em redação final, se podia ter feito uma alteração que muda completamente o universo dos docentes abrangidos na prioridade em causa.

 

12 E como se não bastasse tudo isto, o presidente do Governo, Vasco Cordeiro, veio desautorizar o próprio esclarecimento da Comissão de Assuntos Sociais. Enquanto o comunicado daquela Comissão afirmava que “estamos em presença de uma situação totalmente transparente”, Vasco Cordeiro veio tornar público que deu “orientações” aos deputados do PS “para que seja repetida a votação relativa ao concurso extraordinário da colocação de professores.”

 

13 Se tudo é claro e transparente, para quê repetir votações? Mais: votar o quê, como, quando, sob que pretexto, quando o diploma já foi enviado para o Ministro da República no dia 20 de fevereiro? E votar outra vez o quem, se sobre as votações feitas em plenário não há nenhuma dúvida?

 

14 É com profunda tristeza que faço este retrato de como não se deve legislar. E se é verdade que esta situação deriva diretamente da vontade da maioria absoluta que o PS detém no Parlamento dos Açores, também não é menos verdade que este inusitado imbróglio afeta todos e afeta especialmente a credibilidade da Casa Mãe da nossa Autonomia. Tudo isto poderia ter sido evitado, sem pressas nem precipitações, se em vez das preocupações político-partidárias houvesse, pelo menos, bom senso!

 

                                            24.02.2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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