Falta-nos a independência de que se faz a liberdade

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1. Li, há dias, uma crónica assinada pela jornalista, especializada em questões económicas, Helena Garrido.
Afirmava ela o seguinte: “Num retrato dos Açores em números, sistematizado pela Pordata no âmbito das comemorações do 10 de Junho, há dois indicadores especialmente chocantes. O primeiro é a taxa de abandono escolar (23%) mais do dobro do já de si negativo valor que se observa no país como um todo. Podemos obviamente ter a perspetiva do ‘copo meio cheio’ e dizer que está a descer significativamente (em finais da década de 90 do século XX era superior a 50%). O outro indicador, indiretamente ligado ao anterior, é o que se refere aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção – 11,6% da população para 3,2% no conjunto do país.”
A jornalista, face a estes números, perguntava-se: “Como é isto possível?” E concluía: “E só é possível ter indicadores tão negativos em questões tão fundamentais porque a sociedade no seu conjunto não é exigente, porque não existe pressão da comunidade, a começar pelas próprias elites, para a educação e a independência de que se faz a liberdade.”
2. Com particular argúcia e pertinência, a jornalista Helena Garrido colocou, na minha perspetiva, a questão como ela tem que ser colocada: as coisas nos Açores estão como estão e são como são, e persistem sem mudança de ciclo político, porque não temos uma sociedade exigente, vigilante, empenhada, capaz de pressionar os governantes. Desde logo, porque a elite açoriana, de uma maneira geral, está domesticada pelo poder, uns satisfeitos porque vivem sentados à mesa do orçamento público, outros calados e outros a falar em surdina, mas quase todos condicionados pelas dependências profissionais ou familiares e indisponíveis para trocar o conforto do sofá pelo desassossego de questionar a realidade.
Por outro lado, porque o atual poder político construiu uma teia de dependências que se perpetua e mimetiza de pais para filhos. O Rendimento Social de Inserção nos Açores (que, recorde-se, abrange quase 12% da população açoriana, contra cerca de 3% da população do Continente) alimenta os ciclos políticos e o poder alimenta-se dessa pobreza, perpetuando esta relação de dependência. Quantos professores já não ouviram, quando questionam nas escolas os seus alunos sobre o futuro, a resposta de “vou para o Rendimento Mínimo como o meu pai ou a minha mãe!”?
Finalmente, a sociedade açoriana não é exigente e não pressiona o poder também porque a Comunicação Social destas ilhas está, com algumas honrosas exceções, refém dos apoios públicos, acossada pela crescente diminuição de leitores e assinantes e vítima das mudanças nas formas de comunicação. Para além disso, é literalmente invadida pela informação “pronta a publicar” que lhe é fornecida por todos os departamentos governamentais e públicos que veiculam as mensagens que querem e das quais fica afastado o trabalho individual e pessoal do jornalista independente do poder. Quem, como eu, lê, a imprensa diária açoriana, testemunha as páginas e páginas com textos e fotos iguais em todos os jornais das várias ilhas e que são a prova da ausência de trabalho jornalístico próprio na cobertura da maioria dos eventos oficiais que, assim, ficam entregues apenas à versão oficial.
3. Já nestas páginas escrevi, há alguns anos, que estava criado nos Açores um verdadeiro poder tentacular e asfixiante. O seu efeito multiplicador, da política à sociedade e à economia, é óbvio e só não o vê quem não quer. Ele abarca não só os diretamente envolvidos, mas, naturalmente, estende-se ao seu alargado conjunto de relações, reproduzindo, por essa via, toda uma rede de dependências e de submissões pessoais, políticas e económicas, cujo efeito é hoje claro. Esse poder desenvolveu-se de forma tentacular, asfixiante, inibindo os movimentos, amarrando os cidadãos nas suas opções, limitando as suas decisões, impedindo-os de enfrentar o sistema com medo das consequências, tolhendo o exercício quotidiano da democracia plena. Falta à sociedade e às elites dos Açores, para regressar a Helena Garrido, “a independência de que se faz a liberdade.”

08.07.2018

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