FLORENTINO QUE SE DISTINGUIU – SÍNTESE HISTÓRICA DO PADRE JOSÉ ANTÓNIO CAMÕES (I)(1777-1827) Sacerdote perseguido, poeta e professor de elevado mérito

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Foi baptizado em 13 de Dezembro de 1777 na paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, no lugar das “Fajans”, hoje freguesia da Fajãzinha, onde terá nascido em 10 ou 11 do mesmo mês e ano. Filho de pais incógnitos ou “filho de pais desconhecidos, exposto nesta Freg.ª”, isto é, ali abandonado, como informa o seu registo de nascimento (1). É o que consta do registo de baptismo “Joseph”, feito e assinado pelo padre vigário Alexandre Pimentel de Mesquita (2). Escreveu Pedro da Silveira, embora sem indicar a sua fonte, que ele teria nascido na Fajã Grande e seria “filho de uma irmã solteira do sargento-mor João António de Freitas Henriques e de um frade do convento franciscano de Santa Cruz, que lá ia à esmola e teve artes de […] mostrar-lhe o caminho do céu” (3). Efectivamente, “Frei Manuel de S. Domingos” é considerado como pai do burro no “Testamento de D. Burro Pai dos Asnos” (Nota «2» à primeira parte). 

FAJÃZINHA Esta é a vista parcial onde o Padre Camões – que nascera uns dias antes – foi baptizado em 13-12-1777, em cuja igreja pode não o ter ocorrido o acto, já que a mesma só se concluiu em 1778. 

Registado apenas por «José», o sobrenome “António” que não foi objecto de registo de baptismo, ter-lhe-á sido dado pelo seu tutor, João António de Freitas Henriques, acima referido. O apelido de “Camões”, que por ele viria a ser adoptado aquando da sua ordenação sacerdotal, reflectia a sua admiração e homenagem ao grande poeta português, autor dos “Lusíadas” – Luís Vaz de Camões (1525-1580) – que ele tanto apreciava desde a sua juventude. Ambos os nomes foram registados, a seu pedido, por ocasião daquela ordenação, em Angra.

A sua personagem viria a ser objecto das maiores polémicas e controversas que projectam as grandes figuras históricas, sobretudo devidas a invejas e injustiças mesquinhas. 

Diversos investigadores açorianos têm-se debruçado sobre a sua vida, mas nem sempre são unânimes nas suas afirmações. Julgo, contudo, que o historiador Dr. José Guilherme Reis Leite terá sido o que levou mais longe a sua investigação, escrevendo-a e publicando-a no “Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira” um trabalho com o título de “O Padre José António Camões – Uma Tentativa de Biografia”, e outra com “Um Retrato da Ilha das Flores no Final do Antigo Regime – Memória do Padre José António Camões” (4). Este historiador serve-se de variadíssimos documentos históricos que consultou sobre o Padre Camões, nomeadamente arquivos e escritos do historiador terceirense do século XIX, Francisco Ferreira Drumond (1796-1858). 

Deste modo, será com base nesses trabalhos de Reis Leite, sem perder de vista outras fontes, que descreverei esta síntese biográfica de um dos florentinos que mais se distinguiu nas letras e que é, sem dúvida, uma das mais ricas e brilhantes histórias de um açoriano.  

José foi protegido na sua infância e juventude pelo rico e influente sargento-mor João António de Freitas Henriques, atrás referido, com solar na Fajã Grande, onde conheceu uma vida extremamente dura, que ele soube aproveitar para enriquecer de conhecimentos e cultura. A seguir passou pela casa de outro lavrador, da família Barcelos, da freguesia de Ponta Delgada da ilha das Flores. 

E embora pouco se saiba da sua juventude, presume-se que grande parte da sua instrução terá sido por ele obtida de forma autodidacta, feita inicialmente na ilha das Flores e mais tarde na Terceira, como descreve Ernesto Rebello, ou só nas Flores, como nos parece demonstrar Reis Leite, referindo-se ao convento franciscano de Santa Cruz.

Desse período da vida de José, o escritor faialense Ernesto Rebello (1842-1890) escreveu que ele trabalhava na casa de um lavrador, na Fajã Grande, como empregado rural (5). Para esse efeito o escritor faialense serve-se de informações que lhe deu um octogenário florentino, Domingos Ramos, natural da freguesia de Ponta Delgada, que terá sido do Padre Camões “um dos seus mais dilectos discípulos”. Escreve ainda que “era esperto e atilado, mostrando desde verdes anos rara propensão para as letras, aprendendo com muita facilidade o pouco que ali lhe podiam ensinar e desde que conseguiu ler, mais ou menos correctamente, devorando quanto livro lhe vinha às mãos, de cuja aturada leitura logrou, em precoce idade senão sólidos, ao menos bem variados conhecimentos”. Informa que ele vivia nos edifícios do próprio lavrador, cuidando-lhe das vacas e ajudando-o nos demais trabalhos rurais. Esclarece que “o pequeno “engeitado”, às ocultas, no canto de um sótão aonde dormia, acendia, a medo, uma ordinária candeia e lia, lia muito, estudando por vezes até ao raiar a madrugada seguinte”. Refere também que o rapazinho “não se negava ao trabalho, tratando com desvelado carinho os animais, que jamais passassem fome ou sede”. É de crer que esse terá sido o período da sua meninice, vivido em casa de João António de Freitas Henriques – de que nos fala Pedro da Silveira – que, apesar de sargento-mor, seria também abastado lavrador.

Para Ernesto Rebello, José passou ainda, na sua juventude, pela freguesia de Ponta Delgada, onde foi parar a casa da família Barcelos que tinha um filho, Manuel Fernandes Barcelos, que estudava para clérigo. Este terá sido o seu primeiro aluno, mais tarde erradamente considerado como seu irmão, e que ambos seguiram depois para Angra para serem ordenados sacerdotes. Aí, terão sido ambos protegidos pelo convento dos franciscanos, onde José se terá tornado “um estudante distintíssimo e tomando ordens sacras, com geral louvor, de quantos conheciam o seu talento e dedicação ao estudo”, escreve Ernesto Rebello. 

Sobre esse período Reis Leite escreve que “Pouco ou nada sabemos dos seus primeiros anos da sua vida a não ser que se tome por autobiográfico o que ele próprio escreveu, metendo-se na pele do burro” do livro “Testamento de D. Burro, pai dos asnos”, cuja autoria lhe é atribuída. E acrescenta que “Assim sendo, um frade franciscano, que andava em peditório, tendo-o reconhecido como filho, levou-o para o Convento de Santa Cruz onde, com o assentimento do guardião, se dedicou a ensinar-lhe gramática latina”. “Desse tempo recorda as pancadas à custa das quais ele, e o seu condiscípulo, futuro vigário da vila das Lajes, foram aprendendo com os frades”. “Acabou por fugir do convento e ser amanuense do antigo companheiro de estudos e criado duma casa de gente abastada, onde ensinou o filho da família”. “De todo este período recorda a vida miserável que os seus protectores lhe deram” (6).

(Continua)

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BIBL: “O Padre José António Camões uma Tentativa de Bibliografia – Separata do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira”, Vol. XLV, 1987, de José Guilherme Reis Leite; “Anais do Município das Lajes das Flores”, 1970, de João Augusto da Silveira; “Arquivo dos Açores – O Padre Camões” Vol. VIII; “Anais da Ilha Terceira”, 1859, Vol. III, p. 254 a 257, de Francisco Ferreira Drumond; Jornal “Correio da Horta”, de 8-5-1984; Jornal “O Monchique”, de 30-4-2002; Jornal “As Flores” de 13-10-1994 a 29-7-2000; “OBRAS – Memórias da Ilha das Flores, Testamento de D. Burro Pai dos Asnos, Os Pecados Mortais e Poemas Dispersos”, 2006, pp. 21 a 35, do Padre José António Camões, ed. da Câmara Municipal das Lajes das Flores. 

(1). “Anais do Município das Lajes das Flores”, nota 62 à pp. 89 a 94, de João Augusto da Silveira.

(2). “OBRAS”, 2006, p. 198, do Padre José António de Camões, ed. da Câmara Municipal das Lajes das Flores. 

(3). Jornal “O Monchique”, de 30-4-2002, discurso de Pedro da Silveira de homenagem a Alfredo Luís.

(4). “Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira”, Vol. XLV, pp. 1141 a 1203, e Vol. XLVIII, págs. 465 a 507, estudos da autoria de José Guilherme Reis Leite.

(5). “Arquivo dos Açores – O Padre Camões” Vol. VIII, pp, 342 a 347, por Ernesto Rebello. 

(6). “O Padre José António Camões uma Tentativa de Biografia – Separata do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira,” Vol. XLV – 1987, pp. 1142 e 1143, de José Guilherme Reis Leite.

 

 

 

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