Mas que rica toalha!

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O termo padrão quando empregue no dia a dia pode assumir diferentes significados. Em geral, está associado à identificação de algum tipo de regularidade. A Matemática, enquanto ciência dos padrões, fornece ferramentas que permitem classificar de forma rigorosa e exaustiva os padrões que encontramos, sejam eles numéricos, geométricos ou de outra natureza qualquer. Esta é a missão de um matemático: identificar regularidades para que, no meio da desordem e de um volume considerável de informação, se possa extrair algum tipo de invariância que conduza à caracterização das propriedades comuns aos diferentes casos analisados. 

Concentremos a nossa atenção nos padrões geométricos, como aqueles que observamos nas calçadas, na azulejaria e no artesanato, que se caracterizam pela repetição de um determinado motivo. Para a classificação matemática destes padrões, não interessa propriamente se o motivo é uma estrela, uma flor, um desenho abstrato ou outra coisa qualquer, mas sim o modo como se processa essa repetição através da identificação das suas simetrias. Devemo-nos abstrair de pequenas imperfeições ou irregularidades e considerar apenas duas cores: a cor da figura e a cor de fundo. Como forma de simplificar o seu estudo, supomos a figura representada num plano.

Um exercício altamente motivador consiste na classificação de cada figura quanto ao seu grupo de simetria, ou seja, quanto ao conjunto de todas as suas simetrias. Vários livros da especialidade apresentam essa classificação assente em alicerces científicos rigorosos como, por exemplo, Transformation Geometry, de George Martin (1982) e Simetria e Transformações Geométricas, de Eduardo Veloso (2012). Destacam-se três tipos diferentes de figuras: as rosáceas (não apresentam simetrias de translação; são figuras finitas tipo a rosa dos ventos, com simetrias de rotação e, eventualmente, simetrias de reflexão), os frisos (apresentam simetrias de translação numa única direção; identifica-se um motivo que se repete ao longo de uma faixa) e os papéis de parede ou padrões bidimensionais (apresentam simetrias de translação em mais de uma direção; o motivo pavimenta todo o plano).

Já aqui apresentamos numerosos exemplos de rosáceas e de frisos nas calçadas e varandas, no artesanato e na azulejaria. A propósito de dois impérios ou triatos do Divino Espírito Santo da ilha do Faial, localizados nas freguesias de Castelo Branco e Praia do Almoxarife, analisámos os padrões bidimensionais dos seus revestimentos em azulejo (no artigo publicado a 15 de novembro de 2013). Dedicamos este artigo à caracterização de outro padrão bidimensional, desta vez proveniente do artesanato: analisamos as simetrias de uma toalha feita em renda tradicional ou croché de arte, com diferentes tipos de pontos (laça, amora, escadinha, ponto de serrilha, entre outros). A foto analisada foi enviada pela Dona Maria Freitas, da freguesia de Castelo Branco, que agradeço pela disponibilidade e simpatia. A peça foi executada pela sua mãe, Filomena Correia, há 8 anos quando tinha 80 anos! 

Segundo Maria Freitas, “esta é uma arte que passa de geração em geração. A minha mãe aprendeu a bordar com a minha avó, que vendia peças em croché como forma de sustento. Os tempos assim o exigiam”. Já a Dona Filomena Correia nunca vendeu os seus trabalhos. Maria Freitas acrescenta: “a minha mãe fez muita coisa ao longo dos anos, mas tudo para consumo da nossa roda de amigos. Ela trabalhava na agricultura, pelo que realizava esses trabalhos apenas nas horas livres. Sempre foi muito habilidosa com tudo o que queria fazer. Sinto-me orgulhosa por ter herdado um pouco da sua veia artística”. 

Verificamos, de seguida, que a toalha apresenta os quatro tipos possíveis de simetria. Em A, conseguimos identificar um motivo que se repete em diferentes direções, o que se traduz na existência de simetrias de translação segundo diferentes direções. Note-se que toda a translação é caracterizada por um vetor, com uma determinada direção, sentido e comprimento. Além disso, a composição de simetrias é novamente uma simetria. Se recordarmos a conhecida regra do paralelogramo, concluímos que os dois vetores com direções distintas, u e v, representados em A, geram um terceiro vetor, u+v, com uma outra direção, determinando uma nova simetria de translação. Este, por sua vez, com qualquer um dos dois vetores anteriores, gera um novo vetor, para não falar na possibilidade de se considerar múltiplos negativos desses vetores. Por conseguinte, a existência de simetrias de translação segundo duas direções tem como consequência a pavimentação de todo o plano. Além disso, qualquer simetria de translação é gerada pelas translações associadas aos vetores u e v representados em A. Aqui a Matemática fornece uma ferramenta que permite caracterizar de forma económica as simetrias de translação do padrão analisado.

Em B, estão representados alguns pontos delimitados por circunferências. Podemos constatar que esses pontos são centros associados a simetrias de rotação. Os centros delimitados pelas circunferências de maior diâmetro têm ordem 4, uma vez que os losangos repetem-se quatro vezes em torno desses pontos. Por esta razão, as simetrias de rotação envolvidas têm amplitudes iguais a 360/4=90 graus e aos seus múltiplos. Já os centros dos losangos, delimitados pelas circunferências de menor diâmetro, têm ordem 2. Estamos na presença de simetrias de rotação de 360/2=180 graus, ou seja, de simetrias de meia-volta: se o leitor concentrar a sua atenção nos centros dos losangos e imaginar todo o padrão “de pernas ao ar”, verificará que a sua configuração não se altera.

Também é interessante constatar que os centros de rotação de ordem 2 alternam com os de ordem 4, quer na horizontal como na vertical (note-se que os centros representados em B não são consecutivos, pois existem outros entre eles, que alternam sempre de ordem). Destaca-se outro aspeto relevante que pode facilmente ser comprovado com recurso a um espelho: por cada centro de ordem 4 passam quatro eixos de simetria (representados por linhas contínuas em C) e por cada centro de ordem 2 passam dois eixos de simetria. Ficam, assim, caracterizadas as simetrias de reflexão. Resta identificar as simetrias de reflexão deslizante. Ora, estas estão associadas aos eixos de deslocamento representados a tracejado em C: por cada centro de rotação de ordem 2 passam dois eixos de deslocamento. Identifica-se em D um desses eixos de deslocamento: há uma reflexão seguida de uma translação de vetor paralelo ao eixo. Ao fixar o olhar ao longo do eixo de deslocamento, é possível verificar que os losangos alternam sucessivamente de posição, algo semelhante às marcas das nossas pegadas quando caminhamos descalços na areia.

É questão para se dizer: “Mas que rica toalha!”

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores,  [email protected]

 

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