O espaço público europeu

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No nosso regime democrático, numa democracia que já tem idade para se afirmar como amadurecida na sua consistência e sustentabilidade, a participação dos cidadãos é a única garantia efectiva para a continuidade do regime De facto o nível de participação dos cidadãos e o da atenção que os poderes instituídos lhes atribui constituem o verdadeiro barómetro da saúde de uma democracia.

Lamentavelmente, o nível de participação dos cidadãos é regra geral baixo e o nível de atenção que lhes é dada pelas instituições também não é significativo.

Com efeito, a democracia participativa não se reduz a manifestações ou protestos, mas exige conhecimento (dos temos sobre os quais se quer debater e as competências dos vários órgãos de poder para os resolver), organização (para uma ampla implantação e eficácia) e mobilização (na recolha de apoios para construir a sua representatividade). Também a atenção dos políticos e instituições  implicadas não se reduz à manipulação de alguns aspectos em prol dos seus próprios interesses, mas antes em acolher o que são também os novos contributos da sociedade civil e, sobretudo, dar-lhe sequência. Quando, sucessivamente, as iniciativas dos cidadãos resultam inconsequentes, estes desmotivam-se e desmobilizam e, claro, a democracia participativa atrofia-se. Esta é, em traços reais, a nossa realidade. Por exemplo, este mês de Fevereiro foi entregue na Assembleia da República uma petição de cidadãos com 48.000 assinaturas validadas (o mínimo são 35 mil) a favor de um Projecto de Lei de “Apoio à Maternidade e à Paternidade – Do Direito a Nascer” o que inclui, entre as várias propostas, uma revisão da lei do aborto que ofereça reais alternativas à mulher grávida que quer ter o seu filho. Só o CDS manifestou algum interesse…

Por isso, pela importância vital que reconheço à participação dos cidadãos na sociedade e também como meio para alterar o seu actual deficit, entusiasmei-me com a prerrogativa que o Tratado de Lisboa instituiu, em 2009, de uma Iniciativa Europeia de Cidadãos/ IEC. Esta consiste na possibilidade dos cidadãos europeus introduzirem novos temas na agenda política europeia, desde que assinados por um mínimo de um milhão de cidadãos de 7 Estados Membros.

Ora, esta expectativa também saiu gorada em 2014. Ao longo de 2013 e 2014 houve vários movimentos de cidadãos que se organizaram e que se propuseram  fazer uma petição europeia de cidadãos. Várias conseguiram milhares de assinaturas mas não em número suficiente para se poderem apresentar formalmente. Algumas outras conseguiram até reunir o número de assinaturas necessárias em cada um dos sete países sem, todavia, terem cumprido os complexos requisitos processuais. Raras lograram ultrapassar todos estes crivos e chegaram a ser apresentadas à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu para  virem depois a ser depois rejeitadas, aparentemente de forma arbitrária. Eis o caso da petição Um de Nós, a qual propunha tão-somente a proibição de utilização de dinheiros públicos para a investigação com células estaminais embrionárias e que reuniu perto de dois milhões de assinaturas em 20 Estados Membros e que a CE simplesmente recusou.

Perante esta situação, que me atrevo a qualificar de frustrante, a Comissão das Petições do Parlamento Europeu organizou esta semana uma audição entre os vários promotores das Iniciativas Europeias de Cidadãos, na qual estive presente. O objectivo era o de recolher informações para – espera-se – vir a alterar o regulamento da IEC de forma a permitir a construção efectiva de uma democracia participativa. Afinal, as estatísticas mostram que, depois do entusiasmo inicial com a IEC e de uma significativa mobilização dos cidadãos em várias temáticas, o resultado dos seus esforços conduziu ao desalento e a uma queda abrupta da mobilização dos cidadãos na União Europeia. 

A prerrogativa da IEC criou formalmente as condições para um espaço público europeu através da partilha de uma mesma preocupação por cidadãos em vários Estados Membros e de uma mesma iniciativa, de uma iniciativa conjunta para lhe dar resposta. Eis no que consiste um espaço público europeu. A nível nacional, como a nível europeu, há uma preocupação evidente acerca da vida humana na fase mais vulnerável da sua constituição, a qual continua sistemática e ostensivamente a ser ignorada. Para que este espaço público europeu, como um genuíno espaço público nacional, se possa vir a tornar realidade é necessário que todos os cidadãos possam ser ouvidos e respeitados nas suas pretensões. Tal não obriga ao cumprimento das pretensões de cada grupo de cidadãos, mas exige certamente o debate alargado das suas ideias nos fóruns que supostamente os representam. 

www.mpatraoneves.pt

 

 

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