O famoso aviador Charles Lindbergh na Horta

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Em voo destinado a avaliar as condições da baía da Horta para futuras carreiras regulares transatlânticas da Pan American chegou ao Faial em 21 de Novembro de 1933, no seu hidroavião “Lockheed Sirius”, o ás da aviação coronel Charles Lindbergh, que viajava acompanhado de sua mulher Anne Morrow Lindbergh. 

Este famoso aviador norte-americano, que em 1927 se tornara herói mundial ao efectuar, sozinho e sem escalas, a ligação de Nova Iorque a Paris no mítico aeroplano “Spirit of St. Louis”, estudava agora as possibilidades da realização de viagens aéreas comerciais entre os Estados Unidos e a Europa que, para serem técnica e economicamente viáveis, tinham de contar com bases intermédias para reabastecimento das aeronaves.

Uma das três rotas que Lindbergh avaliava era a de Nova Iorque a Lisboa, via Bermudas e Açores, a qual, embora mais extensa do que as rotas setentrional e ártica, tinha características que a recomendavam por ser realizável durante todo o ano, oferecer melhores temperaturas para passageiros e motores, ter menos nevoeiros e estar isenta dos gelos e das tempestades próprias das zonas polares. Apesar de não serem explicitamente revelados os motivos que trouxeram Lindbergh ao Faial, sabia-se que estudava, as bases de apoio que podiam ser usadas em voos transoceânicos e as condições que pudessem surgir ao longo das várias possíveis rotas aéreas entre a América e a Europa. Por isso, a imprensa local não teve dúvidas em avançar a ideia de que “se Lindbergh anda procedendo a estudos como se supõe, ficou sabendo, por experiência própria, que a baía da Horta tem condições para um magnífico aeroporto” 1. É que, “ a forma rápida, e em tão curto espaço, como Lindbergh fez a amarissagem, foi digna de nota, revelando grande mestria, sendo considerada a mais perfeita que se tem feito no porto da Horta” 2 permitindo-lhe aquilatar da excelência das condições que o mesmo oferecia para próximas carreiras comerciais. 

 

Tendo vindo directamente de Lisboa, num voo que durou nove horas e vinte minutos, o casal Lindbergh amarou na Horta pelas 14 horas e 25 minutos, sendo transportado do seu monoplano para terra numa lancha da Capitania, na companhia do capitão- de- mar-e-guerra Costa Salema e do comandante militar coronel Álvaro Soares de Melo, desembarcando no cais de Santa Cruz. Aqui “uma chuva de flores caiu sobre eles”, em extraordinária manifestação de simpatia das autoridades e da população que, efusivamente, os saudou “com vibrantes salvas de palmas” 3. Após cumprirem as formalidades alfandegárias, seguiram para o “Faial-Hotel”, onde se hospedaram, recusando-se a fazer declarações aos jornalistas, na linha da política de sigilo que vinha caracterizando as suas viagens mais recentes. Estiveram dois dias na Horta, tendo apresentado cumprimentos às autoridades – nomeadamente ao governador Fernando da Costa – reabastecido o seu hidroavião e cancelado, devido ao mau tempo, o projectado passeio à volta da ilha. Contrariamente ao que haviam anunciado, não seguiram para a Madeira, antes voaram do Faial para São Miguel. Eram 12 horas e 45 minutos quando Lindbergh efectuou a descolagem que, no dizer de “O Telégrafo”, deixou, “mais uma vez maravilhados os milhares de espectadores pela segurança e mestria” revelados, o que, acentua o jornal, “largamente demonstra quanto a nossa baía vale em condições aeronáuticas”. Depois de levantar voo, “o aparelho efectuou duas voltas sobre a cidade, durante as quais os dois aviadores corresponderam com o acenar de lenços às saudações que a numerosa assistência lhes dirigiu”. Decorridos 85 minutos chegaram a Ponta Delgada, passaram a noite em casa do cônsul americano e, na manhã seguinte, dia 24, rumaram ao Funchal, que sobrevoaram, e amararam em Las Palmas. Estiveram nas Canárias até 27 de Novembro, dia em que voaram para a costa africana e ilhas de Cabo Verde. Se houvesse cumprido o que havia feito constar na Horta – e que foi notícia na imprensa local e internacional – Lindbergh deveria regressar daquele arquipélago à Europa, “para seguir finalmente para a América a vapor, visto o aparelho não oferecer condições para a travessia do Atlântico pelo sul, o que aliás nunca foi sua intenção”. 4 

 

Afinal, esta era outra das mistificações que ele cultivava, já que a 3 de Dezembro um telegrama de Paris informava que Lindbergh, apesar do mistério que envolvia as suas viagens aéreas, ia atravessar o Atlântico sul o que, realmente aconteceu no dia 7, numa deslocação de 15 horas e 45 minutos de África (Gâmbia) ao Brasil (Natal). Depois foi uma peregrinação por terras do continente americano – Belém, Amazonas, Trinidad, Índias Ocidentais e São Domingos – até chegar aos Estados Unidos (Flushing Bay). Esta longa viagem de Lindbergh – que a esposa relatou no livro “Flying around the North Atlantic” e que ele prefaciou – teve evidente natureza científica e o mistério que lhe imprimiu, significa que, além da vertente comercial, poderia ter aproveitamentos políticos, pelo que as suas conclusões tinham de manter-se secretas, de forma a não serem utilizadas por outras potências aeronáuticas, em especial pela aguerrida Alemanha, já governada por Adolfo Hitler. Seja com for, as conclusões deste segundo e famoso voo de Lindbergh revelaram-se decisivas para que a Horta viesse a ser uma das bases de apoio e reabastecimento escolhidas pela “Pan American Airways” quando, em 1939, estabeleceu carreiras aéreas regulares de passageiros e carga entre os Estados Unidos e a Europa. À privilegiada situação geográfica e às naturais condições da sua baía, a Horta juntava o facto de ser um importante centro de telecomunicações por cabo submarino e de estar a menor distância das Bermudas, a mais próxima base de reabastecimento das aeronaves que ligavam os dois continentes banhados pelo Oceano Atlântico. 

 

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