Os bordados de crivo da Dona Salomé Vieira (Parte I)

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As bordadeiras que trabalham em crivo usam tecidos desfiados na horizontal e na vertical, que se parecem com uma peneira de arame, daí a designação de crivo. Os bordados sobre tecidos desfiados são conhecidos desde longa data em quase todos os países da Europa. O trabalho em crivo tem alguma tradição nos Açores. Contudo, esta arte está em perigo de desaparecer não só no Arquipélago, como também além-fronteiras, nomeadamente no Brasil, que acolheu esta tradição por mãos de emigrantes açorianas a partir de 1692. Foi nossa intenção explorar as simetrias de alguns destes trabalhos. Neste contexto, estivemos à conversa com a Dona Salomé Vieira, artesã e formadora dos bordados de crivo.
Salomé Vieira é natural da ilha do Faial. Aos 18 anos, começou a ajudar a sua sogra, Margarida do Vale, a puxar fios e a fazer bordados de crivo. A nossa artesã recorda com nostalgia os longos serões de trabalho: “Bordei e puxei muitos fios apenas com a luz de um cadeeiro de petróleo! É um trabalho que exige muita paciência e concentração.”. Aos 21 anos, Salomé começou a dar cursos de formação. Desde então, já dinamizou numerosas formações sobre bordados, costura, retalhos loucos e crivo: “Tive tantas formandas que já perdi a conta! Certamente várias centenas.”. Recentemente, em 2013, Salomé dinamizou nas Lajes do Pico um atelier de costura, patchwork e trabalhos loucos. Em 2015, participou em mais uma edição dos “Novos Desafios”, iniciativa da Câmara Municipal da Horta. Essa edição decorreu na freguesia dos Cedros e reuniu cerca de 25 formandas. Salomé Vieira recorda também muitas das exposições de artesanato em que participou ao longo dos anos: “Para além do Faial, já estive em S. Miguel, Terceira, S. Jorge, S. Maria e Pico. Participei na Feira Internacional de Artesanato no Parque das Nações e no Festival Nacional de Gastronomia de Santarém. Também já fui convidada para expor os meus trabalhos nos EUA, nos estados de Rhode Island e Massachusetts. Em Massachusetts, estive em Boston, New Bedford, Fall River e Taunton.”.
Salomé Vieira explica em traços gerais as diferentes fases de execução de uma peça: “Primeiro, deve-se marcar o tamanho do tecido a trabalhar consoante o tipo de peça que se pretende. Pode ser um pano de pão, um pano de tabuleiro, um naperon, uma toalha, um lençol, etc. Depois, puxam-se os fios nas zonas onde se pretende trabalhar o tecido.” Esta é a fase do desfiar – vazar o tecido separando os fios e cortando para fazer os quadradinhos (Fig. 1). “O número de fios a puxar depende da grossura do linho. Em seguida, coloca-se a zona com os quadradinhos sobre um pedaço de cartolina azul, para fazer contraste, e coze-se a cartolina ao pano. Faz-se então o repasse.” Esta é a fase do urdir – reforçar os lados dos quadradinhos com linha (ver a diagonal do tecido na Fig. 2). “Terminada esta fase, borda-se o tecido quadriculado, de acordo com o desenho pretendido.” Esta é a fase do bordar – preencher alguns quadrados com linha para produzir o desenho desejado (Fig. 3). “Depois de estar o bordado pronto, retira-se a cartolina e faz-se o remate final à volta, recortando-se o excesso de pano fora do remate.” Esta é a fase do casear – fazer o acabamento nas bordas para que o tecido não desfie. Na Fig. 4, vemos um trabalho finalizado.
De notar que os bordados de crivo feitos em linho têm mais valor: “O fio é mais resistente e confere maior durabilidade à peça, para além de ser mais fácil de executar. Noutro tipo de tecido, os fios rebentam com facilidade.”
Numa próxima oportunidade, analisaremos as simetrias de alguns trabalhos desenvolvidos pela Dona Salomé Vieira.
No passado dia 8 de março, a freguesia da Matriz celebrou mais um aniversário. A freguesia já conta com 502 anos de existência. A sessão solene desta celebração decorreu pelas 20h30, na Sociedade Amor da Pátria. Em destaque estiveram os trabalhos em recorte de papel, da Dona Maria de Lourdes Pereira, as rendas tradicionais, da Dona Ana Baptista, os bordados de palha de trigo sobre tule, da Dona Isaura Rodrigues, e os bordados de crivo, da Dona Salomé Vieira. Todos estas artesãs já viram os seus trabalhos contemplados em artigos do Tribuna das Ilhas ao longo dos últimos anos.

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

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