Os Number Bonds de Singapura

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O Método de Singapura foi o tema foco do artigo publicado no Tribuna das Ilhas no passado dia 16 de outubro. Trata-se de um caso de sucesso do ensino da Matemática no Mundo, desde logo se tivermos em conta os excelentes resultados alcançados por Singapura no TIMSS e no PISA, dois estudos internacionais que avaliam o desempenho dos alunos a Matemática.
Este sucesso está associado, em parte, a questões de natureza cultural. Contudo, o alto desempenho dos alunos de Singapura a Matemática é, essencialmente, uma consequência direta de um investimento em estratégias de ensino eficazes que se concentram na elaboração meticulosa e respetiva implementação de programas que visam uma melhoria contínua do ensino-aprendizagem da Matemática. E são esses “pequenos pormenores que fazem toda a diferença” que podemos aproveitar para enriquecer as práticas diárias nas nossas salas de aula.
Os number bonds (esquemas todo-partes) constituem um dos procedimentos didáticos mais famosos do Método de Singapura. Estas representações auxiliam a compreensão numérica basilar, nomeadamente a capacidade de decompor quantidades e a álgebra fundamental (adições e subtrações). Neste artigo, analisaremos o que são, quais as vantagens e a forma de utilização destes esquemas no 1.º ano de escolaridade. O texto é baseado num artigo publicado em junho de 2015 no Jornal das Primeiras Matemáticas, em co-autoria com Carlos Pereira dos Santos (http://jpm.ludus-opuscula.org). O Jornal das Primeiras Matemáticas é semestral, eletrónico e incide sobre a Matemática da Educação Pré-Escolar e dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. As suas edições saem nos exatos momentos de Solstício.
Um esquema todo-partes constitui uma imagem (inicialmente, concreta; a certa altura, mental) que ilustra uma relação entre um número (todo) e pelo menos outros dois números (partes). Há dois propósitos fundamentais na utilização dos esquemas todo-partes. O primeiro diz respeito à relação íntima entre as decomposições, adições e subtrações: por um lado, o todo pode ser decomposto em partes (figura A); por outro, quando conhecemos as partes, podemos adicioná-las de forma a recuperar o todo (figura B); além disso, se conhecermos o todo e uma das partes, podemos subtrair essa parte ao todo para encontrar a outra parte (figura C). Estas ações não podem ser dissociadas umas das outras, são sim “diferentes faces da mesma moeda”. A “moeda”, como objeto coeso, é precisamente o esquema todo-partes.
A segunda vantagem da utilização destes esquemas prende-se com a sua importância em processos operatórios com maior grau de complexidade. Considere-se, a título de exemplo, o cálculo 5+2. Se excluirmos a contagem continuada (contar “para a frente”, pelos dedos ou usando objetos), a única forma de encarar este cálculo é a memorização. Considere-se, agora, o cálculo 8+7. Neste caso, para além da memorização e da contagem continuada, temos mais uma forma de pensar. O número 8 está a precisar de 2 para compor a dezena. Uma vez que 7 se pode decompor em 2 e 5, a resultado é igual a 15 (figura D). Utilizou-se uma decomposição do 7 para compor a dezena mais próxima.
Nas primeiras explorações dos esquemas todo-partes, aconselha-se a utilização de movimento com recurso a objetos concretos. Vejamos um exemplo. Em cima de uma mesa, coloca-se um esquema todo-partes em formato A4. Em seguida, posicionam-se 5 animais no círculo correspondente ao todo: um cão, um gato, um tigre, um elefante e um leão. Pergunta-se “Quais os animais que podem viver na nossa casa? E quais os que têm de viver na selva?”. À medida que se discute o assunto com a criança (“O leão tem de ir para a selva, senão comia as pessoas lá de casa.” ou “O cão pode ir para casa, eu tenho um.”), fazem-se dois movimentos para os círculos que representam as partes (leão, tigre e elefante para o círculo que representa a selva; cão e gato para o círculo que representa a casa). Deve-se terminar com uma explicação do que foi feito: “Tínhamos 5 animais, 2 foram para casa e 3 foram para a selva.”.
Pode-se repetir este tipo de atividade com outros temas (por exemplo, terra, mar e transportes terrestres/marítimos). Gradualmente, deixa-se ser a criança a explicar pois é importante incentivar a prática da oralidade. Ainda antes da utilização de numerais (os símbolos que representam os números) nos esquemas todo-partes, deve-se desenvolver tarefas com apelo ao pictórico/esquemático e que envolvam a utilização de materiais manipuláveis, como as barras cuisenaire.
Apresenta-se na figura E um exemplo envolvendo um esquema todo-partes. Mostram-se duas coisas à criança: uma situação “real” (a família de pinguins) e uma decomposição (5 decomposto em 2 e 3). O objetivo consiste em solicitar à criança que explique o que a decomposição tem a ver com a figura. Neste exemplo concreto, “Há 5 pinguins, 2 estão dentro de água e 3 estão cá fora.” ou “Há 5 pinguins, 2 são grandes e 3 são pequenos.” são duas boas possibilidades. Repare-se que esta tarefa exige que as crianças já conheçam bem os primeiros números e não se trata de uma mera contagem.
Os esquemas todo-partes podem ser classificados por grau de dificuldade de acordo com alguns pormenores relativamente à forma como podem ser exploradas as atividades. Podemos ter: uma só explicação possível para uma única decomposição; mais de uma explicação possível para uma única decomposição (como foi o caso do exemplo dos pinguins); e mais de uma decomposição possível, consoante o critério que se escolha. Apresenta-se um exemplo desta última situação na figura F: “Há 5 pessoas, 2 têm óculos e 3 não têm.”, “Há 5 pessoas, 1 menina e 4 meninos.” ou “Há 5 seres vivos, 5 pessoas e 0 elefantes.” constituem todas as decomposições possíveis do número 5. Desafia-se o leitor a descobrir outros critérios para fazer estas decomposições!
Depois de se explorar com profundidade as decomposições do 1 ao 10, recorrendo a inúmeras situações como as descritas atrás, há que usar os esquemas todo-partes para trabalhar as adições e, depois, as subtrações dentro da primeira dezena. E só depois é que se deve avançar para números superiores a 10 (as razões prendem-se com o que foi explicado no contexto do exemplo da figura D). Há, de facto, pequenos pormenores que fazem toda a diferença!

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores,
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