Os fenómenos naturais do Lajedo das Flores II

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 2. A localidade da Costa do Lajedo

 Sabe-se que esse lugar da Costa, constituído por um extenso vale de terras de pão ou de lavradio e por várias casas, no século XIX era em grande parte propriedade do 1.º Barão da Costa, Manuel Pedro Furtado de Almeida, e que depois recebeu o título de Visconde do Vale da Costa, o qual casara em 28 de Abril de 1864 com Jessie Mackay, que seria filha do Dr. James Mackay (1790-1874) (6). O Dr. James Mackey, que era escocês foi o primeiro médico das Flores. Nasceu na Escócia em 1790, formou-se na Universidade de Edimburgo e serviu como tenente no Exército Britânico que, em 1815, venceu e prendeu o Imperador Napoleão Bonaparte na Batalha de Waterloo. Assim, foi encarregado de acompanhá-lo à sua prisão na Ilha de Santa Helena, no Sul do Atlântico. Quando regressava a Inglaterra parou nas Flores e ficou tão encantado com a ilha e com as suas gentes que, anos depois, em 1828, veio com sua mulher Ana Hart, fixar-se ali, onde foi médico e vice-cônsul britânico, e aonde constituiu família. Ali faleceu, deixou filhos e prédios, e está sepultado com a mulher no cemitério de Santa Cruz, em cuja campa consta uma lápide que sintetiza a sua história e a história de sua mulher. Teve vários filhos e filhas, entre os quais a Jessie casada com o Visconde da Costa atrás mencionado, e James Mackey (filho), importante empresário em Santa Cruz das Flores, onde foi agente de diversas empresas portuguesas e inglesas e também vice-cônsul de Sua Majestade Britânica e delegado do Consulado Geral americano e até importante benemérito.

Rica em terrenos aráveis, o lugar da Costa chegou a ter excelente produção cerealífera e agora possui muito boas pastagens para o gado bovino. Sobre esses terrenos conta-se que terão sido recuperados a uns charcos que lá existiriam e onde invasores mouros terão sido desbaratados pela população local, por desconhecerem a  existência e profundidade desses chaços. Diz-se até que alguns desses mouros poderão ter sido raptados e que por lá terão ficado. Daí a designação dos “marrocos”, dada a  descendentes desses povos africanos, cuja constituição física era de baixa estatura, muito divergente da dos demais habitantes da localidade, que seriam essencialmente de origem anglo-saxónica.     

O lugar da Costa, que pertence à freguesia do Lajedo, de cuja localidade está dividido por um cerro, também possui a sua Irmandade do Espírito Santo.

 3. A água quente da Costa

 Mas, citando novamente o Padre Camões que, como se disse, escreveu entre 1815 e 1822, e acompanhando-o nas suas “Coisas notáveis que há na ilha”, refere ele que “junto ao mar (no lugar da Costa), e ao pé de uma rocha que terá de 20 a 25 braças de altura, há uma fonte de água muito quente que tem uma virtude eficacíssima para todas as moléstias cutâneas. A água é quente em tal grau que, lançando-se-lhe um pequeno peixe, coze-o em poucos minutos; deitando-se-lhe lapas, ou qualquer outro marisco de concha, descasca-os imediatamente. Nota-se-lhe uma particularidade, que tomada em bochechas, só nos beiços se lhe percebe a quentura; no mesmo modo ninguém permanece com as mãos dentro dela. Só com muita bonança se pode ir junto dela de barco, e por terra é muito difícil a descida da rocha; pelo menos homens calçados não descem lá, só se temerários” (7). Devido a essas águas estarem numa nascente que o mar cobre, por vezes, em ocasiões de maré-cheia, nunca as autoridades locais pensaram no seu adequado aproveitamento, com uma decisão séria e duradoura. A análise das referidas águas encontra-se inserida nos “Anais do Município das Lajes das Flores”, p. 123, feitas em 31-VIII-1961. Esses Anais foram editados em 1970 pela Câmara Municipal presidida por Fernando de Freitas Silva, onde são feitas diversas referências históricas a essas e a outras águas da Costa (8).

 Posteriormente, sobretudo depois do 25 de Abril, alguns políticos aventureiros e oportunistas chegaram a fazer promessas, aos habitantes da Costa, de irem estudar o aproveitamento dessas águas, facto que nunca ocorreu, nem eram compromissos feitos com seriedade. De resto, águas semelhantes existem em diversas ilhas do arquipélago que não estão a ser aproveitadas para fins terapêuticos ou medicinais, apesar de serem muito mais fáceis de aproveitar e de, nalgumas, já existirem investimentos de vulto nelas realizados. Isto acontece em ilhas muito mais populosas e servidas por melhores transportes do que as Flores.

 Julgo que aquelas promessas não passaram mesmo de simples oportunismos políticos para enganar as populações locais.                                                                                                                                                                                                   (Fim)

Bibl: Macedo, António Lourenço da Silveira, (1871), “História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta”, 1981, V.1, pp. 273, 183, Angra do Heroísmo, Reimpressão Fac-Similada da Secretaria Regional da Educação e Cultura; Camões, José António de (1815-1822), “Obras – Memória da Ilha das Flores”, 2006, p. 57, Lajes das Flores, Câmara Municipal de Lajes das Flores; Silveira, João Augusto da, (1848-1849), “Anais do Município das Lajes das Flores”, 1970, edição própria, p. 58 , 73, 75 e 123 (continuado pelo Padre João Augusto da Silveira e anotados por Pedro da Silveira e Jacob Tomaz); Bullar, Joseph e Henry, (1839), “Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas”, 2001, p. 225, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada; Gomes, Francisco António Nunes Pimentel, (2006), “Casais das Flores e do Corvo – extractos dos assentos de casamento 1655-1911”, p. 365, edição do próprio; Trigueiro, José Arlindo Armas, artigo no jornal “Tribuna das Ilhas”, Horta, 20-3-2009.

(6). Gomes, Francisco António Nunes Pimentel, (2006), “Casais das Flores e do Corvo – extractos dos assentos de casamento 1655-1911”, p. 365, edição do próprio.

(7). Camões, José António de (1815-1822), “Obras – Memória da Ilha das Flores”, 2006, p. 57, Lajes das Flores, Câmara Municipal de Lajes das Flores.

(8). Silveira, João Augusto da, (1848-1849), “Anais do Município das Lajes das Flores”, 1970, edição própria, p. 73 e 123, (continuado pelo Padre João Augusto da Silveira e anotados por Pedro da Silveira e Jacob Tomaz).

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