Como manter um bolo sempre fresco

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Com as festividades associadas à época natalícia e à passagem de ano, muitos são os excessos que se cometem, nomeadamente por aqueles que são mais gulosos. Bolos, pudins, gelados, bombons… Enfim, não faltam pretextos para esquecer a dieta por uns tempos. 

À parte das preocupações em “manter a linha”, há muitos aspetos em que a Matemática pode ser útil quando pensamos em guloseimas. Desde logo na confeção de uma sobremesa. Por exemplo, se quisermos fazer “receita e meia” ou mesmo “dobrar a receita”, aplicamos a conhecida regra de três simples, que se baseia no princípio de proporcionalidade direta. Se a receita refere meio quilo de manteiga e queremos fazer “receita e meia”, temos que utilizar 0, 75 quilos de manteiga. Já se quisermos dobrar a receita, precisamos de 1 quilo de manteiga. Cálculos simples como este são feitos nas nossas cozinhas a toda a hora, não só para medir os ingredientes, mas também para estimar o tempo de cozedura, por exemplo.

Para além destes cálculos elementares, muitos outros aspetos têm sido objeto da atenção de alguns matemáticos ao longo dos tempos. Um exemplo curioso prende-se com a forma como são partidas as fatias de um bolo e como são distribuídas pelos convidados numa festa. Nuno Crato, autor do livro A Matemática das Coisas, refere alguns aspetos curiosos. Desde logo, para evitar que alguém se possa queixar do resultado da partilha, o melhor método designa-se por “um parte, outro escolhe” e consiste em duas etapas: um dos convidados divide o bolo e o outro escolhe a sua fatia. De facto, é do interesse do primeiro fazer a divisão da forma mais equitativa possível, pois, caso contrário, ficará com certeza com o pior pedaço. Esta é uma sábia solução para o problema, pois, mesmo que os dois convidados sejam movidos pelo egoísmo, a verdade é que acabam por colaborar de forma a que nenhum fique prejudicado. Mas, se o problema se colocar a mais de dois convidados? A solução já não é assim tão simples. O desenvolvimento deste tipo de algoritmos acaba por ter aplicações em muitas outras áreas, desde a simples partilha de uma herança às negociações de desarmamento ou ao estabelecimento de fronteiras entre países.

Outro método de partilha interessante foi proposto pelos matemáticos Stefan Banach (1892-1945) e Bronis-law Knaster (1893-1980). Supondo que existem n convidados, um deles parte uma fatia que pensa representar 1/n da totalidade do bolo. De seguida, essa fatia passa pelos restantes convidados. Cada um deles deve escolher uma de duas ações: 1) se considerar que o pedaço de bolo corresponde a mais de 1/n, deve cortar o excesso, colocar esse excesso de volta no prato principal e passar a fatia de bolo ao convidado seguinte; 2) se considerar que a fatia de bolo representa um valor igual ou inferior a 1/n, deve passar a fatia ao convidado seguinte. Depois de dar a volta completa, a última pessoa a ter cortado a fatia ou parte da fatia de bolo é obrigada a aceitar essa fatia. Repete-se este procedimento para os restantes n-1 convidados. 

Outro método ainda mais simples designa-se por “algoritmo da faca deslizante”. Uma pessoa desloca uma faca sobre o bolo até que um dos outros convidados diga “Pára!” e reclame a fatia de bolo correspondente. O processo prossegue até que um outro convidado reclame nova fatia, e assim sucessivamente. 

Vejamos, agora, um método muito interessante para manter um bolo sempre fresco. Note-se que a forma tradicional de cortar um bolo é propícia a que, com o passar do tempo, este fique seco junto da zona de corte. O método inovador foi inventado por Francis Galton (1822-1911), matemático e estatístico inglês, primo de Charles Darwin. O seu texto “Cutting a Round Cake on Scientific Principles”, publicado na edição de 20 de dezembro de 1906 da conceituada revista Nature, foi divulgado recentemente por Alex Bellos, num vídeo do canal de YouTube “Numberphile”: http://youtu. be/wBU9N35ZHIw. Agradeço à colega Ana Paula Garrão, do Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, por me ter chamado a atenção para este vídeo.

Francis Galton, como qualquer britânico que se preze, era adepto da hora do chá. E a acompanhar o chá vai sempre bem uma fatia de bolo! O tema é, portanto, pertinente neste contexto. Segundo as palavras do próprio Galton, “o Natal sugere bolos e daí o meu desejo de partilhar um método de os cortar que desenvolvi recentemente para minha própria diversão e satisfação”. O autor salienta que o método é ideal para ser aplicado a um bolo redondo, envolvendo duas pessoas com apetite moderado. A preocupação de Galton foi a de deixar um mínimo de superfície exposta, que inevitavelmente se torna seca com o passar do tempo. Para tal, as partes que restam do bolo, depois do corte, devem poder encaixar-se umas nas outras. 

As figuras 1 a 8 ilustram este método inovador que, estranhamente, continua desconhecido ao cidadão comum. As fatias devem ser cortadas de um lado ao outro do bolo (figura 1). Se olharmos de cima, o bolo utilizado tem o formato de um círculo. Cada fatia cortada é limitada por duas retas paralelas e deve conter o centro do círculo. A ideia é cortar uma fatia e, de seguida, juntar as duas partes que sobraram, unindo-as, se necessário, com um elástico, de modo a sobrepor as zonas do corte (figura 2). Da próxima vez que nos queiramos deliciar novamente com o bolo,                  devemos fazer novo corte com as mesmas características do anterior, mas agora com direção perpendicular (figuras 3 a 5), e assim sucessivamente (figuras 6 a 8). 

Deixo aos mais curiosos o link de    um vídeo sobre o tema, feito pelos meus alunos Carla Medeiros, Ivo Jarimba e Sofia Amaral, no âmbito  da disciplina Aplicações da Matemá-tica, da licenciatura em Educação Básica da Universidade dos Açores: http://youtu.be/7zvw9RdbjO8.

Experimente aplicar este método em sua casa e delicie-se com uma fatia de bolo, sempre fresco!

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

 

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