Retalhos da nossa história – 292 – Quando, em 1867, o distrito da Horta, perdeu três concelhos

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Consolidado o liberalismo em Portugal, os Açores deixaram de estar submetidos à Capitania Geral de Angra e, após vicissitudes várias, viram consagrada a administração política desejada pela maioria do seu povo. Surgiram então os três distritos que vigoraram de 1836 a 1976.
Foi efectivamente em 1976 que, com a entrada em vigor da Constituição da República, o arquipélago açoriano passou a ser uma Região Autónoma com órgãos de governo próprio, eleitos democraticamente e dotados com um conjunto de poderes que visavam a unidade regional, o desenvolvimento harmónico e a complementaridade das suas nove parcelas. Passavam à história os distritos de Horta (composto das ilhas Faial, Pico, Flores e Corvo), de Angra (ilhas Terceira, Graciosa e São Jorge) e de Ponta Delgada (ilhas São Miguel e Santa Maria), que haviam durado 140 anos.
Persistiram, porém, os concelhos como ancestral unidade autárquica.
Fundados, quase todos, nos séculos XV e XVI, a eles se associaram o da Madalena criado em 8 de Março de 1723 e o do Corvo em 1832, chegando a um total de 22 no conjunto regional em meados do seculo XIX. Neste período foram extintos definitivamente os concelhos de Água de Pau e Capelas na ilha de São Miguel; na Terceira deixou de existir o concelho de São Sebastião, o mesmo acontecendo ao da Praia na Graciosa e ao do Topo em São Jorge.
A fortíssima resistência das populações locais, apesar de não ter evitado a supressão daqueles cinco concelhos, impediria que, de futuro, se concretizassem definitivamente as reestruturações administrativas tentadas em 1867 e 1895.
No que respeita ao distrito da Horta, a Lei da Administração Civil de 26 de Junho de 1867 – diploma que ficou conhecido pelo Código Martens Ferrão – o ministro do Reino que foi seu autor – decretava uma profunda reforma que eliminava três dos sete concelhos existentes e através do agrupamento de freguesias reduzia substancialmente o seu número. Apesar de a lei ser de 26 de Junho, o mapa final da divisão do território nacional só foi publicado a 10 de Dezembro, após a prévia auscultação das diversas autoridades distritais e locais.
Assim se explica que o parecer do governador do distrito da Horta, conselheiro António José Vieira Santa Rita, haja sido enviado ao ministro do Reino em 19 de Outubro e que, na sua elaboração, tenha seguido “as instruções desse ministério com data de 11 de Julho do corrente ano”. Informava ter consultado “a Junta Geral, os administradores dos Concelhos, Câmaras Municipais e Juntas de Paróquia deste distrito sobre a divisão territorial”. Enviava juntamente “os mapas das paróquias civis, dos concelhos e do distrito” e para “elucidação” do ministro prestava vários esclarecimentos que, por muito extensos, a seguir se resumem:
– “O distrito ocidental dos Açores, com a sua capital na cidade da Horta, deve ficar composto, como o actual distrito administrativo da Horta, das quatro ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo”.
– “Estas ilhas devem formar 4 concelhos – 1 no Faial, com sede na cidade da Horta – 2 na ilha do Pico, com sede nas vilas da Madalena e Lajes – e 1 nas ilhas das Flores e do Corvo, com sede na vila de Santa Cruz”.
Eram, portanto, extintos os concelhos de São Roque do Pico, do Corvo e de Lajes das Flores
Para melhor clarificar a sua posição, o chefe do distrito passou a tratar “por ilhas cada um destes concelhos, bem como das paróquias civis que o deviam compor”.
Assim, no concernente ao Faial, referia que “esta ilha deve formar, como actualmente, o concelho da Horta, com a sua sede na cidade da Horta”. Ficava com 6. 220 fogos e era “a única divisão admissível nesta ilha e sobre a qual há o mais completo acordo de todas as corporações e funcionários”.
Quanto às paróquias civis (o equivalente às actuais freguesias), o parecer do governador apontava para a existência de apenas quatro:
“1.ª As paróquias eclesiásticas de S. Salvador (Matriz), Angústias, Conceição, na cidade da Horta – e Flamengos, paróquia rural, com sua sede em S. Salvador”. (…)
“2.ª As paróquias eclesiásticas da Feteira, Castelo Branco e Capelo, com sede em Castelo Branco” (…)
“3.ª Praia do Norte, Cedros e Salão, com a sua sede nos Cedros.” (…)
“4.ª Ribeirinha, Pedro Miguel e Praia do Almoxarife, com sede em Pedro Miguel (…)
Se no Faial não houve problemas de maior, embora os pareceres das várias freguesias que perdiam as suas sedes mostrem acentuadas divergências, já a divisão administrativa da ilha do Pico “foi bastante disputada entre os três concelhos da Madalena, S. Roque e Lajes”, abundando as representações, as polémicas e os debates nem sempre serenos e racionais que se podem apreciar na imprensa faialense que então se publicava. O comedido parecer do governador Santa Rita informava que a Câmara Municipal de S. Roque era “a favor de um só concelho com a sua sede em S. Roque ou antes no Cais do Pico onde se acham as repartições públicas do actual concelho”. Contra S. Roque se pronunciaram as Câmaras Municipais da Madalena e das Lajes que defendiam a existência de dois concelhos nelas sediados e que a si anexariam, de forma quase equitativa, as paróquias eclesiásticas que àquele pertenciam.
O principal fundamento – escrevia o governador no seu parecer – “que aconselha a divisão da ilha em dois concelhos é a sua grande extensão e a falta de uma povoação que seja verdadeiramente central para todas as paróquias civis”. Se estivessem preenchidas estas duas circunstâncias essenciais, o governador entendia que “a ilha não devia formar mais do que um só concelho como propunha a Câmara Municipal de S. Roque”. Assim optava pela constituição de dois concelhos: oriental e ocidental “que ficam com o número de fogos que a lei exige – compostos cada um de três paróquias civis – quase com igual população, território e riqueza, constituem na actualidade a divisão mais cómoda e mais em harmonia com a extensão da ilha, com as suas principais povoações estabelecidas no litoral e com as grandes distâncias que as separam, muitas delas ainda hoje difíceis de atravessar pelas péssimas estradas”. Eram estas, em síntese, “as razões fundamentais que indicavam esta divisão e aconselhavam a colocação das suas sedes nas vilas da Madalena e Lajes, em detrimento de S. Roque.
Surpreendentemente, quanto às paróquias civis que deviam integrar cada um dos dois sugeridos concelhos, o governador garante que “há um completo acordo”, pelo que se limitava a indicar a respectiva divisão.
Assim o concelho Ocidental seria formado pelas paróquias de Madalena (integrando Bandeiras, Madalena e Criação Velha); de São Mateus (Candelária e São Mateus) e de Santo António (São Roque, Santo António e Santa Luzia).
Por seu lado o concelho Oriental compor-se-ia das paróquias civis de Lajes (São João, Lajes e Ribeiras); de Piedade (Calheta e Piedade) e de Prainha (Santo Amaro e Prainha).
As ilhas de Flores e Corvo viam suprimidos os seus três concelhos (Santa Cruz, Lajes e Corvo) e passavam a ter apenas o de Santa Cruz que “era a povoação mais importante das duas ilhas”.
Esta solução mereceu a concordância da Junta Geral, do administrador do concelho de Santa Cruz e das Câmaras Municipais de Santa Cruz e Corvo.
A Câmara Municipal das Lajes pedia a conservação do seu concelho e o administrador do concelho do Corvo também não abdicava do seu. Todavia, esclarece o governador, “nada justifica a conservação destes dois concelhos” que “apesar de anexados ao de Santa Cruz, este fica apenas com 2.533 fogos, ainda inferior ao número marcado pela lei”. Além disso, nenhum dos dois concelhos tinha “população, riqueza e pessoal habilitado para serem conservados”. O chefe do distrito ainda admitia que a ilha do Corvo pudesse alegar, em abono da manutenção do seu concelho, “a separação em que se acha da ilha das Flores e o tempestuoso canal que as divide”. Logo, porém, acrescentava ser completamente impossível a conservação do concelho “pois que apenas tem 195 fogos e 881 almas e lhe faltam todos os elementos indispensáveis” à constituição do mesmo.
Mesmo o novo concelho de Santa Cruz não atingia ainda o número de fogos “que a lei marca, mas não pode deixar de ser conservado por esta forma, porque não é possível a sua anexação a qualquer outro pois que tanto a ilha das Flores como a do Corvo se acham separadas desta do Faial, que é a mais próxima, por um canal de 200 quilómetros”1.
Silveira Macedo, que viveu estes acontecimentos, assinala “o grande desgosto” que percorreu todo o Reino “por causa da nova divisão territorial e do imposto de consumo” e a “indisposição geral do povo contra o ministério” que “por decreto de 10 de Dezembro aprovou a circunscrição administrativa de concelhos e paróquias civis”2.
Foi, portanto, no final de um ano extremamente conturbado que o Governo, ao determinar aquela reforma administrativa, “suprimia quatro distritos e 178 concelhos” e desafiava de forma inábil e prepotente “o bairrismo das populações despromovidas”. A oposição popular a esta lei e à do imposto de consumo foi de tal amplitude que a partir do primeiro de Janeiro de 1868 a situação tornou-se explosiva e o ministério de Joaquim António de Aguiar, sabendo que não podia reprimir a “Janeirinha”, a não ser com “grande derramamento de sangue”3, escolheu o caminho da demissão.
Sucedeu-lhe um governo chefiado pelo faialense Conde de Ávila que, numa tentativa de aliviar a pressão popular, revogou a 15 de Janeiro as polémicas leis de imposto de consumo e a divisão administrativa de Martens Ferrão, que, na prática anulava a malquista divisão territorial. Afinal, tudo voltava a ser como dantes! Pelo menos até 1895, ano em que surgiu nova reforma administrativa, também polémica e igualmente de curta duração.

 

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

 

1AGCH, Livro n.º 104, fls. 289v-294v.
2Macedo. A.L. Silveira, História das Quatro Ilhas, vol. II, pp. 333-335
3Bonifácio, Maria de Fátima, A Monarquia Constitucional 1807-1910, pp. 86-87

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