Retalhos da nossa história -297 (I) – Ernesto do Canto Amaral: poeta, negociante e político

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Nasceu na Matriz da Horta a 9 de Junho de 1858, filho de José Garcia do Amaral e de D. Ana Aurélia do Canto. 

Ao longo da sua vida foi funcionário da junta administrativa da doca, comerciante, vice-cônsul do Brasil, dos Países Baixos, do Perú e da agência imperial da Áustria-Hungria, administrador do concelho, gerente da Casa Bensaúde em Lisboa e, também na capital portuguesa, sócio-administrador da importante firma C. Mahony & Amaral.
Em 1869 ingressou no Liceu da Horta, tendo como companheiros de matrícula alguns jovens que, como ele, viriam a ser figuras de destaque na vida cultural, social e política faialense, nomeadamente Florêncio Terra, Manuel Zerbone Júnior e Francisco Pereira Ribeiro Júnior.
Em 22 de Novembro de 1874, Ernesto do Canto Amaral – com apenas 16 anos de idade – foi um dos 10 sócios fundadores do Grémio Literário Faialense, instituição que deixou marcas profundas nos anais da vida cultural da cidade da Horta. Tem interesse recordar esses fundadores: Florêncio José Terra, Cândido Maria de Sousa, António da Cunha de Menezes Brum, Luís da Terra, Manuel Rocha de Almeida, José Garcia do Amaral e o seu irmão (e nosso biografado) Ernesto do Canto Amaral.
Todos eles – mais os que se lhes juntaram dando vida àquele prestigiado organismo, casos de Ernesto Rebelo, João José da Graça, Hermenegilda Lacerda, Manuel Zerbone, Garcia Monteiro, Rodrigo Guerra, Costa Rebelo ou Augusto Bulcão – se revelaram, em maior ou menor nível, escritores, poetas, jornalistas, musicólogos e amadores teatrais.
Ernesto do Canto Amaral foi “um poeta de bela inspiração, mas pouco fecundo” com várias das suas produções dispersas em jornais locais. Era também – segundo Marcelino Lima – “um colaborador entusiasta dos saraus literários”1.

Pelo seu casamento com D. Leonor de Almeida Ávila, realizado a 18 de Novembro de 1882 na paroquial das Angústias, ficou intimamente ligado a uma das mais poderosas famílias faialenses. A noiva, filha de Manuel José de Ávila e de D. Maria Leonor de Ávila, era pelo lado paterno descendente directa do ilustre Duque de Ávila e de Bolama (1807-1881), de quem seu pai era sobrinho, tal como o mais distinto irmão deste, o Marquês de Ávila e Bolama (1842-1917).
Este consórcio que tornou Ernesto Amaral cunhado deste último titular, aliado aos seus naturais méritos pessoais – revelados precocemente na fundação do Grémio Literário Faialense e na adesão à elite maçónica local como membro das lojas “Amor da Pátria” e “Luz e Caridade” – muito terão ajudado a que tivesse ascendido a cargos de prestígio e de evidentes vantagens materiais, como ficou referido no início deste artigo.
Conceituado representante consular de dois importantes estados europeus e de dois sul-americanos e director de uma conceituada casa comercial, ele foi também membro activo da vida política local, exercendo o cargo de administrador do Concelho da Horta em 1890-1891.
Vivia-se então um período difícil na sequência do ultimato inglês e de uma crise financeira extremamente grave, dela resultando uma crescente onda de pobreza que estimulou ainda mais a corrente emigratória sobretudo para os Estados Unidos da América do Norte. Apesar das constantes medidas restritivas, eram muitos os açorianos que saíam clandestinamente das ilhas, aliciados pelos engajadores – que não raro estavam conluiados com os capitães dos navios e com autoridades fiscais ou aduaneiras – e esperançados na realização do velho sonho americano.
Bom exemplo dessa clandestina emigração maciça encontra-se num ofício de 23 de Junho de 1890 que Ernesto do Canto Amaral, na qualidade de administrador do Concelho da Horta remeteu ao governador civil do distrito, então o Dr. Manuel de Arriaga Nunes. Por ser verdadeiramente esclarecedor, aqui se transcreve:
“Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª que na noite de 31 de Maio último, em que saiu deste porto com destino aos EUA a barca americana Kennard, do capitão João Bettencourt, se deu um embarque clandestino de um avultado número de mancebos, na costa da freguesia da Praia do Almoxarife. Por ocasião da saída desse navio fiz proceder a uma busca rigorosa a bordo, por me constar que a guarda-fiscal que estava a bordo nos dias anteriores tinha deixado esconder no navio, na forma do costume um grande número de emigrantes clandestinos. Na noite anterior ao dia da busca vieram todos para terra por ter constado que eu estava disposto a dar a busca com o escrúpulo com que a dei, não me fiando na guarda-fiscal a bordo, e isso desde que é domínio público que até há bem pouco tempo embarcava sem passaporte quem o pretendia fazer a troco de alguns mil reis sem a menor sombra de moralidade. Recorri, pois, ao comandante da canhoneira Açor que da melhor boa vontade me mandou coadjuvar na busca, vigiando a guarda-fiscal a bordo e os emigrantes que por ventura tentassem embarcar clandestinamente”(…) 

Continua na edição de 30 de Novembro de 2018, n.º 852

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

1 Marcelino Lima, Anais do Município da Horta, p.571

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