Retalhos da nossa história – CCLXX

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Jaime Melo: professor, presidente da Câmara e “pai” do Atlético

Jaime Maria Soares de Melo, nascido a 12 de Fevereiro de 1877 em São Roque do Pico, filho de Manuel Maria de Melo, empregado da Alfândega, e de D. Maria Palmira Linhares Soares, matriculou-se em 1891 no Liceu da Horta e, concluído o respectivo curso, ter-se-á diplomado como professor primário numa das duas escolas de habilitação para o magistério então existentes nos Açores, ou seja, em Angra ou Ponta Delgada.
É que, quando em 1900, foi criada a Escola de Distrital da Horta de Habilitação para o Magistério Primário – que, com vários nomes e diversos currículos durou até 1926, sob a designação popular de Escola Normal – Jaime Melo integrou o seu corpo docente como professor efectivo.
Prova disto está no ofício de 3 de Outubro de 1900 do governador civil, visconde de Leite Perry, comunicando ao presidente da Câmara Municipal da Horta, “para os devidos” que “telegraficamente pela Direcção Geral de Instrução Pública lhe fora dado conhecimento de haver sido criada nesta cidade uma escola mista distrital de habilitação para o magistério primário, tendo sido por decreto de 1 do corrente nomeado director da mesma escola o exmo. Barão de Roches e por despachos da mesma data nomeados professores os srs. Padre José Osório Goulart, Jaime Maria Soares de Melo, João Carlos Romano de Freitas e a sr.ª D. Maria Ferreira”1. Depois das imprescindíveis matrículas, a Escola, instalada no histórico edifício ‘Bagatela’, começou a funcionar em Novembro desse ano, formando elevado número de professores primários que muito contribuíram para o desenvolvimento das nossas ilhas.
O seu corpo docente foi, ao longo dos 26 anos de existência, necessariamente ampliado e rejuvenescido, embora se tenham mantido sempre em funções o director Barão de Roches e os professores efectivos Osório Goulart e Jaime Melo.

Além do magistério, outros cargos públicos foram confiados a estes três destacados cidadãos na gestão da comunidade faialense e distrital.
Foi isso que sucedeu com o professor Jaime Melo. Por várias vezes ocupou outros postos de serviço público. Temos notícia de ter sido nomeado administrador do concelho da Horta em 17 de Dezembro de 1917 pelo governador civil Dr. Manuel Francisco Neves Júnior que, no mesmo dia colocou em igual cargo no concelho de São Roque do Pico o cidadão Manuel Maria de Melo, pai daquele2. Exonerado em 1918 pelo governador Manuel da Câmara, voltaria à administração do concelho da Horta com o Dr. Neves novamente na chefia do distrito, que, como sempre, confiava no “seu patriotismo e zelo pela causa pública”3.
Da Administração do Concelho passaria para a presidência da comissão executiva da Câmara Municipal da Horta, cargo que exerceu de 28 de Maio de 1919 a 31 de Março de 1922.
Neste período participou em alguns acontecimentos relevantes que marcaram a comunidade faialense.

De todos eles, destacamos, pelo seu simbolismo, a homenagem prestada a Guglielmo Marconi, famoso engenheiro italiano, galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1909, inventor da telegrafia sem fios e verdadeiro “pai da rádio”, já que foram as suas experiências que permitiram o início e o desenvolvimento da indústria da radiotelefonia e da radiotelegrafia. Viajando no seu iate “Electra” havia chegado ao porto da Horta a 17 de Julho de 1922 e logo no dia imediato a Câmara da Horta, presidida pelo professor Jaime Maria Soares de Melo, não perdeu a ocasião de registar essa ilustre visita nos anais da vida faialense. Em sessão solene, realizada no salão nobre dos Paços do Concelho e a que assistiram “os representantes nesta ilha de diversas nações, todas as autoridades civis e militares, grande número de cidadãos de todas as classes sociais, predominando o professorado e alunos de vários estabelecimentos desta cidade (…) para patentearem a Marconi o preito da sua profunda admiração por ele prestados à ciência e à humanidade”4. Marconi, logo no dia da chegada deu a volta à ilha e, após esta solene homenagem, visitou o Liceu da Horta oferecendo a este instituto o seu retrato autografado. Já em viagem enviou ao Presidente da Câmara Jaime Melo o seguinte radiograma: “Retirando hoje para Inglaterra, venho por este meio, na impossibilidade de o fazer pessoalmente, agradecer a todo o povo desta ilha, e em especial aos habitantes dessa cavalheiresca cidade, todas as carinhosas demonstrações de simpatia e consideração com que me honraram e de que eu guardarei sempre a mais perdurável e afectuosa lembrança. Bordo do ‘Electra’ no mar, 19 de Julho de 1922. G. Marconi”5.
Outro acontecimento, ocorrido no mandato camarário de Jaime Melo e que o recorda ainda hoje, é o largo com o seu nome na Estrada da Caldeira. Desde a construção da actual ermida é o centro da secular romaria em que o povo faialense festeja anualmente o São João. Esta designação toponímica foi uma iniciativa da Junta de Freguesia dos Flamengos, ratificada pela Câmara Municipal em sessão de 28 de Junho de 1921, como forma de testemunhar gratidão ao governador civil, Dr. Manuel Francisco Neves Júnior, e ao presidente da comissão executiva da Câmara Municipal “que se esforçaram por levar a efeito tão importante quão útil melhoramento especialmente para os povos da mesma freguesia e para o público em geral”. Tratava-se de designar “Estrada Dr. Neves” ao caminho aberto “que vai da rua nova da mesma freguesia à Estrada da Caldeira onde [à época] se projecta a construção da Capela de São João, essa antiga aspiração dos flamenguenses pela vantagem resultante do encurtamento das distâncias” e de dar o nome de “Largo Jaime Melo” ao espaço fronteiro à projectada Capela. Naturalmente, a Câmara apoiou a proposta da Junta “que presta uma justa e merecida homenagem àqueles dois beneméritos”, votando “para que ao dito caminho se dê o nome de Estrada Dr. Neves e ao largo o de Jaime Melo, devendo fazer-se a encomenda das respectivas lápides”6. A do “Largo Jaime Melo” ainda hoje existe, mas a do Dr. Neves, se alguma existiu, há muito que desapareceu.

Professor da Escola Normal, Administrador do Concelho, Presi-dente da Câmara Municipal da Horta, Jaime Maria Soares de Melo foi ainda Provedor da Santa Casa da Misericórdia e um dos sócios fundadores do Angústias Atlético Club. A sua extrema dedicação a esta popular agremiação desportiva levou-o a ocupar a presidência da Direcção durante a primeira década da sua existência (1923-1932) e foi razão para que em Assembleia Geral de 1933 fosse nomeado Presidente Honorário, um galardão cuja singularidade exprime os serviços excepcionais prestados ao clube que assim e da forma mais dignificante lhos reconhecia para sempre. Era conhecido – di-lo o historiador Carlos Lobão – “por ‘pai do Atlético’, pois, “o clube e os desportistas habituaram-se a ver nele o amparo das suas dificuldades, das suas dúvidas; era-lhes imensamente dedicado”7.
Jaime Maria Soares de Melo casara a 26 de Fevereiro de 1903 na igreja da Conceição com D. Maria Amélia Martins, filha de Vitoriano da Rosa Martins e de D. Maria Perpétua da Silveira (Barões da Ribeirinha) e foi pai de D. Maria Regina Soares de Melo e de Jaime Soares de Melo. Vitimado por um enfizema pulmonar, faleceu a 1 de Outubro de 1948, na sua casa da rua de São João. Tinha 71 anos de idade.

 

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

1AGCH, L.º n.º 101 (provisório), fls. 4-v.
2Idem, L.º n.º 381, fls.200 e 201
3Idem, Ibidem, fls. 345
4Livro de Vereações da CMH n.º 63, fls.30 e ss.
5A Democracia, 20 Julho 1922
6Livro de Vereações n.º 62 da CMH, fls. 146-v a 147-v
7Carlos Lobão – Angústias Atlético Club/ Subsídios para sua história, p.33

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