Retalhos da nossa história – CLXXIII – O Faial e a primeira travessia aérea do Atlântico

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No próximo dia 16 de maio completam-se 95 anos sobre a entrada no porto da Horta do hidroavião NC4 da Marinha dos Estados Unidos, comandado pelo capitão-tenente Albert Cushing Read, que concretizava assim a primeira etapa da travessia aérea do Atlântico, levada a efeito em 1919. Aquela aeronave fazia parte de uma esquadrilha de três aviões da U.S. Navy, que integrava ainda o NC1 e o NC3, que se propunham voar da América para a Europa, escalando os Açores. Estava-se nos primórdios da aeronáutica, pelo que às máquinas e aos sistemas de voo ainda rudimentares, havia que adicionar a coragem e a audácia dos pilotos. O espírito competitivo e os progressos conseguidos na Grande Guerra que findara pouco antes, faziam com que os grandes meios de comunicação oferecessem prémios a quem conseguisse levar a cabo a proeza de voar do Novo Mundo para o Velho Continente. Havia um prémio de 10 mil libras instituído pelo jornal “Daily Mail” para os heróis do ar que conseguissem realizar esse cometimento. 

Os três hidroaviões, que haviam voado de Nova Iorque para o Canadá, partiram a 16 de maio, de Trepassay Bay (Terra Nova) para a Europa, com escala nos Açores, estando a amaragem prevista para a baía de Ponta Delgada, ficando a da Horta como alternativa. John Towers, que comandaria o NC1, foi o principal estratega do empreendimento, tendo elaborado um plano de voo que recorria ao uso de 22 ‘destroyers’ da Marinha colocados ao longo do percurso, distanciados cerca de 50 milhas entre si e equipados com holofotes que ajudariam a navegação dos hidroaviões, dando-lhes indicação do rumo a seguir. A viagem das três aeronaves correu normalmente até próximo das ilhas ocidentais açorianas, quando um denso e imprevisto nevoeiro alterou toda a planificação. Foi isso que relatou ao jornal O Telégrafo o capitão tenente Read, comandante do NC4, pouco depois de fundear no porto da Horta “a 30 pés do cruzador americano Columbia”, tendo “feito o percurso até à nossa baía em 13 horas e 18 minutos”. O comandante Read “manteve sempre o aparelho à altura de 3.000 pés, até cerca de 200 milhas do Corvo, a primeira ilha açoriana que avistaram, baixando-o a 1.000 pés neste ponto onde encontrou grandes nevoeiros que se mantiveram até à Horta”. Acrescentou ainda à reportagem daquele diário que “durante o percurso nada houve de anormal, conservando-se todo o aparelho no mesmo estado com que partiu de Trepassay”1. Além do comandante Read – que o jornal descreve como “um rapaz de cerca de 40 anos, estatura regular, franzino, mas rijo, sangrando saúde por todos os poros” – tripulavam o NC4 mais cinco aviadores, nomeadamente os pilotos tenentes Hinton e Stone e o engenheiro E. S. Rhoads. Este, em declarações a outro jornal faialense, informou que “a grande aeronave americana” tinha “quatro motores”, era “tripulada por seis homens”, saíra da “Terra Nova na noite de ontem [dia 16 maio], tendo gasto no percurso até esta ilha 13 horas e 19 minutos”2. Compreensivelmente fatigados – não dormiram durante o trajeto e alimentaram-se apenas de sanduíches – os tripulantes do NC4 estavam de excelente saúde e eram aguardados por “milhares de pessoas que permaneciam na cortina da cidade, na doca e no cais”. A bordo do NC4 foram “diversas gasolinas e outras embarcações, conduzindo muitos cavalheiros e representantes de várias nacionalidades, agremiações e imprensa”, tendo os alunos do Liceu e da Escola Normal, acompanhados dos respetivos professores, ofertado “Ao heróico campeão dos ares piloto aviador do NC4, Mr. Read” um lindo ‘bouquet’ de flores com aquela expressiva dedicatória impressa em fita vermelha e verde. 

O extraordinário acontecimento mundial da primeira travessia aérea do Atlântico fizera que naquele dia 17 de maio de 1919 a Horta nascesse para a história da aviação, à qual passaria a dar um contributo singular e inestimável. Enquanto o NC4 do comandante Read conseguira chegar ao Faial, os outros hidroaviões, com a visibilidade quase reduzida a zero e o combustível prestes a esgotar-se, tiveram de optar por amaragens de emergência em pleno oceano. O NC1 seria destruído por vagas alterosas sendo a sua tripulação recolhida pelo navio grego “Ionia” que os transportou para a cidade da Horta. O NC3 amarou a cerca de 200 milhas de São Miguel e porque o seu emissor de rádio estava avariado não conseguiu contactar com os ‘destroyers’, pelo que usando, os dois motores que ainda funcionavam, ao fim de 53 horas de navegação marítima, entrou na baía de Ponta Delgada, com a tripulação exausta e o hidroavião danificado e incapaz de voar. Assim, das três aeronaves americanas, apenas o NC4 de Albert Read conseguira cumprir a primeira etapa da travessia e era também o único que estava em condições de completar a odisseia, voando até Plymouth, na Inglaterra, que era o termo da projetada viagem. Entretanto, o NC4 aguardava na Horta a melhoria das condições atmosféricas que lhe permitissem a conclusão da aventura. Nesses três dias de espera sucederam-se as homenagens aos intrépidos aviadores americanos que, visitaram a Caldeira, tiveram receção no palacete do Pilar – “inscrevendo os seus nomes no álbum dos visitantes” – e na sociedade Amor da Pátria. Só na manhã do dia 20 de maio é que Read e o seu NC4 puderam seguir para Ponta Delgada. Eram “10 h e 15 m solares” quando “largou da boia onde se encontrava amarrado, sendo rebocado até fora da doca por uma lancha a vapor do cruzador ‘Columbia’. Fez, depois, “várias evoluções na água e às 10 e 35m, navegando de sul para norte, levantou voo, seguindo depois em direção à vila da Madalena, Pico, e partindo em seguida para sueste, elevando-se pouco a pouco até quase desaparecer e tomando por último a direcção de leste”. Quando o cruzador ‘Columbia’ deu o sinal da partida da aeronave, “acorreram à muralha da cortina da cidade, a vários outros pontos e às janelas das casas com vista para o mar, milhares de pessoas, que contemplaram embevecidas o surpreendente espectáculo, para nós completamente novo, das evoluções do hidroavião”3. Após uma viagem de 1 hora e 44 minutos, o comandante Read e os seus companheiros chegaram a Ponta Delgada, tendo uma recepção grandiosa por parte da população. Desta cidade açoriana seguiria para a capital portuguesa e daqui para Plymouth, onde terminou a 31 de maio. Este voo pioneiro e histórico do NC4 de Albert Read, com um total de 7.591 Km, durou 53 horas e 58 minutos.

Quem hoje passa pela Praça do Infante, na cidade da Horta, mal “descobre” a abandonada placa que ali assinala assim este feito extraordinário. Diz ela: “Primeira travessia aérea do Atlântico / Homenagem ao/Comandante Albert C. Read / Que amarou na Horta em 17 de maio de 1919” – Horta, Açores – maio de 1979”. 

 1  O Telégrafo 17 maio 1919, p.1
2 A Democracia, 17 maio 1919, p.1
3 Idem, 20 maio 1919, p.1

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