No centenário da República Portuguesa (1)

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 A passagem, neste ano, de um século sobre a implantação da República em Portugal é pretexto para evocar aspirações, recordar personalidades, apontar curiosidades e, sobretudo, sopesar as esperanças e as desilusões, os feitos e os defeitos, os êxitos e os fracassos. A Primeira República durou 16 anos e a sua história não se compadece com exaltações grandiosas, nem com ataques mesquinhos, antes impõe objectividade, rigor e verdade.

Neste pequeno espaço, referir-se-ão acontecimentos passados nesta comunidade e salientar-se-ão elementos relativos a figuras que se destacaram nesse período republicano. 

  1. A proclamação da República na Horta

 

Quando a 5 de Outubro de 1910, a revolta triunfou em Lisboa, derrubando a monarquia e forçando D. Manuel II ao exílio, republicanos autênticos e convictos rareavam por todo o país. Houve, portanto, que recorrer, não só a personalidades adeptas do novo regime, mas a muitas outras que, não o hostilizando, a ele aderiram. Nos Açores, a República foi implantada através de telegrama, sem quaisquer resistências e, por vezes, com certa etiqueta! É assim que, no caso do Faial, se nota uma espécie de “solenidade” a merecer registo e a mostrar que, em vez dos protestos que não houve, se notam adesões protocolares e, por vezes, encomiásticas.

Nomeado governador civil, o republicano Dr. José Machado Serpa – que em 1888 era monárquico e regenerador quando fundou o periódico Folha Insulana – comunicou, como era da praxe, a sua tomada de posse às várias autoridades distritais, todas elas, obviamente, nomeadas ou escolhidas ainda no período monárquico. Não consta que alguma haja ficado indiferente àquela delicadeza protocolar. Um bom exemplo é o do director da Escola Normal da Horta, o aristocrata Barão de Roches que, em ofício de 8 de Outubro de 1910, escreve o seguinte: Tenho a distinta honra de acusar a recepção do ofício de V. Ex.ª, em que vos dignastes comunicar-me terdes tomado posse do cargo de governador civil deste distrito, em virtude da nomeação do Senhor Governador [sic] Provisório da República Portuguesa. Convencido de que a vossa entrada na suprema magistratura do Distrito marcará uma era toda de prosperidades, cumpro o gratíssimo dever de agradecer-vos os protestos de apoio oficial que me prometeis e assegurar-vos que lealmente o encontrareis também em mim”.1 O Barão de Roches, havia sido presidente da Câmara Municipal da Horta no regime monárquico por duas vezes: de 1897 a 1902 e em 1906. No primeiro período era o chefe do executivo municipal aquando da visita régia, havendo então D. Carlos renovado nele o título de Barão de Roches atribuído a seu pai em 1871. E o mais significativo é que no decurso do regime republicano voltou a estar, temporariamente, à frente dos destinos do executivo municipal em 1918 e 1926. A verdade é que, no seu ofício de 1910 dirigido ao primeiro governador civil republicano do distrito da Horta, o dr. Simão Roches da Cunha Brum, não abdica do seu título nobiliárquico, assinando Barão de Roches, mas antevê que a República será “uma era toda de prosperidades” e garante que lealmente apoiará o novo regime.

  Na verdade, eram muitos os que viam na República a concretização do sonho de regeneração da alma portuguesa. Ela prometia abrir uma nova página na vida nacional e, na volúpia da utopia, acreditou-se que a mudança das instituições e a esperança do novo ideal bastariam para criar um Portugal novo, outra vez marcado pelos ideais da Revolução Francesa e posteriores evoluções filosóficas, e, mais do que isso, seria o suficiente para estabilizar o regime nascente.

Terá  sido esta a convicção dos membros da Câmara Municipal da Horta quando, no dia 12 de Outubro de 1910, no decurso da sessão ordinária e após as devidas explicações do chefe do distrito, decidiram aderir à República portuguesa. A acta dessa reunião camarária diz-nos o que então se passou. Participaram os vereadores José Inácio de Cristo, que na ausência do presidente dirigiu os trabalhos, José Augusto de Sequeira, José Ventura, Henrique Garcia Monteiro e Manuel Peixoto de Ávila. Estava presente o governador civil, dr. José Machado de Serpa que “pediu a palavra e declarou que a Câmara não ignorava a razão porque ali se achava”. Adiantou ele “que tendo sido proclamada a República em Portugal no dia 5 do corrente o Exmo. Governador [sic] Provisório da mesma República o nomeara para o cargo de Governador Civil do distrito da Horta que aceitou”. Confiava ele que “a Câmara Municipal do primeiro concelho do distrito lhe não criaria quaisquer embaraços e antes pelo contrário contava com a sua leal cooperação para assim melhor poder exercer o cargo para que superiormente fora nomeado”. Garantia que “a Câmara também podia contar sempre com a sua franca, leal e oficial coadjuvação em tudo o que fosse das suas atribuições oficiais”. O governador explicitou depois “as principais causas que levaram o povo a apear a monarquia implantando a República”. A presidência agradeceu a “comparência e franca declaração” do Governador e congratulou-se com a acertada escolha do Governo Provisório, “que não podia recair em um cidadão mais à altura de desempenhar tão elevado cargo”. De seguida “consultou os vereadores presentes sobre se concordavam ou não com a exposição feita por S. Ex.ª, no que todos concordaram”.

Este interessante relato prossegue com o Dr. Serpa “agradecendo à Câmara a sua declaração” e pedindo “licença para se retirar”. Antes, porém, o vereador Sequeira, após autorização da Câmara, disse que “não sendo a Câmara política, mas sim composta de cidadãos que professavam diversas ideias políticas onde se encontravam também republicanos, e que tendo aceitado as declarações feitas pelo Exmo. governador civil em nome do Governo Provisório da República Portuguesa, por isso propunha que se suspendesse a sessão e a corporação acompanhasse S. Ex.ª ao seu gabinete, o que foi aprovado por unanimidade”.

No termo desta parte da sessão, “a Câmara deliberou autorizar a presidência a oficiar a S. Ex.ª comunicando-lhe a sua adesão ao novo regime”2.

Foi assim, nesta interessante e delicada troca de gentilezas que o concelho da Horta passou de monárquico a republicano, com a singularidade da edilidade que tomou essa histórica deliberação se assumir como “não política”! 

2. Um caso de adesivagem colectiva   

Pouco depois do 5 de Outubro, um ex-ministro, citado por Raul Brandão nas suas Memórias, confiava que o novo regime seria uma República onde entraria toda a Monarquia, com a natural excepção do Rei e da Corte. Este modo de encarar a República permitiria que a elite liberal pudesse rapidamente mudar de campo e passasse do poder monárquico para o poder republicano. Daqui decorreu a auto-dissolução de agrupamentos partidários, de forma que os seus dirigentes estivessem disponíveis para terem uma nova vida política. Se é certo que a tese da “república para os republicanos” prevaleceu em vários sectores da administração central, a chamada “adesivagem”, ou seja a rápida conversão de realistas em republicanos, aconteceu por toda a parte, certamente com maior intensidade – até porque mais necessária – nas terras mais pequenas. Foi isto que sucedeu no Faial. Efectivamente, no último dia de Outubro de 1910, uma pequena notícia exemplifica o que se acaba de dizer: “o partido regenerador do distrito da Horta dissolveu-se em sua reunião de ontem, tendo os respectivos membros comunicado a sua adesão ao Governo, por intermédio dos açorianos srs. Amaro de Azevedo Gomes, ministro da Marinha, e dr. Manuel de Arriaga, reitor da Universidade de Coimbra, participando também este facto ao sr. governador civil”3.

    

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