Retalhos da nossa história – CXLIV Capitão Francisco Correia Garcia

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Filho de António Francisco de Faria e de Ana Joaquina, casados e residentes na freguesia das Angústias, Francisco Correia Garcia ali nasceu a 4 de Novembro de 1779 e foi, na sua agitada e longa vida, um destemido homem do mar que se distinguiu pelos valorosos feitos que praticou e pelo seu constante apego aos ideais do liberalismo oitocentista que ajudou a consolidar.

Não tinha ainda vinte anos quando, em 1798, embarcou para o Brasil num navio mercante e de tal modo se dedicou às actividades náuticas que em 1802 era já oficial da marinha mercante portuguesa, primeiro como piloto e depois como capitão de embarcações que navegavam para várias regiões da Europa, África e América.

Em 1808 comandava o brigue “Margarida Júlia” que, quando se encontrava no porto holandês de Amesterdão, ficou detido durante 28 meses, em consequência do Bloqueio Continental decretado por Napoleão contra os países aliados da Inglaterra. Após esse longo sequestro conseguiu, mercê de vários auxílios, evadir-se com a sua tripulação para a Inglaterra e de lá navegou até ao Brasil, onde, como se sabe, se encontrava a residir a família real portuguesa. Foi aí que, sucessivamente, lhe confiaram o comando dos brigues “Paquete”, “Monte Alegre” e “Falcão”, com eles navegando para Liverpool, Londres e Havana. No decurso dessas viagens sofreria diversas contrariedades, de que se destacam o apresamento por um navio inglês, sendo acusado de tráfico de escravos o que lhe valeu uma detenção de 14 meses na ilha de São Tomé e, posteriormente, perto da ilha de São Domingos, sofrendo o ataque de um brigue francês a que deu combate, constando que lhe deceparam a mão esquerda que ele, em movimento de desprezo, atirou para o inimigo. Este acto heróico terá sobremodo impressionado os franceses que, ordenando tréguas, o lançaram num lanchão com os seus quinze companheiros sobreviventes, e lhe entregaram, como prémio, uma espingarda que lhe serviu de remo até que um barco inglês os recolheu e conduziu até Cuba. Esteve oito meses nesta ilha das Caraíbas e, apesar de mutilado, dirigiu-se ao Rio de Janeiro obtendo de D. João VI, em 1814, o posto de 2.º tenente da armada real. De 1816 a 1818 fez, como primeiro piloto, viagens para a Índia e, em virtude da sua excelente prestação, seria promovido a 1.º tenente e nomeado, por decreto de 25 de Agosto de 1820, ajudante de mar na ilha do Faial.

Foi na sua terra natal que, como “verdadeiro liberal tomou uma parte activa na revolução pacífica que os faialenses operaram” no sentido de aderirem “ao heróico pronunciamento do Porto em 24 de Agosto de 1820”[1]. Exerceu o seu emprego na capitania do porto da Horta até que, em Setembro de 1828, devido à aclamação de D. Miguel como rei absoluto, pediu exoneração do cargo. Voltou, porém, em 24 de Junho de 1832 quando, no Faial, D.ª Maria II foi aclamada rainha constitucional sendo reintegrado no cargo de capitão do porto e, ao serviço da causa liberal, “encarregado de arranjar barcos costeiros com as respectivas tripulações e acompanhá-los à ilha Terceira na escuna de guerra ‘Duque de Gloucester’, de que tomou o comando”[2] .

Batendo-se pela causa de D. Pedro IV, o capitão Garcia foi um dos “Bravos do Mindelo”, primeiro ao comando do brigue “Liberal” e depois, da corveta “Amélia”, entrando na primeira batalha naval com uma divisão miguelista, ao sul do rio Douro, no dia 10 de Setembro de 1832. Os feitos guerreiros, certamente relatados com algum exagero por Silveira Macedo – e que Marcelino Lima, uns anos depois, divulgaria ainda mais apologeticamente e sem jamais citar a sua fonte![3] – determinaram que, finda a campanha liberal, o capitão Garcia fosse confirmado na capitania do porto da Horta por decreto de 29 de Outubro de 1834. Setembrista assumido em 1836, tomou parte activa nas eleições de deputados e senador em 1838, incorrendo no desagrado dos cartistas que, por manobras ínvias e desonestas, conseguiram que fosse exonerado do cargo de capitão do porto, em 1839, sem sequer ser ouvido. Revoltado com tamanha injustiça, conseguiu ser julgado em conselho na cidade de Ponta Delgada. Aí, mercê dos abalizados testemunhos de liberais de renome que atestavam os seus méritos e desmontavam as calúnias, não teve dificuldade em ver ilibada a sua honra, sendo inclusivamente condecorado com o grau de cavaleiro da Ordem de São Bento de Avis.

Reformado em 1842, Francisco Correia Garcia, voltaria, uma vez mais, a ocupar o cargo de capitão do porto da Horta, na sequência da revolta de 1847 que levou o Faial a aderir à Junta Governativa do Porto, sendo então promovido a capitão-tenente. Uma vez restabelecida a Carta Constitucional, com o governo do marechal Saldanha, passaria definitivamente à disponibilidade.

Membro eleito da Junta Geral do Distrito em 1837, 1838 e 1843 foi um dos subscritores da Consulta que a mesma enviou, “em cumprimento da lei” a Sua Majestade a Rainha [D.ª Maria II], e que contou com a assinatura do respectivo presidente António Garcia da Rosa, e dos outros procuradores António Oliveira Pereira, Sebastião de Arriaga Brum da Silveira, Manuel Inácio Brum, João Maria Ferreira, José António Pimentel e João Inácio de Sousa.

Só no fim da vida é que o capitão Francisco Correia Garcia contraiu matrimónio na paroquial da Feteira com a sua companheira Maria Isabel, em 14 de Junho de 1856, ocasião em que foram perfilhados os seus cinco descendentes: “… E como os contraentes tinham de entre si os filhos seguintes: Dona Emília Teresa Garcia, casada com Nestor Ferreira Borralho; João [Correia Garcia de Faria]; Manuel [Correia Garcia]; Dona Maria [Isabel Correia Garcia] e Dona Madalena [da Glória Correia Garcia] ficam legitimados por este subsequente matrimónio”.[4]

Não conseguimos confirmar – no competente Livro de Óbitos – se o seu falecimento se deu a 12 de Junho de 1858 na freguesia da Feteira, como, invariavelmente, é referido pelos genealogistas.



[1] Macedo, A. L. Silveira –Fayalenses Distintos, in Boletim do Núcleo Cultural da Horta, vol. 2, n.º 1, p.114

[2] Idem, Ibidem, p. 114

[3] Lima, Marcelino – Famílias Faialenses, Horta, 1922, pp. 725-727

[4] Livro n.º 3 Casamentos de Feteira, fls. 153-v e154 e Forjaz, Jorge e Mendes, António Ornelas- Genealogias das Quatro Ilhas, vol. 1.º, pp.822-823


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