Viva a Liberdade!

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A Liberdade é provavelmente a única ideia que ainda reúne consenso quando se fala das aspirações de abril. Ela foi a primeira conquista palpável, apesar dos receios de muita gente quando viu no ecrã da televisão o semblante dos elementos que compunham a Junta de Salvação Nacional. Era de meter medo ao susto! De facto, por detrás de alguns desses rostos façanhudos escondiam-se projetos de democracia muito mitigada, não fora a vigilância popular e a coragem dos capitães para colocarem, no momento exato, os generais em sentido. Essa Liberdade foi plenamente assumida com a estrondosa manifestação do 1º de maio e o desmantelamento do aparelho repressivo que durante 48 anos ameaçou os portugueses.

As etapas que se seguiram para dar cumprimento ao programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) – Democratizar, Descolonizar e Desenvolver – foram bem mais complexas. A interpretação destes conceitos, no próprio seio dos militares, criou uma série de divisões que foram notórias em vários momentos. Havia quem ambicionasse uma democracia sem a participação dos comunistas e de outras forças esquerdistas; quem pretendesse uma descolonização disfarçada de neocolonialismo, sem que fosse dada a possibilidade aos autóctones para decidirem o seu futuro. Quanto ao rumo de desenvolvimento a dar ao país, ainda foram maiores as divergências, refletidas nos programas dos diversos partidos políticos entretanto legalizados.

A dinâmica popular que se foi desenrolando nas zonas urbanas de maior densidade populacional; a agitação de rua que engrossou a corrente favorável a um regime socialista, transformou um golpe militar num verdadeiro processo revolucionário. As intentonas das forças de direita para travar o processo (Maioria Silenciosa e 11 de Março), só facilitaram o caminho para a radicalização.

Se o PS encabeçava a corrente defensora do socialismo democrático, do outro lado, o PCP pugnava pelo modelo de socialismo soviético, com fortes apoios nos sindicatos, nas Forças Armadas, nas cinturas industriais, em todo o Alentejo e num importante sector da classe média urbana.

O Verão Quente de 1975, com o Processo Revolucionário em Curso (PREC) em plena ebulição, ia originando uma guerra civil. Com a violência a estalar por todo o país, o confronto entre as duas fações era inevitável. O golpe militar de 25 de novembro veio travar a caminhada para um outro tipo de totalitarismo.

A partir de então, o PCP foi perdendo a influência que detinha nas estruturas militares e no aparelho do Estado, mas também outros sectores independentes de esquerda foram gradualmente abafados. Portugal passou a fazer parte das estáveis e bem comportadas democracias ocidentais, gestoras do capitalismo, com viragens mais à esquerda ou mais à direita, consoante a alternância do poder. E nada disso impede as crises económicas, inerentes ao próprio sistema e agravadas pela ganância dos especuladores financeiros, que nos arrastam para crises como a que estamos atravessando no presente. Somos mais um país, entre tantos outros, enredados nas malhas da economia de mercado que só beneficia os mais fortes. 

Ao fim de 40 anos de democracia, soubemos preservar a Liberdade, que é um valor precioso. É ela que permite a cada cidadão continuar a lutar pelos ideais com que sonhou numa madrugada de abril.

Para alguns será muito pouco, mas pergunto: será que temos aproveitado todas as potencialidades que a Liberdade nos dá para construirmos o mundo mais justo e harmonioso que desejamos?

Motivos não faltam para criticar “o estado a que isto chegou”, como dizia Salgueiro Maia, mas não devemos permanecer de braços cruzados.  

As datas comemorativas podem servir para louvar ou criticar o regime, mas devem também ser aproveitadas para refletirmos sobre o nosso contributo individual para o aprofundamento da democracia e para desenvolvimento do país. Deixar que outros o façam por nós, nunca foi a melhor atitude.  E quem estiver atento ao que se vai passando na sociedade portuguesa, constata infelizmente que a cidadania vai deixando de ser um valor assumido. 

Apesar de todas as contrariedades, mais do que nunca é preciso usar com inteligência a LIBERDADE que arduamente soubemos conquistar.

 

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