A Morte a pedido

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A Sr.ª Maria tem 82 anos. Sempre foi doméstica e está viúva. A pequena reforma do marido deixou de ser suficiente para pagar a renda da casa, a água, a luz, etc., muito menos chega para os medicamentos. Tem um cancro no pulmão. A vizinha viveu assim quatro anos. Não é isso que a preocupa. Teve de ir viver com a filha e ocupa o quarto de um dos netos que passou a dormir com a irmã. A filha tem perdido dias de trabalho para a levar aos médicos e aos tratamentos. As suas pernas já não vão sozinhas e as tonturas também não ajudam… Apesar da tristeza de ter sido obrigada a abandonar a sua casinha, o estar com a filha e ver os netos crescerem compensa tudo! Sente-se bem, por vezes até se atreve a pensar que está feliz. Porém, à medida que os dias passam sente também crescer em si a consciência de que está a ser um peso, um fardo para a sua família, para os que mais ama… Não, isso não pode admitir, fazer sofrer os seus, antes desaparecer…
Conhecem a Sr.ª Maria…? Creio que é sua vizinha e minha também. Está entre nós. Está nesta nossa sociedade em que o número de idosos aumenta e muitos vivem sós, alguns abandonados; em que as reformas são baixas e o custo de vida aumenta desproporcionalmente; em que não há apoio social suficiente e adequado para todos os que dele carecem; em que não há apoio médico suficiente e adequado para todos os que dele carecem… Não há, por exemplo serviços de consulta da dor com o número necessário de profissionais com as qualificações imprescindíveis para atenderem todas as pessoas que vivem o seu quotidiano com dor; não há unidades de cuidados paliativos com equipas pluridisciplinares bem preparadas que permitam acolher todas as pessoas com uma morte anunciada. Morre-se em casa, sozinho, e por vezes o corpo só dias ou semanas mais tarde é descoberto; morre-se abandonado numa casa-de-saúde que a família não visita e em que o pessoal disponível tem de acorrer a muitas situações ao mesmo tempo não podendo atender a todos; morre-se no hospital escondido atrás de um biombo para não perturbar ninguém e até porque os profissionais que circulam à distância já nada podem fazer por essa pessoa… Esta é uma morte sem assistência e sem dignidade.
Eu quero que todas as pessoas afligidas pela dor, novas e velhas, tenham acesso a profissionais competentes que, com os meios adequados, são já hoje capazes de aliviar a dor; eu quero que todas as pessoas que sofrem de solidão e abandono, de pobreza e doença recebam apoio social acompanhado de carinho, como alguns profissionais e voluntários já mostraram ser possível; eu quero que ninguém morra só, que ninguém morra com dor. É esta assistência que eu quero, a do calor humano e da afectividade; é esta a morte digna, a que permitiu viver a vida até ao seu limite, controlando a dor.
Para tal, precisamos que a sociedade se mobilize e invista na vida, não na morte com Manifestos e petições pelo direito a morrer. Compreendo que seja mais rápido acabar com a dor se, quem sofre, sem alternativas, pedir para morrer; será também mais eficiente acabar com a constrangedora presença do sofrimento através da sua eliminação em vez da sua recuperação; e, sobretudo, será mais económico.
E depois, há todos aqueles casos em que não pensámos…
…e a Sr.ª Maria pensou que o seu último acto de amor pelos seus queridos seria pedir ao médico, agora que já podia…

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