A Música é para se comer – parafraseando Natália Correia

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A cultura é o pão da alma de um povo. Alguém o disse, muitos o repetiram. Poderemos dar muito mais substância a esta afirmação, mas na realidade esta simples frase espelha uma riqueza patrimonial inestimável.

A identidade cultural é uma herança que passaremos aos nossos sucessores no tempo como uma impressão digital que os vindouros irão assimilar, destruir e refazer, num processo imparável de reconstrução contínua. É assim que se formam as identidades culturais e também as sociais, grupais, profissionais. 

Em todas as ilhas existem especificidades identitárias, que as vivências dos nossos antepassados registaram na escrita e na oralidade, transmitindo filamentos de pensamento e de ação que vamos adaptando à atualidade e que são marcas de água nas nossas vidas. Por esta razão, as questões culturais são sempre debatidas com tanta paixão e por vezes com algum fundamentalismo.  

Procurando seguir uma linha objetiva (tanto quanto possível) de raciocínio, lembremos que, em momentos de dificuldades financeiras nas instituições, a primeira fatia orçamental a emagrecer é a da cultura. É verdade mas não está certo. 

As pessoas que se deslocaram ao Teatro Faialense para assistir ao concerto da Hortacamerata no passado dia 31 de março sentiram que um bom sarau musical faz parte das suas necessidades culturais e da identidade açoriana, hoje aberta ao mundo. O Maestro Kurt Spanier deslumbrou; os executantes preencheram aquele vazio que, por vezes, se instala nas nossas almas esfomeadas: falta-nos de vez em quando o pão e quando ele nos chega, na música, na poesia ou noutra arte, então respiramos um oxigénio insubstituível, energético e criativo. 

É discutível se existindo necessidades básicas por satisfazer em alguma população, a cultura deve ocupar um lugar na agenda das instituições públicas. Até não será politicamente correto trazer este assunto à luz do dia, com esta frontalidade. Pois bem, independentemente da oportunidade das opiniões, devemos ser claros nas premissas: se um dia não tivermos oportunidade de ler um livro que nos ensine algo que mais não seja o deleite da leitura, ouvir boa música, debater ideias, abrir a nossa essência ao mundo e traçar caminhos alternativos, então o que nos restará? Nada exceto uma vida animal. E o mundo neste momento precisa da criatividade da humanidade. Precisa de inovação nas soluções tal como necessita de alimento para se reconhecer. Porque estamos – a Europa está, Portugal está e os Açores ainda estão preservados, mas temos de estar atentos – a enveredar por um caminho onde os riscos de perdermos a nossa identidade existe. 

E sem ela perder-se-ia uma parte significativa dos percursos que podem abrir-nos portas e levar-nos mais longe. Se tal acontecesse – e menciono apenas um exemplo imediato – não haveria turismo que nos salvasse porque o turista quer genuinidade, quer natureza, quer cultura da terra. 

E nós queremos sentir que integramos o mundo e que – apesar de parecer por vezes que nem de Portugal fazemos parte (a solidariedade nos últimos temporais mostrou isso mesmo!) – temos capacidade para nos afirmarmos no respeito pela diferença. 

Bem hajam os que lutam por esta causa!

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      [email protected]

 

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