Autonomia moribunda

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 Estamos a celebrar a Autonomia dos Açores, que se fez coincidir com a Festa do Divino Espírito Santo, aliando a cultura e a riqueza do povo açoriano à conquista da auto determinação.

Ao nível económico, a autonomia está a ser, sem dúvida, motivo de festejo do nosso povo. Os Açores estão muito mais ricos, muito mais desenvolvidos, muito mais preparados para o futuro com a autonomia.

Não vou dissertar profundamente sobre a autonomia, pois não há espaço para tanto, mas tecer alguns comentários focalizados, duma forma muito pragmática e directa.

No fundo, o sucesso da autonomia está no factor proximidade. Proximidade entre os eleitos e os eleitores, mas, sobretudo, proximidade entre o orçamento a ser redistribuído pelas pessoas e pelas ilhas e a proximidade dos governantes ao povo (mais sentido aqui do que em terras de grande dimensão).

Todo o processo autonómico tem tido muito sucesso, contudo este deve-se também à comparação com o que tínhamos antes daquele, leia-se que não tínhamos, pois o poder de decisão, os políticos e os orçamentos estavam longe dos Açores e dos açorianos.

Este princípio deve estar presente e ser alvo de reflexão constante; não há autonomia se não houver esta proximidade e a autonomia nunca crescerá e, nalguns casos, até regredirá se esta não existir. Inclusivamente, defendo que o poder e a governação de ilha devem ser revistos e repensados, para que haja sempre mais proximidade e, consequentemente, mais e melhor conhecimento das necessidades e das realidades sócio-económicas de cada ilha.

É importante que haja medidas transversais que atinjam todos os açorianos mas que também haja medidas locais específicas da realidade de cada ilha.

Contudo, este encanto democrático da autonomia tem sido dilacerado e humilhado pelas atuais políticas. Não basta bater com a mão no peito e dizer que se defende os Açores e que se é autonomista perante Lisboa, quando dentro de portas se faz o contrário do que se diz, com o abandono de centros multipolares de desenvolvimento, e com uma redistribuição do orçamento por medidas sustentáveis.

Assim, mais uma vez, não se está a resolver questões básicas da autonomia, com falha na proximidade, com atitudes não autonomistas, traduzidas em muitos planos que assassinam as economias de determinadas ilhas, com legislação que defende apenas uma parte dos Açores.

Cito um exemplo que poderá ser cruel mas que julgo ser demonstrativo. Refiro-me ao facto de determinados doentes em estado terminal, oriundos da vizinha ilha do Pico, terem de regressar a casa antes do tempo, porque as famílias de parcos recursos económicos não podem suportar a transladação do corpo, caso o seu ente querido faleça no Hospital da Horta.

Se pensarmos um pouco nisto, se pensarmos que se gasta mais de 11 milhões de euros anuais em empresas de transporte marítimo de passageiros, mais 2 milhões na empresa do Canal, não se compreende que não haja uma embarcação de assistência médica entre as ilhas do Triângulo, principalmente entre o Pico e o Faial, que transporte os doentes com os requisitos técnicos e com dignidade. Urge que se respeite o fim da vida, sem olhar a valores insignificantes, nalguns casos, quando comparados com os orçamentos da Saúde e da Economia.

Este exemplo evidencia, infelizmente, que este modelo autonómico, dividido entre rei e vice-rei, cria lacunas graves na Autonomia.

A prova desta constatação é fazer a análise pela negação, é perguntar se esta situação não aconteceria nas ilhas rainha; obviamente que não e seriam situações perfeitamente inconcebíveis caso fossem sentidas na pele, caso houvesse a tal proximidade, que é a grande virtude da autonomia.

Muitas ilhas dos Açores começam a sentir a necessidade de uma renovação autonómica, de uma nova forma de proximidade dos eleitos aos eleitores, de modo a que, principalmente as mais frágeis, não sintam que são excluídas do poder por serem demasiado pequenas.

Esta exclusão do poder está a impedir valores pessoais de se afirmarem, pois quase que se subentende que quem nasce numa ilha pequena está amputado da hipótese de pensar alto, de defender e reivindicar com eficácia para a sua ilha, pois parece que a autonomia ainda não chegou lá.

Não se pode, pois, deixar que esta autonomia fique mais moribunda.

                                                                                [email protected]

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