Blá…Blá…Blá…

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Ninguém se poderá livrar de acordar com o pior humor do mundo, com o pé esquerdo, como se diz, levando o dia todo de cara fechada, resmungando, sem vontade de conversar, muito menos com quem pergunta se estamos mal dispostos.

Ora, tudo isto para dizer que comigo isto acontece muitas vezes. Sempre no verão. É o verão da vida que me põe louca e aí tento desenrolar o carretel e recuperar fios e fios de meadas, tentando mergulhar novamente no frio que se apraz em não voltar e assim me obriga a sofrer. Má disposição, má cara, mau aspeto, mau tudo. Uma tortura! Nem consigo olhar o dia que explode quente lá fora!

Desde adulta que lembro, detestei o verão. O calor. Estação de fogo, a minha doença. Dias intermináveis. Nada para mim se torna interessante e quando eles, os dias, se começam a afogar nas noites, as luzes que haviam explodido no céu, refletindo-se no mar de lápis- lazúli, começam a desaparecer, mais cresce a minha aflição e à minha volta tudo são gotas de mercúrio saídas do velho termómetro. 

Isto é assim à laia de desabafo. Creiam. Só me compreenderá alguém (se houver) que tenha o mesmo sentir. Mas isto é tão sem sentido, tão irracional, que chega a tornar-se uma oficina de doenças. E aparecem as dores de cabeça, os problemas de estômago, taquicardia e como me enervo até penso em ataque cardíaco.

Entretanto vou pensando, ou tentando pensar em  isolar o que está errado, buscando alternativas, antes que apareçam os efeitos colaterais. Tentando libertar o mais possível a adrenalina, antes que a doença faça cama. Em momentos de maior lucidez penso encontrar um antídoto. E por que não ligar diretamente ao cérebro e pedir com urgência alguma ajuda? É possível que ele me mande comer chocolate, rir ou, quem sabe, passear a pé. Era só o que faltava! Com este calor infernal, tenha dó!

Isto não será uma doença. É só uma alergia ao calor. Quando ele resolver partir, dando lugar ao outono, eu, tal como a gata borralheira, viro cinderela. O mundo fica mais colorido. Cores suaves. Mágicas. Até Jesus escolheu o inverno para vir ao mundo.

É por isso que fico pedindo a Deus para que Ele providencie o frio. Sei que estou fazendo algo errado, pedindo um absurdo. Enquanto o mundo lá fora, se regala por aí, nas praias, bronzeando-se, seja onde for, aproveitando o calor do sol que abrasa, Deus não me ouvirá. Ele não é um tapa buracos para resolver os problemas de todos, remediar os gostos de cada qual. Penso que Ele nos dá uma prova de fogo: acreditar que tudo depende dele… agir como se tudo dependesse de nós. E aí o equilíbrio. 

Imaginem o que sinto quando as pessoas me falam nos dias de verão quentes, na alegria que reina naquelas praias, onde eles se refrescam ( estendendo-se ao sol), competindo com bronzeados, encharcando-se de areia, dividindo o seu espaço com os mosquitos tornados agora também amantes de praias, carregando a casa às costas, como se o sol não lhes entrasse nela, sem mais esforços. E alguns ainda reclamam do calor.

Ouvindo-os, penso que o verão é que lhes trará os melhores sonhos, os mais caros, que eles guardarão pela vida fora, porque quase nunca perdemos os nossos sonhos. Um ou outro sonho é engolido por nós, sem querer e lá parte. Jamais é recuperado. Será um eufemismo para a verdade cruel. 

Bem, como ficaram a saber tudo o que escrevi traduz o meu estado de espírito, razão da pobreza do artigo. Falta um mês! Falta um mês! E será outono. E o inverno aproximando-se. Foge o calor, folhas caídas, frio de rachar, geada, neve, chuva batendo nas vidraças, dia e noite, ora fininha, ora rija, um trovãozinho pelo meio, ventinho fresco, o nosso ventinho açoreano, que só nós sentimos na pele sem nos perturbar nem reclamar, a mantinha espreitando a sua vez, roupa quente, luvas e botas, o prazer duma sopinha, o cheirinho especial que nos entra casa dentro, cheiro a plantas aromáticas, alfazema, hortelã e alecrim que tinham ficado esquecidas. A sensação de nos refletirmos nos olhos do menino que passa por nós, um encantamento, uma explosão de ideias saindo da nossa mente, uma concentração para tudo o que fazemos.

E é então que eu me transformo. Morre o sapo. Fica a mulher para quem a idade não conta. E agradeço vir a participar dessa vida mágica duma estação amena que promete uma vida melhor. E agradeço essa transformação tal como as fadas faziam nos contos imortais da menina que fui um dia.

E, falando dessa menina, penso no momento que talvez este meu sentir seja proveniente da vida da menina que viveu e cresceu rodeada de frescura. Do fresco de pinheiros, araucárias, criptomérias ,amoreiras, meterosideros, que não deixavam transparecer o senhor rei, o senhor sol. Acho mesmo que o verão não passava por ali. Sem ar condicionado, nunca vi a mãe, o pai, ninguém, reclamando, nem de leque na mão.

Ou será que a imagem da infância, foi correndo e pelo caminho arrastou o que de pior havia e só deixou lembranças maravilhosas, como se tivesse sido princesa por uns anos! Lembrança de amigos que não eram ninguém. Mas que grandes amigos eram! Lembrança de gestos não bruscos, não inimizades, não rancores, não medos e não verões de abrasar.

Leitor, se me intitular de ser diferente, não importa. Muito prazer. É um gosto ser diferente. Só pena que essa diferença faça doer muito. Só Deus sabe! Mas, prometo, chegando o inverno, cá estou normal, apta a escrever algo mais importante, porque aquele calor com o qual não sei lidar, foi-se. E eu fazendo o caminho de volta.

P.S. Nunca consultei um “psi” , penso não ser necessário. Falei dos meus gostos especiais. Deixo aqui um convite. Num qualquer dia de inverno que virá, se o leitor, adepto do verão, se sentir frustrado, pensando no calor, na praia, nos raios solares infernais, nas férias, nas confusões, nas formigas, nas águas vivas ou caravelas, no suor tramando-o, engarrafamentos, bandeira azul ou amarela, areia torrando a paciência, mosquitos, enfim … 

Não se amofine. Pode contatar-me. Desabafar à vontade. Ninguém como eu o entenderá. Você falando e eu pensando naquele verão. É sempre bom falar com alguém que, na hora está nas suas sete quintas. 

Até lá!

 

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