Chamava-se Carolina Street Curry da Câmara Cabral

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A FAIALENSE QUE SE TORNOU PRINCES

Tudo começou nos jardins dos Dabney

Em 1863, Carolina Curry já era uma jovem casadoira cheia de pretendentes faialenses. Tinha uma boa instrução e irradiava beleza e simpatia. Tinha ainda o mérito de descender de uma das famílias mais distintas da cidade da Horta. Era filha de José Curry da Câmara Cabral e de sua mulher Bárbara Joaquina Street Curry e nascera em 1840, na freguesia de S. Mamede, em Lisboa, onde os pais viveram temporariamente. O historiador José Guilherme Reis Leite escreveu que o pai havia nascido na Horta em 12 de Dezembro de 1789 onde viria a falecer em 13 de Janeiro de 1868, e que era «Uma das personalidades mais destacadas da cidade da Horta, pela sua inteligência e ilustração. Exerceu por várias vezes o cargo de presidente da Câmara Municipal e participou em sucessivas comissões de interesse local. Durante a vigência da Constituição de 1838 foi por duas vezes eleito senador do distrito em 1838 e 1840 (1)». Por outro lado, o escritor Marcelino Lima registou em “Famílias Faialenses”, que o pai de Carolina fora casado em primeiras núpcias com Ana Cordula de Miranda, de quem tivera os filhos Alberto e Ana e que, do segundo casamento, nasceram Maria Adelaida e a Carolina, que era a filha mais nova. Escreveu ainda que do filho Alberto nasceu o médico José Curry da Câmara Cabral, que «foi uma figura de destaque entre a classe médica portuguesa», de carácter íntegro e de personalidade marcante. Assim, este era sobrinho de Carolina. Embora sem confirmação, julga-se que o seu nome foi dado ao “Hospital Curry Cabral”, ainda hoje existente em Lisboa com essa designação, face ao mérito dos seus serviços científicos na área da saúde.

Os Curry faialenses eram descendentes da Escócia, enquanto que os Street faialenses descendiam da Inglaterra. (Forjaz, Jorge, e Mendes, António Ornelas, (“Genealogias das Quatro Ilhas: Faial, Pico, Flores e Corvo”, (2009), Vol. 1.º, p. 725, e Vol. 4.º, p. 2659, ed. Dislivro Histórica).

Mas, para escrever a história de Carolina, vou-me servir, essencialmente, com a devida deferência, da informação que Roxana Dabney nos deixou nos “Anais da Família Dabney no Faial” à margem identificados. E isto porque deverá ter sido ela uma das pessoas melhores conhecedoras da história romântica de Carolina Curry. Para manter a originalidade do seu texto, transcreverei textualmente a parte essencial dos excertos relativos a essa história.

 A jovem faialense Carolina ficou célebre por ter sido alvo da paixão do príncipe Constantino Mershersky, de nacionalidade russa, que passou pelo Faial. Ele terá ficado logo enamorado da beleza e das demais qualidades de Carolina, designadamente da sua modéstia, da sua simplicidade, da sua cultura e da sua ingenuidade. Ela, por sua vez, terá sido seduzida pelos mistérios da aristocracia de um principado e nobreza que lhe chegava de um país distante, novidades estas que certamente ela gostaria de conhecer e de viver. O príncipe Mershersky havia chegado à Horta em Maio de 1863 a bordo da fragata russa “Dimitri Donskoy”, sob o comando do barão Maidell, onde o príncipe tinha o cargo de Tesoureiro Tenente. Com ele viajavam cerca de 675 tripulantes militares. O príncipe, ao ver Carolina e de com ela contactar, imediatamente se apaixonou. Deste modo, deu início a uma conquista que envolveu as pessoas mais influentes para o efeito, quer russas, quer faialenses. Da parte russa poder-se-á salientar o barão Maidell, comandante da fragata, e da parte faialense Carolina Dabney e o pai, Charles Dabney.

E, contrariamente ao que afirmou Marcelino Lima, de que tudo teve início num baile na ilha do Faial, o amor do príncipe Mershersky terá começado ainda nos jardins da família Dabney na cidade da Horta. Foi aí que o príncipe viu e contactou Carolina pela primeira vez. Terá sido, portanto, como popularmente se diz, “amor à primeira vista”.

Este é o jardim da “Bagatelle”, a primeira casa da família Dabney na cidade da Horta, hoje em ruínas, na Rua de S. Paulo. Nas outras casas dos Dabney também existiam lindos, grandes e acolhedores  jardins, cujas plantas ou arvoredos vinham geralmente dos EUA

Era habitual as Dabney, designadamente a Roxana, filha do Cônsul Americano Charles W. Dabney, convidarem para os seus jardins a Carolina e a irmã Mary Curry para lhes fazerem companhia e para as ajudarem a distrair os oficiais e demais pessoas de bordo de navios que para eles iam conviver e recrear-se. Richard W. Dabney, para além de Cônsul, era armador, agente de viagens e industrial, actividades de grande projecção mundial. Nas suas principais habitações – e eram várias – existiam lindos e extensos jardins, que eram cultivados com esmero.   

Nesse tempo, a cidade da Horta apenas possuía para recreio o Jardim Público, que havia sido inaugurado em 1858. Os demais eram privados. Nesse ano de 1858, por sinal, fora fundada a filarmónica Artista Faialense que passou a abrilhantar alguns dos encontros recreativos e festas ali realizadas. A Horta era visitada por imensa quantidade de navegação. Assim, os jardins acolhedores das casas dos Dabney eram o principal local de encontro de forasteiros de navios que eles frequentemente convidavam. Por outro lado, como agradecimento, os navios por vezes organizavam a bordo recepções e bailes. Essas recepções repetiam-se em terra, umas vezes em casa dos Dabney, ou de outras altas individualidades faialenses, com jantares ou beberetes e serviços de doces, café e chá. Todavia, em casa dos Dabney não eram tolerados bailes, por uma questão de princípio ou por uma questão religiosa. Como americanos eles eram protestantes. Mas, em algumas casas da alta sociedade faialense organizavam-se distintos e nobres bailes. Os faialenses, como tinham prazer em receber bem os forasteiros, geralmente eram convidados para gestos semelhantes realizados a bordo dos navios que escalavam o porto da Horta.  

Assim, a seguir àquela recepção nos jardins dos Dabney, houve um baile realizado na fragata russa, que dispunha de uma banda, para onde foram convidadas as principais individualidades faialenses. O baile de agradecimento realizou-se em casa dos Curry e o príncipe Mershersky bailou a primeira dança com Carolina e a segunda com Roxana Dabney. Houve muita animação e cordialidade e, já próximo do fim, o príncipe fez um curto discurso em francês, no meio de alguma agitação nervosa, recorda mais tarde Roxana. Esta lembra ainda que a partir daí estava praticamente decidido o destino de Carolina, que parecia alarmada e insegura com tudo o que lhe estava a acontecer.

Dias depois, após o príncipe e demais oficiais se terem despedido, a fragata “Dimitri Donskoy” zarpou em 22 de Maio, segundo se julga, rumo à Rússia (3).

Mesmo assim, foi só em 8 de Junho de 1863 e com grande surpresa para alguns que chegou a casa dos Dabney a notícia de que a bordo daquela fragata russa havia um príncipe Mersherskey que se havia apaixonado pela linda faialense Carolina Curry, que contava sempre com incontáveis admiradores (4).

                                                                                                                                                                                                                (Continua)

Bibl: Roxana Dabney, 1806-1871, “Anais da Família Dabney no Faial”, Volume 3, (2006), co-edição do IAC-Instituto Açoriano de Cultura e do Núcleo Cultural da Horta; Lima, Marcelino, “Famílias Faialenses”, (1922), pp. 241-245, Minerva Insulana; Leite, José Guilherme Reis, “Enciclopédia Açoriana”, Internet, Centro de Conhecimentos dos Açores, ed. da Universidade Católica Portuguesa e do Governo Regional dos Açores; Forjaz, Jorge, e Mendes, António Ornelas, “Genealogias das Quatro Ilhas: Faial, Pico, Flores e Corvo”, (2009), Vol. 1.º, p. 725, e Vol. 4.º, p. 2659, ed. Dislivro Histórica.

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(1). Leite, José Guilherme Reis, “Enciclopédia Açoriana”, em (Cabral, José Curry da Câmara),

(2).  Dabney, Roxana, 1806-1871, “Anais da Família Dabney no Faial”, Vol. 3, (2006),  p. 130, ed. do IAC-Instituto Açoriano de Cultura e do Núcleo Cultural da Horta.   

(3).  Dabney, Roxana, 1806-1871, “Anais da Família Dabney no Faial”, Vol. 3, (2006), pp. 132, 220, ed. do IAC-Instituto Açoriano de Cultura e do Núcleo Cultural da Horta.   

(4).  Dabney, Roxana, 1806-1871, “Anais da Família Dabney no Faial”, Vol. 3, (2006), p. 138, ed. do IAC-Instituto Açoriano de Cultura e do Núcleo Cultural da Horta.   

 


 

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