Dos portugueses e dos brasileiros

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De que falamos nós, portugueses, quando falamos do Brasil? Estaremos conscientes da grandeza, da riqueza e das infindáveis potencialidades daquele país? Conhecemos, acaso, o Brasil gigantesco (o 5º do mundo em território), o Brasil verdadeiro, autêntico e profundo? O que sabemos, nós dos brasileiros para além do samba, do carnaval, das telenovelas e do futebol?

E o que sabem verdadeiramente os brasileiros dos portugueses, para lá do fado, do bacalhau do vira e do proverbial anedotário? (A propósito, conhecem esta: Navio em alto mar a toda a velocidade. Dois portugueses nadando atrás. “Eu não te disse que aquela porta não era do banheiro?”…).
Costumo dizer aos meus amigos brasileiros que nem todos os portugueses têm bigode e que nem todos são Manuéis e Joaquins… No imaginário brasileiro, o português ficou para sempre associado às figuras do padeiro e do merceeiro das esquinas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Decerto haverá por parte de Portugal em relação ao Brasil um sentimento de nostalgia pelo império irremediavelmente perdido. Tal como haverá um certo complexo de Édipo brasileiro em relação a Portugal pela nossa condição de ex-colonizadores e por termos dado ao Brasil a terra, o povo e a língua – a quinta mais falada em todo o mundo precisamente à custa dos brasileiros. Os dois países só têm a ganhar com este imenso e valioso património linguístico.
Ao contrário de nós, que quase sempre somos macambúzios, tristes, desconfiados e insatisfeitos, os brasileiros são, tendencialmente, afáveis, cordiais, comunicativos e alegres. Aliás, rezam as crónicas que temos no Brasil a nossa melhor invenção: o mulato e a mulata… E, pela vida fora, eu hei-de sempre admirar o sotaque brasileiro e a musicalidade da vogal aberta, esse “português com açúcar”, no dizer de Eça de Queiroz.
Apreciador incondicional da boa música, da excelente literatura e da admirável cinefilia brasileiras, estive por três vezes em terras de Santa Cruz, onde encontrei a doce intimidade, a generosa simpatia de um povo profuso e miscigenado. País da impulsiva claridade dos trópicos. Nação de grandezas, misérias e inusitados saques e corrupções, lava Jatos e Bolsonaros…
Na ilha de Santa Catarina fui encontrar raízes familiares que eu julgava perdidas. E vi, em Florianópolis, as mulheres mais elegantes e mais belas do mundo!
Temos no Brasil um “imenso Portugal” e grandes influências açorianas. A propósito, não deixa de ser significativo os seguintes dados: a mãe do grande escritor brasileiro Machado de Assis era natural de Ponta Delgada, São Miguel. E era também natural desta ilha a avó materna da consagradíssima poetisa Cecília Meireles. Outros escritores brasileiros de grande envergadura, e segundo informação de António Valdemar (in Vitorino Nemésio sem limite de idade, CTT, Correios de Portugal, 2002), tinham também ascendência açoriana: Guimarães Rosa e Pedro Nava (ilha do Faial); Voldimiro Silveira, Tasso da Silveira, Dinah Silveira de Queiroz (ilha do Pico); João Cabral de Melo Neto (ilha Terceira); Euclides da Cunha e Erico Veríssimo (ilha Graciosa). De resto, é sabido que cinco presidentes da República Brasileira tinham sangue açoriano: Getúlio Vargas, Eurico Dutra e João Goulart (Faial), Nereu Ramos e Tancredo Neves (Terceira).
Por outro lado, os brasileiros têm em Portugal um Brasil imenso. O que é preciso é unir esforços, intensificar pontes e fortalecer vontades entre os dois países. Na música e na literatura alguns passos têm sido dados nesse sentido. Falta o resto…
É certo que nem todos os portugueses gostam dos brasileiros, e vice-versa. Com virtudes, defeitos e alguns preconceitos à mistura, toleramo-nos desde que o Brasil se tornou independente. Nos anos 90 do século passado, quando Portugal vivia a ilusão e a esperança de estar cavaquisticamente transformado num “oásis”, recebemos milhares de imigrantes brasileiros com a altivez, a inveja e a desconfiança de quem receia que vinha aí gente roubar-nos empregos…
E com o Novo Acordo Ortográfico, em que manifestamente Portugal faz cedências ao Brasil, nem sempre nos entendemos. Tal como ironizou Bernard Shaw, referindo-se aos ingleses e aos americanos, é caso para dizer que, de igual modo, Portugal e Brasil são países irmãos, mas separados pela mesma língua… E, em matéria de ironia, o meu bom amigo Onésimo Teotónio Almeida não fica em nada atrás daquele dramaturgo irlandês: “Os portugueses não discriminam. Os portugueses não são racistas. Os brasileiros são nossos irmãos. Só que os preferimos na TV. E no Brasil”.

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