E amanhã não seremos o que fomos, nem o que somos – Ovídeo

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Há dias em que me ponho a olhar pela janela virtual da “rede global” e suas teias e plataformas ditas sociais, aldeias sem fronteiras desafiando o real, as leis da física, os pressupostos e preconceitos ou talvez não. É algo de revolucionário dizem uns mas vendo bem será mesmo isso, este mundo virtual em que a seco navegamos? Talvez o mistério da máquina que sustenta a tal rede e a minha ignorância sobre ela me traga a questão ao pensamento. Ainda me lembro de um tempo em que a realidade era ela própria, um real espesso e palpável que se não compadecia com virtualidades e tinha pessoas também elas reais, com tacto, gosto e cheiro.  Larguei a janela virtual e fui para terra plantar batatas com estas comichões na cabeça. Também um mistério o milagre da semente, mas mesmo sem saber quase nada de agricultura não é difícil perceber, por exemplo, as mudanças que vieram com a revolução agrícola, e a ideia por detrás dessa revolução, curiosamente, é relativamente semelhante e simples – FICAR NO MESMO LUGAR. No neolítico esta era uma ideia revolucionária e levou os homens a mudanças completamente radicais em quase todos os aspectos da sua vida, a humanidade deixou de ser nómada e andar de lugar em lugar, caçando e recolhendo alimentos, para se sedentarizar, ficar no mesmo lugar. Foi o nascimento da Polis e do Estado, de toda uma diversidade de ofícios e artes. O que nascerá então desta nova revolução anunciada? Vivemos agora uma realidade de viagens e viajantes sentados em frente ao computador, imóveis, parados. Era bom talvez que as mudanças fossem sempre constantes e previsíveis, num ritmo que permitisse a todos uma adaptação fácil mas, infelizmente, as coisas nem sempre são assim, atrevo-me até a dizer que raramente as coisas são assim, e aí está o mundo a prová-lo. A revolução agrícola foi só um exemplo de como, mesmo sem percebermos, a mudança acontece, nem sempre ao ritmo que todos desejariam ou com os efeitos pretendidos. De qualquer forma ainda há hoje no planeta almas que não se sedentarizaram e não será concerteza por acaso que há já quase uma década atrás (salvo erro em 1995) o Washington Post, com a prudência dos apressados, elegeu como o homem do milénio Ghengis Khan, um nómada, entre outras coisas menos bonitas. A escolha de um nómada poderá, a meu ver, estar também relacionada com esta nova revolução que está a criar este novo tipo de nómadas, que viajam sem sair do mesmo lugar, à boleia da tecnologia. O surgimento de milhões destes viajantes “virtuais” quase nos deixou esquecidos dos velhos nómadas, os viajantes “reais”, ou até mesmo das pessoas de carne e osso, dos vizinhos do lado, dos amigos de verdade. Pode ser certo que a “rede global” torna o distante mais próximo mas fico com a sensação que acaba por vezes por contribuir também para tornar o próximo mais distante.

 

 

 

 

 

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