É preciso (pa)ciência

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Debater o estado de Ciência na atualidade não é um mero pretexto da oposição para desancar no Governo, face à política de desinvestimento que vem sendo implementada. A mudança de paradigma anunciada pelo Ministro da Educação deixa a comunidade científica perplexa, pois só entende essa mudança como um caminho que irá destruir ganhos e proveitos alcançados nos últimos anos.

As estatísticas falam por si. Portugal foi um dos países da UE que mais progrediu nas últimas duas décadas nas áreas da Ciência: triplicou o número de patentes internacionais com provas inequívocas de competitividade, reforçou a atenção do investimento estrangeiro em investigadores de instituições nacionais, implementou parcerias internacionais, registou as maiores taxas de crescimento da Europa em número de investigadores por mil ativos em 2010, situando-se nos 8,3, contra a média de 6, na UE, ou de 8, na OCDE.

Perante a crise em que nos encontramos, há quem entenda como natural os cortes feitos na área da Ciência. Nada mais errado. O desenvolvimento do país passa por uma estratégia de crescimento continuado e sustentável, baseado numa política de investigação. Assim o entende, por exemplo, a Alemanha, a economia mais forte da Europa, que nunca cortou o apoio à Ciência, em nenhuma das áreas. 

Em Portugal, a redução drástica dos recursos humanos com formação avançada, vai ter consequências imediatas. No último concurso, houve um corte drástico nas bolsas. Dos 3.416 candidatos a bolsas de doutoramento, apenas 298 foram admitidos (-40%); das 2.305 bolsas pós-doutoramento apenas 233 foram aprovadas (-65%). A nível do concurso Investigador Funda-ção para a Ciência e Tecnologia (FCT) foram admitidos 369 projetos, ficando de fora 2.297. Com todos estes cortes ficam sem apoio 90% dos investigadores. É evidente que esta redução drástica dos agentes da investigação tem efeitos na produção de Ciência, por mais que o Governo tente dizer o contrário.

Como se isto não bastasse, todo o processo tem sofrido uma série de atropelos: constante alteração das regras no decorrer dos concursos, falta de transparência, classificações dos júris alteradas pela FCT, por alegado “controlo de qualidade”, entre outros.  

A política que tem vindo a ser aplicada na área da Ciência tem merecido críticas de individualidades de renome internacional. Paul Nurse, prémio Nobel da Medicina, avisa que um corte abrupto pode criar uma falta de confiança semelhante à que acontece nos mercados de capitais, levando a que “mentes mais brilhantes” equacionem a razão de investir em Portugal. Ou seja, com esta instabilidade o investimento estrangeiro que o país conseguiu atrair na última década pode começar a desviar-se para outras paragens. O mesmo cientista diz que, por vezes, os políticos têm uma visão de curto prazo e que é um erro injetar dinheiro só no que é imediato. Investir na Ciência, defende, é investir a longo prazo. De igual modo, critica o controlo excessivo vindo de cima, na medida em que se perde o potencial de criatividade. Na mesma linha de pensamento, a ex-ministra do PSD, Graça Carvalho, opina que o dinheiro para as bolsas deve ser prioritário em qualquer política de governo. 

Mesmo para aqueles que têm uma visão monetarista da Ciência, os resultados do investimento na última década são mensuráveis: o valor das exportações de produtos e conhecimento na área da saúde, por exemplo, ultrapassa os valores da exportação de vinho e cortiça. Para um governo que só se preocupa com o deve e o haver, estes dados podiam servir para repensar toda a sua política de desmantelamento da investigação científica. Não o faz e está a hipotecar o futuro. Muitos dos projetos que os cientistas haviam iniciado vão ser interrompidos de forma abrupta; os prémios que Portugal arrecadou nos últimos anos irão certamente reduzir; os milhares de investigadores, na sua maioria jovens, cheios de potencialidades, vão repensar a sua vida e logicamente encontrarão quem os apoie no estrangeiro. Para lá se encaminharão e com toda a legitimidade, pois aqui nem sequer têm direito ao subsídio de desemprego. 

É preciso paciência para aturar tanta falta de discernimento, quando é por demais evidente que a saída da crise não dispensa uma política de Ciência virada para o futuro. Mas a paciência tem os seus limites, ou a linha vermelha, como diz o outro.

 

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