Homenagem a D. António de Sousa Braga

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ANTÓNIO DE SOUSA BRAGA

Um Bispo açoriano perito em humanidade!

Marco Luciano

Foi com grande tristeza e consternação que recebi a notícia do falecimento do nosso bispo emérito D. António de Sousa Braga.

Chamado a dar um pequeno testemunho sobre a figura de D. António de Sousa Braga, embora os sentimentos de tristeza possam aflorar e reclamar a saudade de tempos vividos e partilhados com ele, não posso deixar de realçar as características que para mim marcaram o seu múnus episcopal.

De todas as virtudes que poderia evocar de D. António, aquela que mais se evidencia e o caracteriza era a sua proximidade. Ele era um bispo perito em humanidade! Tal como o Bom Pastor que se entrega totalmente pelo rebanho, D. António de Sousa Braga foi alguém que ao longo das duas décadas de episcopado, nos ensinou a viver as virtudes do despreendimento, da humildade e da proximidade. Ele foi o rosto daquilo a que chamamos um “cristianismo de encarnação”, que nos convida neste mundo a sermos imitadores do cuidado que Jesus tinha por todos aqueles que O procuravam.

Não olhando aos bens materiais e muitas vezes esquecendo-se de si próprio, esteve sempre com o rebanho, particularmente nas alturas de maior dificuldade e sofrimento da sua história recente. A este respeito, podemos recordar alguns destes momentos: a derrocada na Freguesia da Ribeira Quente, no dia 31 de Outubro de 1997, que vitimou 29 pessoas, deixando grandes traumas naquela pequena freguesia da Ilha do Arcanjo; o sismo de 1998 nas Ilhas do Faial e do Pico, que vitimou 8 pessoas, deixando um rasto de destruição nunca visto nestas duas Ilhas vizinhas; no dia 11 de Dezembro de 1999, o trágico acidente de um avião da Sata que embateu no Pico da Esperança, da ilha de São Jorge, e que vitimou 35 pessoas.

Nestes e em muitos outros momentos dolorosos da vida do nosso povo, o Bispo da Diocese era quase sempre o primeiro a chegar. Metia-se nos aviões ou barcos, muitas vezes desprovido de bagagem e confiando apenas na providência daqueles que o recebiam em sua casa e com quem partilhava o pão e muitas vezes a roupa. A sua presença e as suas palavras, foram sinal de um bispo próximo e de coração grande, que se entrega totalmente às necessidades do rebanho.

O processo de reconstrução das Igrejas do Faial, danificadas pelo sismo de 1998, foi uma das suas maiores preocupações. Com ele tive oportunidade de testemunhar o empenho, a sua capacidade de dialogar com as entidades governamentais, o esforço em envolver e comprometer as paróquias e os párocos com este árduo e moroso processo.

A relação com o clero nem sempre foi fácil, mas a sua capacidade de diálogo, a sua disposição em escutar as dificuldades e necessidades dos presbíteros, sobrepunha-se sempre à logica do mais espetável.

A má gestão da diocese que aconteceu durante o seu episcopado, haveria de ser a cruz que o Senhor dá a quem tem a capacidade e a humildade de a levar pelos outos. Mas esta foi uma cruz que D. António não negou nem colocou à porta de ninguém. Levou-a humildemente e serenamente até ao fim. Despojado de tudo, tudo deixou à diocese.

No dizer do Papa Francisco, o D. António foi um bispo que “cheirou as ovelhas”. Ele soube bem ungir o seu povo com o óleo da alegria e da esperança, pois era esta a sua atitude perante os mais desprotegidos e marginalizados da sociedade. O seu bom e grande coração dehoniano ficará para sempre gravado na memória daqueles que com ele conviveram.
Finalmente, não poderia deixar de manifestar o meu desagrado pessoal em não ter havido uma celebração de sufrágio na Sé de Angra e não ter sido declarado luto regional pelo falecimento do nosso bispo emérito.

Agora regressando aos braços do Pai, resta-me em nome da Ouvidoria da Horta e das Paróquias que me estão confiadas uma palavra de profunda gratidão pela herança espiritual que o D. António de Sousa Braga deixa à nossa Diocese.

 

Persistência na proximidade

Adriano Batista

Dedico estas linhas a D. António de Sousa Braga, bispo emérito de Angra, falecido no passado dia 22 de Agosto, evidenciando aquilo que me marcou na sua pessoa ao longo dos 20 anos (1996-2016) em que foi responsável pelos destinos da diocese de Angra.

D. António foi o 38º bispo de Angra e com ele chegou aos Açores um novo modo de ser e de ver a Igreja. Desde cedo, mostrou-se próximo e atento a todos aqueles que o procuravam, pelos mais variados motivos e nas mais diversas circunstâncias. Não impedia que as pessoas chegassem até si e escutava todos com a mesma atenção e zelo. O seu tempo era para os outros e as pessoas que com ele falavam, sentiam isso. Fossem novos ou velhos, ricos ou pobres, clérigos ou leigos, a todos recebia de igual forma, com um sorriso estampado e um tom de voz que sempre o diferenciou.

Na primeira visita pastoral que realizou ao Faial, concretamente à paróquia de Santa Bárbara dos Cedros, D. António foi aquilo que todos têm referido nos últimos dias: humilde, próximo e amigo. Mostrou-se assim com toda a gente, particularmente com as crianças, ao ponto de me ter pegado ao colo durante alguns minutos, não sei bem porquê. Tinha eu 5/6 anos. Lembro-me perfeitamente do episódio, mas confesso não ter presente nada do que possamos ter conversado. Porém, foi um gesto que me marcou, fazendo com que os adultos ali presentes, se espantassem com o facto de o bispo ter pegado numa criança, fazendo lembrar o que Jesus em certa ocasião, dissera aos discípulos: “Deixai as crianças e não as impeçais de vir a mim” (Mt 19, 14a). Não existiam obstáculos entre ele e todos os outros.

No pretérito 22 de Agosto, partiu para a casa do Pai um homem que pretendeu ser fiel à missão que lhe foi confiada, vivendo de forma simples, humilde, bondosa, próxima e amiga, procurando que a sua vida fosse um espelho do Evangelho que anunciava.

D. António não foi um bispo preocupado em escrever muitos documentos ou em produzir muita reflexão para deixar nos arquivos. Foi um pastor que vigiou, cuidou e incentivou as suas ovelhas a não perecerem perante as dificuldades. Fez-se próximo de todos e para todos, e com isso ganhou a admiração e o respeito de crentes e não crentes.

A sua forma de liderar bem como as suas decisões, podem merecer vários questionamentos, afinal, quem é que é perfeito? Não os faço, porém, a sua simplicidade e proximidade para com todos, jamais podem ser colocadas em causa.

A qualidade por todos destacada na sua pessoa – a proximidade – talvez tenha sido a sua maior inimiga por diversas situações. Contudo, prefiro um bispo que erra porque é próximo e amigo, do que um que fale ex-cathedra para que outros façam, mostrando-se fechado ao diálogo e mantendo distância, julgando que os ministros do Senhor devem ser um tanto ou quanto inacessíveis.

D. António foi coerente e persistente quanto à sua forma de ser, e essa é uma marca indelével dos 20 anos de serviço à diocese de Angra.

Obrigado D. António pelo dom da sua vida e do seu episcopado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Um bispo dos Açores nos Açores

Manuel Azevedo

Uma morte nunca é esperada. Sabia-o doente, mas a notícia desta morte calou-me fundo, não só pela relação que teve comigo e com a minha família, mas pela que mantinha com toda a gente. Vou revelar alguns episódios que se passaram com ele. Quando vinha a S. Miguel, visitava quase sempre o tio de minha mulher, Pe. João Lourenço, que foi pároco de Ponta Delgada das Flores, que se encontrava manente e morava com a irmã na casa ao lado da nossa, que a minha mulher geria, dada a idade da mãe e do tio. Direi que cumpriu sempre, ao milímetro, o que combinou com minha mulher, cuidadora do tio-padre. De todas as vezes que o vinha ver, atravessava de um lado para outro e exclamava, metendo a mão à porta e entrando: “Cá vou eu!”, dirigia-se ao meu escritório para conversarmos. E não se pense que fazia isto porque vinha visitar o padre. Não! Depois de ele morrer, manteve o procedimento. Gostava de conversar comigo acerca das questões que se punham ao mundo e à igreja. Duma feita, fizemos um convívio. D. António, apesar de já doente, também veio. A meio da refeição sentiu-se mal e retirou-se para um sofá ao lado, de modo que pudesse conversar com os comensais. Lembro-me, de, às tantas, lhe perguntarmos se se sentia bem: “Lindamente!” – respondeu. Foram frequentes as vezes que nos convidou para irmos à Terceira para nos mostrar as danças e bailinhos, que proliferam naquela terra, no Carnaval. Isto revela que D. António não só se interessava pelas festas religiosas, a que presidia com extraordinária dignidade ou pelas para-religiosas, a que alguns chamam de religiosidade popular, como exemplo as festas do E. Santo ou os romeiros, mas também pelas exclusivamente profanas, desde que revelassem a nossa idiossincrasia.

D. António de Sousa Braga nasceu em Santo Espírito, Santa Maria. De uma família numerosa, cedo saiu de casa para a vida eclesiástica numa congregação, voltando quase só para férias, daí que sendo um bispo dos Açores, quase não conhecia a Região. Aprendeu depressa. A sua simplicidade a isso conduzia. Simples, muito simples e atento, preocupava-se muito com os seus padres e com os seus problemas: o alcoolismo era um deles. O não viverem a 100% para o ministério era outra das suas preocupações, pois a maior parte das paróquias não podiam sustentar os seus párocos e estes (com pouca vocação para a pobreza), tinham de se desenrascar. Preocupava-o e qualquer notava essa preocupação.

Chegou a ir substituir um padre ao Corvo para que este gozasse as suas férias: a simplicidade no seu máximo, bem como a preocupação com o bem-estar dos seus padres.
Preocupação com os padres e com os leigos, com toda esta igreja que vive nos Açores. O andar contínuo, de banda para banda, prova-o.

Podemos dizer que foi um bispo conciliar, pois, quando foi para Roma estudar, o Concílio Ecuménico Vaticano II tinha acabado de terminar. Quatro anos depois, o Papa S. Paulo VI ordenou-o padre. João Paulo II em 1996 chamou-o ao episcopado, nomeando-o bispo de Angra e ilhas dos Açores. Tive a felicidade, embora noutras funções, de participar na sua ordenação e na sua tomada de posse.

Começou logo a trabalhar, pois havia muito a fazer. Procurou fazê-lo, com a sua simplicidade caraterística, a sua bonomia típica, a sua proximidade ímpar.
Se a simplicidade lhe era caraterística, convém relevar a proximidade do seu povo.
Simplicidade e proximidade mantidas até à morte, pois quis ser enterrado em Santo Espírito, Santa Maria, onde nasceu, há 81 anos, para junto dos seus o seu corpo descansar para sempre.

Presidente da Assembleia e Governo manifestam pesar pelo falecimento

O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), Luís Garcia e o Presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro manifestaram o seu pesar pelo falecimento do Bispo Emérito de Angra, Dom António de Sousa Braga, falecido no passado dia 22 de agosto em Lisboa.

“Foi com muita tristeza que recebi a notícia do falecimento do nosso Bispo Emérito”, afirmou o presidente do parlamento açoriano salientando que D. António de Sousa Braga “deixa uma marca e um legado de serviço, de proximidade, humildade e simplicidade, que nos deve servir de exemplo e inspiração”.

Por sua vez, também o Presidente do Governo Regional dos Açores, numa mensagem de condolências destacou a “ligação muito próxima” existente entre o bispo açoriano e “o povo de todas as ilhas” do arquipélago.

Para José Manuel Bolieiro, o “desaparecimento” de D. António de Sousa Braga “deixa a Igreja mais empobrecida e também os Açores”.

“Este é um momento de grande consternação”, registou na ocasião o Presidente do Governo.

O bispo emérito de Angra, António de Sousa Braga, que se encontrava doente há já algum tempo morreu, em Lisboa aos 81 anos.

António de Sousa Braga, foi o 38.º bispo de Angra assumindo esse cargo no ano de 1996. Em 2016 foi agraciado com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, atribuída pela ALRAA e pelo Governo Regional dos Açores, pelo seu serviço e entrega à comunidade.

Susana Garcia

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