Retalhos da nossa história – CXXVIII – Governador Visconde de Leite Perry

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Membro influente do partido regenerador, o Dr. José Bressane de Leite Perry exerceu por três vezes – no período compreendido entre 1900 e 1910 – o elevado cargo de governador civil do distrito da Horta. 

Os diplomas que o nomearam e exoneraram têm as seguintes datas: 

 – 4 de Julho de 1900 e 18 de Outubro de 1904;

– 24 de Março de 1906 e 17 de Maio de 1906;

– 14 de Janeiro de 1909 e 11 de Janeiro de 1910. 

Natural de Fafe, onde nasceu a 9 de Março de 1862, foi nos Açores que se tornou um dos mais influentes políticos da fase final da monarquia, sendo figura de topo da sociedade faialense na transição do século XIX para o século XX. Formado em Direito na Universidade de Coimbra, seguiu, tal como seu pai, a carreira da magistratura. Logo em 1886 – ano da conclusão do curso – ingressou na vida pública como delegado do Procurador Régio em Braga. Depois, veio para os Açores (1888), onde se fixou definitivamente, tendo sido agente do Ministério Público nos tribunais administrativos de Horta e Angra (1888-1893), delegado do Procurador Régio na comarca de Velas (1893-1894), conservador do Registo Predial da Horta (1896-1903), auditor administrativo do mesmo distrito (1904-1906) e secretário-geral do governo civil até poucos antes do seu falecimento.

Entretanto, constituiu família na cidade da Horta ao casar em 11 de Maio de 1889 com Antónia de Avelar, filha única do conselheiro António Emílio Severino de Avelar. Quando este, em 1895, assumiu a liderança do partido regenerador no distrito da Horta, o Dr. Leite Perry passou a exercer os mais importantes cargos políticos. Assim, foi eleito deputado em 17 de Novembro desse ano, tendo apresentado na Assembleia dois projectos de lei: um, para a igualdade das taxas de pilotagem nos portos de Horta e Ponta Delgada, e outro para o estabelecimento de portos francos no distrito da Horta. Estas propostas de Leite Perry eram uma tentativa de recuperar para o porto faialense, através de estímulos fiscais, alguma da sua perdida notoriedade quando era a escala mais vantajosa para a navegação que cruzava o Atlântico e que perdera para Ponta Delgada. Aliás, a iniciativa não era inédita, pois tratava de recuperar um diploma aprovado em 1887 por um governo progressista que criou portos francos em várias localidades portuguesas, entre as quais se contava a Horta. Nem a lei progressista do ministro Mariano de Carvalho, nem o projecto do deputado Leite Perry, muito menos a ideia defendida em 1902 pelo ilustre faialense Dr. António Ferreira de Serpa jamais foram executadas. Apesar de não ter passado do papel, por evidente desinteresse do poder central, a iniciativa daquele parlamentar ultrapassava as habituais e pobres prestações dos eleitos pelo círculo da Horta, fossem eles regeneradores ou progressistas.

Além de deputado (1896-1897), Leite Perry foi também presidente da Câmara Municipal da Horta, eleito em 1896, e, como atrás se apontou, governador civil do distrito de 1900 a 1904, em 1906 e de 1909 a 1910.

Por decreto de 24 de Outubro de 1895 – significativamente um mês antes de ser eleito deputado – o rei D. Carlos fê-lo Visconde de Leite Perry. “Usava um escudo com as armas plenas de Perry e coroa de visconde”.  Na obtenção desta mercê régia terá estado a influência de seu sogro o Dr. António Emílio Severino de Avelar, já então “conselheiro de Sua Majestade Fidelíssima e o todo-poderoso chefe do Parido Regenerador no distrito da Horta. Sem filho varão, não custa a crer que o Conselheiro tenha transferido para o genro os desvelos de pai extremoso e, através dele, feito a filha viscondessa, a partir de 1895”.  

No decurso dos seus mandatos como governador verificaram-se vários acontecimentos e efectuaram-se alguns melhoramentos que ficaram na história do distrito da Horta.

Era ele chefe do distrito quando, em 28 de Junho de 1901, ocorreu a visita do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia, e demais membros da vasta comitiva real, designadamente o presidente do Ministério, Hintze Ribeiro, o ministro da Marinha e Ultramar, Teixeira de Sousa, os condes da Ribeira, d’Arnoso e Tarouca, o marquês do Faial e o deputado pelo distrito da Horta João Joaquim André de Freitas.   Naturalmente o governador-visconde participou activamente não só na cuidada preparação da visita mas também na mesma, tendo sido, conjuntamente com os dirigentes políticos locais – destacando-se o líder do partido regenerador e seu sogro Conselheiro Avelar, o presidente da Câmara Municipal, Barão de Roches, o administrador do Concelho, Vitoriano da Rosa Martins (que D. Carlos distinguiria com o título de Barão da Ribeirinha) e Conselheiro Terra Pinheiro – um atento e diligente anfitrião do rei e da rainha de Portugal. Recebeu-os no palacete do Pilar, esteve com eles nos demais eventos da visita – lançamento da primeira pedra do edifício para o Observatório Meteorológico Príncipe Alberto de Mónaco, inauguração do posto semafórico dos Capelinhos, recepções, bailes, regatas e visitas a instituições de caridade e de comércio – pelo que viria a ser agraciado com a grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e carta de Conselho.  

Durante os períodos em que foi governador efectuaram-se alguns melhoramentos, especialmente o Hospital da Santa Casa da Misericórdia e o farol dos Capelinhos e foi instalada a Escola Normal da Horta para a formação de professores de ensino primário. Realce ainda para o seu papel no fomento da plantação de vinhas americanas na ilha do Pico, em substituição das castas dizimadas pela filoxera e a ligação do serviço telegráfico às Lajes do Pico, bem como os esforços despendidos junto do Governo para autorizar a importação de milho a fim de regular o abastecimento público e obtenção das verbas necessárias à continuação das obras do porto artificial e de restauro da muralha de proteção da cidade da Horta. Para este feito chegou a deslocar-se a Lisboa, talvez porque eram infrutíferas as insistências que telegraficamente fazia junto do poder central. O dinheiro que, também naquela época, sempre rareava, com o Estado em permanente ameaça de bancarrota, terá originado que, após a visita régia aos Açores, o Governo haja mandado suspender todos os trabalhos de obras públicas. Esta decisão lançou no desemprego centenas de operários – só nas obras da doca foram mais de 200 – e lançou na penúria muitas famílias. Até O Telégrafo, que normalmente elogiava o desempenho do governador, se manifestou abertamente contra estas drásticas medidas numa série de artigos intitulados Nossos Interesses/Trabalhos suspensos/Miséria pública/ Ninguém por nós, onde criticava a aparente aquiescência do chefe do distrito, exigindo-lhe acção firme que minimizasse “os prejuízos de tamanha relaxação” .

Apesar de tudo, é ainda o mesmo diário que escreve, ao noticiar o pedido de demissão do cargo de governador civil em 1904, que o Visconde de Leite Perry o exerceu “durante anos, com geral agrado dos seus correligionários e amigos a quem serviu com dedicação pouco vulgar” .

Após um prolongado sofrimento, faleceu na manhã de 23 de Novembro de 1929 no seu palacete situado na actual Rua Médico Avelar. O funeral realizou-se no dia seguinte, nele se incorporando, “além das colegiadas da cidade e da Praia do Almoxarife, um grande número de pessoas de todas as classes sociais, prova da grande estima que o falecido gozava na nossa sociedade (…) A encomendação foi na igreja do Carmo. Junto à capela em que o cadáver foi depositado o sr. Osório Goulart fez um breve discurso, exigido pela grande amizade que dedicava ao falecido, fazendo-lhe justiça aos seus méritos e à boa vontade que sempre o norteou de bem servir o Faial em todos os cargos de que foi investido” .

Ainda hoje uma rua da cidade da Horta e outra da vila da Madalena ostentam o nome de Visconde de Leite Perry, facto que homenageia os seus méritos e testemunha o reconhecimento dos respectivos municípios pelos serviços por ele prestados. 

 

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