O jardim do senhor Bairos

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Cultura tem a ver com o que somos e com o modo de o ser, com a forma de estar no mundo, com o sentido que trazemos da beleza e da justiça, com a maneira como exprimimos os nossos sentimentos de alegria ou tristeza. Falo de uma perspetiva cultural que tem a ver também com a paisagem que nos cerca, com os lugares que amamos e que escolhemos para viver, com o que comemos e com o que vestimos, com a casa que habitamos e com os cuidados que dispensamos ao nosso jardim.

Sim, cultura é também a forma como tratamos o nosso jardim. E, nesta matéria, o senhor Francisco Chaves Bairos, mariense de há muito radicado no Faial, é um homem portador de cultura, bom gosto e sabedoria. O jardim que envolve a sua casa é um prolongamento da sua sala de estar. Quem passa pela Rua Cônsul Dabney e vê o cuidado que ele dedica aos seus canteiros, às suas flores e às suas plantas, sabe do que falo. As flores e as plantas são belas, frágeis e efémeras e, por isso mesmo, devem ser tratadas com carinho. Sempre que vejo o senhor Bairos com as mãos nas entranhas da terra do seu jardim, sei que isso só pode ser um ato de amor.

 Ladeado por um muro de pedra solta, o jardim do senhor Bairos é frescura e é encanto. Ao longo de todo o ano, ali vejo crescer e florescer hortênsias, rosas, papoilas, malmequeres, azálias, cravos, hibiscos, jarros, gladíolos, fúcsias, gerberas, antúrios, margaridas, girassóis, camélias, próteas, estrelícias, agapantos, orquídeas, amores-perfeitos, sálvias, glicínias, violetas, buganvílias, catos, japoneiras, petúnias, avencas, begónias, trepadeiras, fetos, buxos e outros arbustos que impregnam o ar com os seus aromas.

“Um jardim é um resumo de civilização”, escreveu Fernando Pessoa. Os arranjos decorativos tornam-se arte nas mãos do senhor Bairos. Há, na quietude aconchegante do seu jardim, um requinte natural, uma harmonia botânica. Tudo ali é verdura e tudo ali viceja entre luz e sombra. Embelezando o seu jardim, o senhor Bairos acrescenta beleza ao mundo e, à sua maneira, dialoga com o Cosmos. Este é um jardim simples que não procura impor-se à nossa atenção e só nos oferece simpatia – a simpatia do seu proprietário que, com paixão e desvelos de dona de casa, se entrega à jardinagem. 

Jardineiro de si próprio, homem íntegro, honrado e com um grande sentido de humor, o senhor Bairos enxerta a aventura, poda o otimismo e rega a esperança. Antonio Tabucci simpatizou com ele quando, em maio de 1981, visitou o Faial pela primeira vez. Um ano depois, o escritor italiano haveria de colocar o Faial no mapa literário da Europa ao dar à estampa o livro Mulher de Porto Pim, um misto de relato de viagem com crónica ficcionada. No capítulo II desta obra, Tabucchi, referindo-se ao senhor Bairos, escreve: 

“A Capitania está fechada, mas o senhor Chaves recebe-me igualmente. É um homem distinto e amável, com um sorriso aberto e ligeiramente irónico, os olhos azuis de algum antepassado flamengo”.

Perspicaz e arguto, o senhor Bairos é também um exemplo acabado da aprendizagem ao longo da vida: tardiamente tirou o curso dos liceus e, com 62 anos de idade, concluiu a licenciatura em Direito.

Por conseguinte, apreciemos a floricultura, seguindo o exemplo de Francisco Chaves Bairos, cidadão amigo da natureza. Se todos fizermos como ele, o Faial ficará mais florido e mais colorido. Começando por arrancar todas as ervas daninhas, cultivemos o nosso jardim. E, para o der e vier, ou para o que vier a dar, ajardinemos a nossa vida.

 

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