O Naufrágio no Lajedo do Navio “Slavonia” (V)

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FACTO HISTÓRICO DAS FLORES

(Continuação do n.º 446)

Norberto Trigueiro, a respeito das múltiplas memórias que o nafrágio deixou na ilha, escreve em 1960 que “a população florentina continua a recordar o desastre do “Slavonia” e essa recordação é mais concreta quando se encontram (e há em muitas residências da ilha) roupas, louças, talheres, móveis e madeiras do navio sinistrado, assim como fotografias e postais ilustrados com a sua maquete”. Diremos que ainda hoje essa recordação é patente na mente dos florentinos, que preservam tudo o que sirva para manter a sua memória do naufrágio, designadamente com objectos e fotografias do navio.  

Por sua vez, Félix Martins refere em 2001 que “dos muitos artefactos e peças de arte deste naufrágio ou a ele ligados, e ainda existentes na ilha das Flores, quer em locais públicos ou na posse de privados, convém aqui recordar as pratas que constituem o património da Igreja Matriz de Lajes das Flores: – o lampadário do santíssimo, um antigo ostentório e um cálice de prata, oferecidos pelo Papa Pio X, ‘em penhor de gratidão pelo bom acolhimento que os povos desta freguesia fizeram aos náufragos do Slavonia, arrojado à costa desta ilha em 10 de Junho de 1909’”. Embora tenha havido quem duvidasse desta afirmação de Félix Martins, ninguém conseguiu provas convincentes da negação desta história sobre as origens destes equipamentos religiosos da matriz de Lajes das Flores. Todavia, D. Antónia de Freitas Fraga, confirmou-me essas ofertas, que eram por ela observadas, quando ainda jovem, ajudava a fazer as suas limpezas, na companhia de outras idosas dessas alfaias religiosas.

Alexandre Monteiro, que nos apresenta uma descrição muito completa e ilustrada com fotografias do acidente, escreve que “Já em Londres, o capitão Dunning foi levado a tribunal para apuramento das causas do naufrágio. Consta da sentença que ‘o encalhe e a consequente perda do Slavonia foi provocado por erro de julgamento do seu capitão, por este ter estimado uma rota tão incerta e uma velocidade tão elevada em tais condições climatéricas e tão próxima de terra, e por este ter feito confiança em demasia em duas leituras de bússola, manifestamente erradas, que admitiu não ter sido ele próprio a determinar. O Tribunal, em consideração pelo seu trabalho anterior, que foi excelente, e pelos denodados esforços que promoveu para salvar vidas, logo após o desastre, coíbe-se de lhe retirar a sua licença, mas repreende-o severamente e avisa-o para ser mais cauteloso, de futuro’”. Refere ainda que do lado português a imprensa da época “recriminou a entidade governativa de então por não ter procedido à finalização do farol que dominava o local do naufrágio e que apenas carecia das máquinas e da lanterna”. Efectivamente nessa ocasião, o Farol das Lajes, cuja construção se iniciara em meados da década de 1890 ainda não havia sido concluído, o que só veio a acontecer em 1910, como refere Francisco Gomes. Recorda-se que o barco navegava debaixo de nevoeiro, embora este ali seja raríssimo, ao nível do mar, como afirmam os lajedenses.

Há anos atrás vimos uma excelente reportagem na televisão onde, para além de se entrevistarem alguns florentinos (não contemporâneos) sobre o referido naufrágio, se mostravam vários móveis provenientes daquele navio existentes em casas da ilha das Flores.

Já nas décadas de 1940/50, partes significativas das chapas de cobre de diversos locais do “Slavonia” foram recuperadas por empresas da especialidade que as transportaram para Lisboa no navio “Carvalho Araújo”, como pudemos então verificar pessoalmente, designadamente por intermédio do mergulhador José da Silva. Durante vários anos vinham mergulhadores ao local. Levavam dentro de um barco das Lajes bocado de ferro vindos do fundo do mar. Também de terra se chegava a ver no fundo do mar uma caldeira que anos depois já não era visível, supõe-se que, por haver muitas algas.

A partir da data daquele acidente, sempre que navios da Companhia Cunard Line cruzavam os mares das Flores, aproavam à Baixa Rasa e, num gesto de saudação e de agradecimento pelos bons serviços prestados ao “Slavonia”, apitavam três vezes, seguindo depois o seu destino, como já referimos. Era um sinal de reconhecimento que, por se ter mantido durante vários anos, sensibilizou várias gerações florentinas do Lajedo. Aí ainda hoje, 100 anos depois daquele acidente, ninguém nas Flores desconhece a perda do “Slavonia” nas costas marítimas dessa freguesia.

Efectivamente, na ilha das Flores, especialmente na freguesia do Lajedo e lugar da Costa poucas eram as casas que em meados do século XX não possuíssem uma ou mais recordações do “Slavonia”. Eram louças ou talheres de prata, com as marcas do navio, ou mesmo outros objectos mais úteis e valiosos, tais como sejam portas de camarotes, espelhos ou outros objectos, legal ou ilegalmente obtidos.  

                                                                                                                                                                                                                      (Fim)

 BIBLI: Gomes, Francisco António Nunes Pimentel, “A Ilha das Flores: Da redescoberta à actualidade (Subsídios para a sua História)”, (2003, pp. 423 e 445, 2.ª edição da Câmara Municipal de Lajes das Flores; Trigueiro, Norberto, artigo publicado no jornal “Correio da Horta”, Horta, de 22-10-1960; Martins, Félix, artigo no jornal “As Flores”, Santa Cruz das Flores, de 21-06-2001; Freitas, Álvaro Monteiro de, artigo publicado no “Jornal do Ocidente” de Lajes das Flores, de 10-12-1991; Monteiro, Alexandre, “O Naufrágio do Paquete ‘Slavonia’  (Ilha das Flores, 1909)”, (2009), Internet; Correia, Luís Miguel, “Paquetes Portugueses”,  pp. 83 e  215, 1992,  Edições INAPA, de Lisboa; Antunes, 1.ª Sargento Domingos (presumido autor), “Esboço Histórico da Guarda Fiscal das Ilhas das Flores e do Corvo (1885-1985)”;  jornal “O Telégrafo”, de 19-06-1909; jornal “O Faialense” de 27-7-1909; Trigueiro, José Arlindo Armas, “Retalhos das Flores – Factos Históricos”, 2003, pp. 27-34, Ed. da Câmara Municipal de Lajes das Flores.

 

 

                                       

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