Os alunos “cutchi-cutchi”

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Muitos alunos do 7º ano chegam-me às mãos muito imaturos e absolutamente infantilizados. Chamo-lhes, por isso, alunos “cutchi-cutchi”…
De um modo geral são filhos únicos, mimados e superprotegidos por mães e pais inseguros, que estão em início ou em fase de consolidação de carreiras, com vidas muito atarefadas, o que lhes retira tempo para um maior e melhor acompanhamento junto dos seus progenitores. Sentindo a pressão do quotidiano, e temendo não estarem a cumprir integralmente o seu papel de educadores (muitas vezes resultando daí o desalento, o desânimo e a culpa de raiz judaico-cristã), agarram-se ao único(a) filho(a) que têm e infantilizam-no(a) para lá do natural.
De resto, deparamos hoje com este dado sociológico inapelável: as relações entre pais e filhos horizontalizaram-se, isto é, deixaram de ser tão hierárquicas, e muitos pais encontram sérias dificuldades em controlar os miúdos em casa. O ditado popular bem que avisa: “Casa de pais, escola de filhos”…
Como se isto não bastasse, os nossos alunos estão a entrar para o sistema educativo cada vez mais cedo: muitos deles aos 5 anos de idade. Ora, não trazendo de casa mecanismos de autonomia, responsabilidade, identidade e individualidade, os educandos, invariavelmente, chegam à escola cada vez mais “abebezados”…
Sem pretender generalizar (tenho alunos muito competentes, educados e solidários), posso aqui testemunhar que, no decorrer das aulas, os alunos “cutchi-cutchi” tendem a ser hiperativos, irritadiços e birrentos, demonstram falta de concentração, fazem observações desnecessárias e inadequadas, com conversas paralelas que não são de todo precisas nem necessárias…
E depois há esta contradição flagrante: se, por um lado, a criança é infantilizada, por outro, dá-se-lhe um estatuto de “crescido” e os conteúdos programáticos exigem que ela seja opinativa na análise e original nas ideias. No ensino secundário, a situação melhora um pouco, ma non tropo…
Com a asneira que foi a Declaração de Bolonha (que sempre me mereceu sérias dúvidas e severas críticas), os nossos jovens licenciam-se aos 21 anos de idade, um ano depois são mestres e antes dos 30 já são doutores e chegam a juízes… O primado do económico sobre o pedagógico deu nisto… Por isso, não se admirem com o estado (duvidoso) da nossa Educação, da nossa Saúde ou da nossa Justiça… A verdade é que, na “austera, apagada e vil tristeza” em que se tornou Portugal, temos o sistema que criámos. A escola reflecte necessariamente a sociedade que temos e que construímos. É esta a escola que temos, não é outra. A sociedade que construímos é esta, não é a norueguesa, nem a canadiana, nem a australiana…
Acima de tudo têm-nos faltado pactos e compromissos educativos que nos libertem da tensão do imediato, do ato eleitoral mais próximo e permitam conferir continuidade e estabilidade às políticas estruturantes do nosso sistema de ensino.

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