Os ananases e a matemática

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O cultivo do ananás tem alguma tradição nos Açores, em particular na ilha de São Miguel. A planta do ananás chegou à Região em meados do século XIX, proveniente da América do Sul. Inicialmente foi utilizada como planta ornamental. A sua cultura para consumo só começou anos mais tarde. Com o passar do tempo, devido às suas qualidades ímpares em termos de aroma e sabor, o ananás acabou por se transformar num verdadeiro ex-libris da Região.

Face ao clima diferente do da sua origem, a produção do ananás nos Açores é feita em estufas de madeira e vidro. Como o ananás necessita de calor, mas não da força direta do Sol, as estufas são caiadas de branco na primavera. O solo da estufa também sofre um tratamento adequado com a utilização de “camas quentes” à base de matéria orgânica. Destaca-se também a aplicação de “fumos” durante a noite, processo que se repete durante vários meses e que permite que as plantas floresçam ao mesmo tempo. Ao todo, desde a plantação até à colheita, decorre um período de aproximadamente dois anos. O facto de cada planta produzir um único fruto valoriza ainda mais o cultivo do ananás nos Açores.

Existem também outras formas de apreciar o ananás que estão relacionadas com um padrão matemático interessante. Para perceber melhor a relação que existe entre o ananás e a matemática, convido o leitor a recordar Leonardo de Pisa (cerca de 1170-1240). Conhecido por Fibonacci, por ser filho de Bonacci (um mercador italiano colocado no Norte de África), Leonardo de Pisa foi um importante matemático da Idade Média. A profissão do pai permitiu¬ lhe visitar com frequência o Médio Oriente, onde se familiarizou com o sistema de numeração hindu-árabe. Em 1202, Fibonacci escreveu um tratado intitulado “Liber Abaci”, baseado nos conhecidos de aritmética e de álgebra que adquiriu no decorrer das suas viagens. Um dos capítulos era dedicado à resolução de problemas. Nesse capítulo, Fibonacci apresenta um problema que, embora não pareça, se irá relacionar diretamente com os nossos ananases: “Um homem colocou um casal de coelhos num local rodeado por paredes de todos os lados. Quantos casais podem ser gerados num ano, sabendo que, por mês, cada casal gera um novo, que se torna produtivo a partir do segundo mês de vida?”

Vejamos como resolver este problema. Começamos com um casal de coelhos bebés no primeiro mês. No segundo mês, este casal torna-se adulto, pelo que no mês seguinte gera o primeiro casal de filhotes. Assim, no terceiro mês existem já dois pares de coelhos. No quarto mês, o casal inicial gera novo par de coelhos, enquanto o primeiro casal de filhos se torna adulto. Ao todo, contam-se três pares de coelhos. No quinto mês, tanto o casal inicial como os seus primeiros filhos, entretanto já maduros, têm novos descendentes. Se a estes juntarmos o casal de bebés do mês anterior, obtemos ao todo cinco casais de coelhos. Se o leitor continuar a resolver o problema, obterá os números: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, … Concluirá, igualmente, que ao fim de um ano existirão ao todo 144 casais de coelhos. A sequência de números obtida é conhecida como sucessão de Fibonacci e obedece a um padrão interessante: cada termo obtém¬ se da soma dos dois anteriores (por exemplo, 8=5+3 e 13=8+5). 

Mas, então, que relação existe entre estes números e o ananás? Se olharmos com atenção para um ananás, reparamos que as marcas em forma de diamante que compõem a sua casca (designadas por brácteas) estão organizadas em espirais. Um olhar ainda mais atento permite concluir que existem duas famílias de espirais paralelas, umas enrolam para a esquerda e as outras para a direita. O surpreendente é que se contarmos o número total de espirais de cada família, obtemos sempre os mesmos valores: 8 e 13! Nunca falha! 

Eis uma regularidade matemática surpreendente, comum ao abacaxi, às pinhas e aos troncos de muitas palmeiras. Na vida agitada do dia a dia, não nos apercebemos, mas a Natureza está repleta de padrões numéricos. E o ananás não foge à regra…

Departamento de Matemática da Universidade dos Açores

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