Os padrões decorativos das conchas marinhas

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Os padrões decorativos que revestem as conchas de moluscos marinhos tropicais constituem um claro convite a uma análise mais profunda. Vários investigadores têm analisado os processos dinâmicos que estão na base da formação desses padrões, conseguindo retratá-los fielmente em simulações de computador. Na abordagem deste tema, destaca-se o livro de Hans Meinhardt (1938-2016), The algorithmic beauty of sea shells, publicado pela Springer, cuja terceira edição data de 2003. Vejamos um pouco da história deste ramo de investigação. Alan Turing (1912-1954) é conhecido pelo trabalho que desenvolveu para a inteligência britânica em Bletchley Park, durante a Segunda Guerra Mundial. O seu contributo foi fundamental para a quebra de eficácia da máquina “Enigma”, usada pelos alemães para cifrar mensagens secretas. Este cientista ficou também conhecido por ter usado o que seriam os princípios teóricos do computador moderno para criar a “Máquina de Turing”. Alan Turing lançou as bases da inteligência artificial, mas não investigou apenas temas ligados à teoria da computação e à criptografia. Pouca gente sabe que Turing demonstrou grande interesse pela formação de padrões associados às manchas, pintas e riscas que observamos nos animais. Turing, influenciado pelo trabalho do biólogo D’Arcy Thompson (1860-1948), acreditava que a morfogénese, associada ao aparecimento de manchas, pintas e riscas, é uma consequência essencialmente de processos físicos e químicos. Por exemplo, os padrões de pigmentação das conchas marinhas são de uma enorme diversidade. Da perspetiva da evolução dos moluscos, esta diversidade é atribuída à falta de impacto de um qualquer padrão particular em termos da seleção natural. De facto, em muitos casos, os animais vivem enterrados na areia ou são ativos à noite. Por vezes, por estar revestido por camadas não transparentes, o padrão não é visível enquanto o animal está vivo. Por tudo isto, não há uma pressão evolutiva que dê preferência a padrões específicos. A diversidade dos padrões, que podem diferir em detalhes, mesmo entre conchas da mesma espécie, sugere um mecanismo morfogenético geral o suficiente para abranger variações espécime-a-espécime e espécie-a-espécie. Este mecanismo de reação-difusão é expresso, em termos matemáticos, por sistemas de equações diferenciais de derivadas parciais. Ao modelo de reação-difusão de Turing, seguiram-se outros modelos. Terminamos este artigo com alguns exemplos baseados em modelos de reação-difusão, que retratam os padrões das conchas marinhas, propostos pela equipa liderada por Hans Meinhardt e que estão disponíveis no livro referido acima. Nas conchas em que a produção de pigmentos na extremidade de crescimento se processa de forma periódica, com picos estáveis em posições específicas, os padrões obtidos correspondem a riscas perpendiculares à abertura da concha (Voluta arausiaca, Fig. 1). Por vezes, essas riscas aparecem aos pares (Fasciolaria trapezium, Fig. 2). Em alguns casos, as riscas são paralelas à abertura da concha (Amoria ellioti, Fig. 3). Noutras situações, as riscas podem ser oblíquas (Nerita communis, Fig. 4). No caso da (Lioconcha lorenziana Fig. 5), o processo de obtenção das riscas pode ser comparado a uma infeção. As células que produzem pigmentos infetam células vizinhas de modo a que também produzam pigmentos. A produção de pigmentos por parte das células infetadas dura um curto intervalo de tempo, após o qual essas células ficam imunes a nova infeção. Desta forma, a produção de pigmentos move-se ao longo da superfície da concha como se de uma onda se tratasse. Noutras espécies, os padrões são gerados por uma oscilação da deposição de pigmentos: em algumas regiões, a deposição de pigmentos ocorre muito rapidamente, noutras em intervalos de tempo mais longos (Natica euzona, Fig. 6). Já no caso da Cypraea ziczac (Fig. 7), alguns grupos de células produzem pigmentos de forma permanente, originando riscas perpendiculares à abertura da concha. As células entre riscas consecutivas são capazes de oscilar a produção de pigmentação. Outro padrão que surge com frequência são linhas de pontos, oblíquas (Persicula persicula, Fig. 8) ou paralelas em relação à abertura da concha (Babylonia papillaris, Fig. 9). Já no caso da Babylonia japonica (Fig. 10), identificamos a transição entre linhas de pontos e linhas contínuas oblíquas. É interessante também verificar que a palavra “padrão” não implica necessariamente regularidade. Os padrões de algumas conchas marinhas são complexos e irregulares, conjugando ordem e caos. Nesses casos, é necessário um maior número de equações diferenciais de derivadas parciais para descrever todo o processo de pigmentação (Conus araneosus, Fig. 11; Conus marmoreus, Fig. 12; Conus marchionatus, Fig. 13; Conus auratus, Fig. 14). O tema deste artigo é parte integrante da exposição “Coleção de Conchas Robert Benevides & Raymond Burr”, que estará em exibição pública entre agosto e dezembro de 2016, no Banco de Artistas (antigas instalações do Banco de Portugal), na Cidade da Horta. Muitos dos exemplos apresentados neste artigo poderão ser apreciados na referida exposição. A coleção é uma oferta de Roberto Benevides à sua Cidade da Horta, e a exposição resulta de uma parceria entre a Câmara Municipal da Horta, o Observatório do Mar dos Açores, o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e a Direção Regional dos Assuntos do Mar, Governo do Açores, entidades que têm a responsabilidade de a preservar e divulgar. Resta-me agradecer a Filipe Porteiro, Carla Dâmaso, Rogério Feio, Noélia Rios e Ester Pereira, o convite para colaborar nesta iniciativa, potenciando assim o papel educativo desta coleção no campo da Matemática aplicada. Departamento de Matemática da Universidade dos Açores, [email protected]

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