Reflexões Crónicas – Esclarecimentos sobre a obra do Largo do Relógio

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A intervenção realizada pela Câmara Municipal da Horta (CMH) no chamado Largo do Relógio (LR) resultou ao longo dos últimos dois meses numa série de contestações e discussões no espaço público, derivadas da forma impensada com que ocorreu e da sua extrema impertinência (a todos os níveis). Da minha parte, enquanto cidadão e estudante de História (e bom conhecedor desde há anos da importância histórica do LR) chamei a atenção sobretudo para o seu interesse arqueológico, tanto junto da CMH como escrevendo publicamente neste mesmo periódico e em comentários nas redes sociais. A obra continua e será terminada, e não tenho dúvidas que será esquecida em breve, ficando a “embelezar” o local durante as próximas décadas e eventualmente sendo apenas evocada como arma de arremesso em alguma discussão política de interesse estritamente partidário.

Não obstante a obra continuar e caminhar para o esquecimento no espaço da discussão cívica, é importante deixar público e bem esclarecido o que ali aconteceu e as suas implicações e consequências (que as houve). Podia aqui referir o facto de esta obra não ter sido aparentemente discutida sequer em reunião da Vereação, o seu total desenquadramento urbanístico, a óbvia falta de planeamento, a “pressa” com que foi feita ou mesmo o conflito que representa em relação ao monumento histórico pré-existente (que é uma das imagens de marca da cidade), mas vários cidadãos e técnicos chamaram a atenção para essas questões e por isso cingir-me-ei ao interesse arqueológico. Primeiro, porque este, por si só, constituía razão para a não realização da obra (que tinha obrigatoriamente de ser autorizada pelo Governo Regional), segundo, por me ter sentido pessoalmente visado na intervenção feita pelo Sr. Presidente da CMH na reunião camarária que discutiu o assunto, na qual afirmou que as pessoas que referiram o assunto nas redes sociais não sabem do que falam. Que me conste, as referências ao interesse arqueológico nas redes sociais partiram todas de mim (directa ou indirectamente) e, como já referi, foram precedidas de informação (pessoal e escrita) à CMH, cujos responsáveis estavam informados acerca das obrigações legais que a obra implicava e, mesmo assim, a CMH fez tábua rasa e continuou. Alguma dúvida haja em relação à veracidade e pertinência técnica e científica de tudo o que eu disse basta ler o relatório técnico da Direcção Regional da Cultura (DRAC) sobre o assunto, que não só corrobora tudo o que foi dito como cita largamente o texto que fiz sobre o assunto (o qual, modéstia à parte, é referido como “muito bem fundamentado”, ou seja, quem o escreveu sabe bem do que está a falar). Para o esclarecimento rigoroso da questão, que entendo deve ser público e ficar aqui registado preto no branco, deixo abaixo uma breve cronologia que regista todo o processo e fico, como sempre, disponível para qualquer esclarecimento a quem mo pedir (ao contrário da CMH, que há meses recebe mensagens minhas sobre este e vários assuntos e até hoje nunca obtive qualquer resposta aceitável; aliás, tive, de um vereador, a pedir-me informações sobre esta obra, pois, segundo me referiu, eu estaria mais informado sobre o assunto que alguns membros da própria vereação, que só sabiam o que veio na comunicação social!).

Cronologia:
(Março e Abril 2010 – intervenção no LR deixa à vista vestígios arqueológicos, muitos dos quais destruídos nessa circunstância; na altura registei o evoluir da obra, o que serviu de fundamentação ao referido documento que escrevi em Maio passado);

2017:
Março – depois de anunciada a colocação de um parque infantil no local, o Sr. Presidente da CMH, informado sobre o interesse arqueológico e a necessidade de tal intervenção ter uma autorização da DRAC, garantiu-me pessoalmente que se trataria de uma pequena intervenção e que nada mais seria feito;
Abril – de volta ao Faial, constatei que realmente o parque tinha sido uma pequena intervenção, não invasiva;
Maio – é anunciada a construção do polidesportivo;
25 de Maio – enviei à CMH da Horta a primeira mensagem acerca do assunto, relembrando a obrigatoriedade legal de uma autorização da tutela,remetendo em anexo a Lei de Bases do Património;
26 de Maio – publiquei aqui um artigo chamando a atenção para o caso, que terminou com “Da minha parte fico disponível para colaborar, com a CMH ou com quem quiser saber mais, e até lá verei o que se pode fazer.” (desde então fui contactado por vários cidadãos, órgãos de comunicação social e responsáveis políticos a pedir informações, que sempre disponibilizei);
29 de Maio – após alguma insistência na semana anterior, recebi uma resposta da CMH, porém insatisfatória e pouco rigorosa, pelo que continuei a insistir;
29 de Maio – dado o anterior, comuniquei à DRAC a situação e fui informado que já tinham conhecimento do sucedido;
30 de Maio – enviei à DRAC e à CMH um documento com o enquadramento histórico e provas do interesse arqueológico (fotos da intervenção de 2010 e de alguns achados);
9 de Junho – fui informado pela DRAC que o processo aguardava decisão;
início de Julho – dado o avançar contínuo da obra pedi novo esclarecimento à DRAC e informaram-me que não tinham ainda agido porque não havia uma participação formal;
11 e 14 de Julho (3ª e 6ª feira) – dois cidadãos informam formalmente o Sr. Director Regional acerca do sucedido (dando assim início ao processo formal); reenviei o documento que tinha feito em final de Maio;
20 de Julho (5ª feira) – ofício da DRAC à CMH solicitando a suspensão da obra (dando assim cumprimento ao disposto no Decreto Legislativo Regional nº 27/2004/A, que prevê as acções a tomar em caso de obras em local de interesse arqueológico);
21 de Julho (6ª feira) – ordem do Sr. Presidente da CMH para a suspensão da obra;
22 de Julho (sábado) – visita de um arqueólogo da DRAC ao LR e reunião com o Vice-Presidente da CMH “para a contratualização de medidas de minimização do impacto sobre o património cultural arqueológico”;
24 de Julho (2ª feira) – relatório técnico da DRAC confirma o interesse arqueológico do local, mas propõe a continuação da obra, dado o seu estado avançado e o reduzido impacto no património arqueológico lá existente;
24 de Julho – ofício do Sr. Director Regional autorizando a continuação da obra.
Posto isto, é importante frisar o seguinte:

1. A CMH estava desde o início (entenda-se, antes até da obra ser anunciada) na posse da informação de que esta ou qualquer intervenção no LR requereria (por obrigação legal) um estudo de impacto e consequente autorização da DRAC;
2. Pareceres e pedidos de esclarecimento foram ignorados e a obra continuou;
3. Uma falha de comunicação fez com que a informação à DRAC só fosse formalizada mais de um mês depois (quase no final da intervenção), caso contrário a obra teria sido suspensa para avaliação logo no início;
4. O parecer da DRAC confirma toda a informação já conhecida e acrescenta outra (inclusive identificando e datando vários dos achados feitos no LR), mas autoriza a continuação da obra devido ao seu estado muito avançado;
5. O mesmo parecer (e isto é fundamental) termina com quatro propostas para “Medidas de minimização de impacto sobre o património arqueológico”, “De modo a evitar futuras situações semelhantes ou com efetivo caráter [sic] destrutivo no potencial arqueológico da cidade da Horta”, incluindo a criação de uma Carta de Risco Arqueológico e de um gabinete municipal de arqueologia para acompanhar estes processos. Ou seja, a intervenção no Relógio já foi tarde, mas importa tirar lições para o futuro e garantir que algo deste género não volte a acontecer.
Por último, a título pessoal (mas não posso deixar de o fazer, até porque não sou o único a senti-lo), quero deixar registado que me sinto envergonhado, enquanto faialense, pela atitude inqualificável com que a CMH (entenda-se, alguns dos seus responsáveis) lidou com este (e outros) processo(s) e que enquanto jovem (dos que os actores políticos dizem querer envolver), técnico (dos que dizem ouvir e reconhecer) e cidadão (dos que dizem representar) sinto-me pessoalmente desrespeitado. E se a CMH quiser demonstrar o respeito que deve aos cidadãos do município, que o seu primeiro representante reconheça a indelicadeza das suas afirmações (acerca das pessoas que não sabem do que falam), assim como o parecer técnico da DRAC (por adição também posto em causa nessas afirmações), e que venha por isso pedir publicamente desculpa aos faialenses.

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Leia-se: José Luís Neto, Relatório da avaliação de eventual destruição de património arqueológico em obras no Largo D. Luís I, Torre do Relógio, Horta, DRAC, 24.07.2017
Veja-se: Tiago Simões da Silva, José Luís Neto e Luís Borges, “Igreja do Santíssimo Salvador e Torre do Relógio”, in Carta Arqueológica dos Açores, disponível em <http://www.culturacores.azores.gov.pt /paa/ca/> (consultado a 01.08.2017).
Em defesa da Língua Portuguesa, o autor deste texto não adopta o “Acordo Ortográfico” de 1990, devido a este ser inconsistente, incoerente e inconstitucional (para além de comprovadamente promover a iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral). 

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