Reforma florestal ou expiação de inacção

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O incêndio em Pedrógão Grande chocou-nos a todos. No Parlamento Europeu recebi mensagens de pesar e solidariedade de colegas de várias nacionalidades e grupos políticos, incluindo do seu Presidente, que mandou colocar a bandeira de Portugal a meia-haste em sinal de luto. Mas creio que, como a maioria dos Portugueses, também me assola um profundo sentimento de revolta. O que sucedeu com este incêndio não tem justificação. Ponto. Assumo a singela intransigênciade rejeitar mais novelas de desculpabilização de responsáveis cuja “trama” tem como resultado que a culpa venha a morrer solteira. Não vou, assim, tecer aqui qualquer consideração sobre o que não foi feito. Contudo, face aos desenvolvimentos políticos das últimas horas, temo que agora proliferem medidas-relâmpago anunciadas como de prevenção de catástrofes como esta, que muito mais servirão para uma expiação dos políticos do que para uma efectiva resolução de problemas, que deve ser sustentável no tempo.

Refiro-me à reforma florestal que a Assembleia da República anunciou pretender lançar num mês. Com início na apresentação da lista de entidades que serão auscultadas por um grupo de trabalho que acabou de ser constituído, espera-se que a 19 de Julho próximo todos os Deputados, em plenário, votem cinco propostas legislativas que foram apresentadas pelo Governo e que serão, entretanto, alvo de propostas de alteração.
Ora, se é legítimo que nos revoltemos pela inacção que pautou a falta de uma estratégia florestal no nosso país num problema que, segundo os especialistas, tem 50 anos, questiono se em apenas um mês vamos ser capazes de proceder a uma efectiva reforma, sedimentada no tempo, que permitaprojectar o futuro e contribuir para o desenvolvimento do interior do país.
Certamente que não estará em equação exclusivamente a criação de cinturas de protecção. O problema é bem mais complexo. Há que proteger a floresta de uma série de ameaças que não se resumem aos incêndios (nomeadamente de secas, de intempéries e de variadas pragas) e de conciliar a sua função produtiva e a sua função de protecção. Este é um claro desígnio estabelecido pelo Parlamento Europeu, numa Resolução aprovada em Abril de 2015 sobre uma nova estratégia da UE para as florestas e para o sector florestal.
Não podemos olvidar que uma estratégia florestal tem de ter em conta as especificidades das regiões mais remotas e com menor densidade populacional, o que implica uma forte articulação com o poder autárquico. Mas atribuir às autarquias a exclusiva competência de implementação de uma estratégia florestal significa votá-la ao abandono pelas limitações financeiras e de competências a que as Câmaras Municipais estão sujeitas. São, indubitavelmente, parceiras na gestão e reordenamento do território, mas não têm a competência paradefinir e implementar planos de valor acrescentado para a exploração da madeira e da biomassa florestal, ou dedesenvolvimento de outras actividades económicas relacionadas com a floresta, como são exemplo a pastorícia, a silvicultura ou a colheita de produtos florestais não lenhosos.
Urge, também, não continuar a desprezar a potencialidade de criação de emprego verde, em especial o relativo a energias alternativas, à utilização de diferentes materiais na construção civil, o que implica uma nova abordagem a nível da mão-de-obra disponível, com o competente investimento na formação específica requerida.
Convém que não confundamos a estratégia florestal com a estratégia de prevenção e de combate aos incêndios. São indissociáveis, mas a primeira é bastante mais abrangente que a segunda e integra muitas outras áreas no domínio do desenvolvimento da economia, da protecção ambiental, da criação do emprego e da coesão territorial. Querer fazê-lo em menos de 30 dias parece-me redutor.
www.sofiaribeiro.eu
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