Retalhos da nossa história – CCXXXI – Tomás Francisco de Medeiros, músico e regente de filarmónicas

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Apesar de nascido na freguesia dos Cedros a 7 de Fevereiro de 1871, fez quase toda a sua vida na cidade da Horta. Matriculou-se pela primeira vez no Liceu em 1883 e, concluídos os estudos, tornou-se funcionário administrativo, exercendo cargos quer na Administração do Concelho, quer na Conservatória do Registo Civil, quer sobretudo no Governo do Distrito, onde se manteve até à aposentação. Pelo meio foi episodicamente, em 1918, administrador do Concelho de Santa Cruz das Flores, nomeado pelo governador civil Dr. Manuel Francisco das Neves Júnior1. Cultivou, desde novo, o seu gosto pela música, pois já o encontramos na última década do século XIX a integrar, como tocador de flauta, a Orquestra João de Deus, (1892) fazendo também parte da filarmónica Unânime Praiense de 1896 a 18992 e no ressurgimento da mesma em 19183, como executante e regente. Mas, já em 1900 surge ligado à União Musical, a banda citadina que uma elite de jovens havia fundado em 1896, sob a batuta do maestro Francisco Xavier Symaria que, naquele ano se transferira para a Nova Artista Flamenguense. Foi, portanto, com a regência de Tomás Francisco de Medeiros que a União Musical estreou o novo e rico instrumental que mandara vir de Paris e que – noticiava a imprensa – era “uma completa novidade entre nós, pois além dos instrumentos que são de tipo diferente, o bombo é de uma só pele” (…) e, “à excepção dos clarinetes, todo o mais instrumental é do molde dos que foram premiados na Exposição de Paris, do corrente ano”4. Era ele o regente daquela filarmónica quando o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia estiveram de visita ao Faial em 1901 e nela se manteve, também como membro dos corpos directivos até 1903, pelo menos, altura em que uma efémera Fanfarra da Associação dos Bombeiros Volun-tários dissolveu temporariamente aquela filarmónica5. No fim deste ano um periódico faialense informava que “o nosso amigo Tomás Francisco de Medeiros, regente da sociedade União Musical, pretende abrir uma aula de música de Janeiro em diante, sendo a mensalidade de 1.000 reis”6. Também por esta época deparamos com ele a reger a Voz do Operário e também a recém-constituída Lira Cedrense7. Dos seus conhecimentos também usufruiu a União Faialense cuja regência ocupou nos primeiros anos do século XX. Quando, pouco depois da implantação da República, alguns amigos da Euterpe decidiram fundar uma filarmónica em Castelo Branco escolheram um maestro com provas dadas no panorama musical faialense. E, sem surpresas, o escolhido foi Tomás Francisco que, com mais de um ano de antecedência, começou a ensaiar os futuros componentes da filarmónica albicastrense, pois já os ensinava em Fevereiro de 1911 e a estreia da Euterpe só se deu em 12 de Maio de 1912. Não se conseguiu apurar até que ano esteve a dirigi-la, mas temos provas de que dela guardou as maiores recordações. Efectivamente, foi seu desejo expresso legar à Euterpe a batuta com que a regeu. Cumpriu-o, em Agosto de 1973, a sua filha primogénita D. Maria Whyton Medeiros da Silva e, dado que se trata de um facto marcante na vida desta centenária filarmónica, aqui se regista a carta de agradecimento que lhe foi enviada: “Na já longa existência da Filarmónica Euterpe de Castelo Branco, muitos têm sido os testemunhos de carinho, apreço e dedicação com que a têm mimoseado. Dentre todos quantos lhe emprestaram o seu saber, sacrifício e devotada simpatia, avulta, por certo, a figura ímpar do seu primeiro Regente, senhor Tomás Francisco de Medeiros, aquele que lhe deu vida naquela recuada data de 12 de Maio de 1912, em que, pela primeira vez a Euterpe se fez ouvir em rendida homenagem ao Criador aquando da Procissão Solene com Nosso Senhor aos enfermos. A efeméride está, por si, sobejamente presente para que jamais possa ser olvidada. Mas, como se isso não bastasse, em satisfação de um desejo expresso por seu extremoso pai, quis V. Ex.ª perpetuar a sua presença junto da nossa e dele tão querida Filarmónica, oferecendo-nos, no passado dia 24 do corrente [Agosto] através de seu primo o Exmo. Sr. Luís da Câmara Whytton da Terra, a batuta com que esse exímio musicólogo dirigiu a Euterpe. Tão simpática, quão significativa e dignificante iniciativa ficou e ficará gravada em nossos corações e lembrará aos vindouros, em simbólica e edificante presença, a actividade meritória daquele que, com o seu esforço e competência, contribuiu sobremaneira para que a Euterpe gozasse do prestígio que hoje usufrui. Bem haja, senhora D. Maria Whytton Medeiros Silva, pela decisão amiga que o seu bondoso coração, em boa hora lhe ditou. Creia V. Ex.ª, no reconhecimento sem limites da Euterpe. Com os protestos da mais elevada estima nos subscrevemos atenciosamente. A Direcção: José Nunes Caldeira, Gilberto de Vargas Dutra, Alberto Nunes de Freitas. O Regente Eduardo Costa.” Tomás Francisco de Medeiros, além das sete filarmónicas citadas e da Orquestra João de Deus, foi regente e tocador de outros agrupamentos musicais, com destaque para a Horta Band8, a Orquestra de Tomás Medeiros9, o Sexteto do Salão Eden10. Vitimado por uma úlcera de estômago, faleceu na cidade de Ponta Delgada a 27 de Agosto de 1928. Tinha 57 anos e deixou viúva D. Maria Whytton de Medeiros, com quem casara na igreja da Conceição da Horta em 9 de Novembro de 1892. (O autor escreve segundo a antiga ortografia) 1 Arquivo do Governo Civil da Horta (AGCH), Copiador 1917 a 1919. Pelo ofício n. 15, de 27.1.1918, o governador civil comunica ao presidente da comissão administrativa da Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores que “nesta viagem do paquete Funchal segue para essa ilha o amanuense da Secretaria deste Governo Civil, Sr. Tomás Francisco de Medeiros, nomeado por um despacho de 23 do corrente para em comissão exercer o cargo de administrador do concelho de Santa Cruz, servindo V.ª Ex.ª dar-lhe imediatamente posse.” 2 Cf. Carlos Lobão – 125 Anos/Sociedade Filarmónica Unânime Praiense, Praia do Almoxarife. 2006, p.99 3Vargas, Alberto – 1.º Centenário da Sociedade Filarmónica Unânime Praiense, 1981, p. 9 4 O Telégrafo, 2 Outubro 1900, p.2 5 Id, Ib., 23 Junho 1903, p.3 6 Gazeta Judicial, 19 Dezembro 1903, p.1 7 O Telégrafo, 28 Dezembro 1903, p. 3 8Cf. Porto da Horta, 5 Dezembro 1911, p. 1: “Os empregados da companhia telegráfica alemã acabam de organizar uma orquestra sob a direcção do distinto amador faialense sr. Tomás Francisco de Medeiros” 9A Democracia, 22 Junho 1913, p.2 10 O Telégrafo, 19 Novembro 1918, p.2

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