Retalhos da nossa história – CLXXXVI – Inauguração do Aeroporto da Horta, um quarto de século depois da Pan American

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 Com a partida dos hidroaviões da Pan American em finais de 1945, o Faial voltou a ficar mais isolado do resto do mundo e os seus habitantes entregues ao enigmático e opressivo destino da sua solidão. 

 Naquele tempo – terminada a II Grande Guerra – assistia-se a um espetacular desenvolvimento do transporte aéreo. 

Portugal, sem aviões capazes nem aeroportos devidamente dimensionados, não estava em condições de o acompanhar. Foi a evolução tecnológica dos equipamentos utilizados pelas empresas de navegação aérea e o desenvolvimento dos mercados que levaram a Pan American a deixar a sua base naval do Faial e a transferir-se para o novo aeroporto de Santa Maria, construído pelos americanos para uso militar durante aquele conflito e entregue à soberania portuguesa em 1946.

É certo que as autoridades distritais e locais sempre pugnaram para que fosse construído um aeroporto no Faial. Temos notícia desse esforço e das promessas do poder central que foram alimentando essa esperança. Ainda no tempo em que a Pan American fazia escala na baía da Horta, com a visita oficial, em maio de 1945, do Subsecretário de Estado das Obras Públicas, engenheiro José Frederico Ulrich, ficou assente a construção do campo de aviação distrital. Era então governador civil o Dr. Pedro Guimarães que não mais deixou de porfiar para que aquela promessa se tornasse realidade. Sabe-se que foi a instâncias suas que o compromisso assumido por aquele membro do Governo seria reiterado em julho daquele ano pelo tenente coronel aviador Humberto Delgado, então diretor do Secretariado da Aeronáutica Civil. Viajando de Nova Iorque para Lisboa no “American Clipper, aquele que seria desde 1958 o grande opositor de Salazar esteve algumas horas no Faial, tendo garantido, na ocasião, que o desejado campo de aviação seria construído na freguesia da Feteira, “a fim de estabelecer com bimotores a ligação permanente com o campo dos Açores (Santa Maria ou Lajes, na Terceira), campo este donde se fará permanente ligação com Lisboa, com quadrimotores”1. Em outubro de 1946, sendo já governador da Horta o engenheiro Mascarenhas Gaivão, continuava em agenda governamental a construção do “campo de aviação distrital que permitiria estabelecer a ligação com o grande aeroporto do arquipélago”2, voltando a Horta a usufruir das ligações intercontinentais perdidas no ano anterior quando a Pan American transferira os seus serviços aéreos do Faial para o grande aeroporto de Santa Maria. Apesar da promessa, alimentada de vez em quando com a notícia da vinda de missões técnicas e da realização de estudos indispensáveis, a construção do campo de aviação foi sendo sucessivamente protelada. Só no dia 1 de maio de 1968 – chefiava então o distrito o Dr. António de Freitas Pimentel – com o início das obras em terrenos da freguesia de Castelo Branco, se teve a certeza de que o imprescindível aeroporto da Horta passava de um desejo a realidade.

 Por isso, a sua inauguração pelo Presidente da República, almirante Américo Tomás em 24 de agosto de 1971, foi um dos maiores acontecimentos do século XX na História faialense, a que assistiram vários membros do Governo, altas personalidades e milhares de pessoas. Os jornais da época avançam números que, apesar de serem estimativas, mostram a grandiosidade daquele acontecimento. O “Correio da Horta” calcula que oito a dez mil indivíduos estiveram presentes, ao passo que “O Telégrafo” assinala que “uma mole imensa, computada em muitos milhares de pessoas, assistiu vivamente interessada, em todos os locais, a cavaleiro do aeroporto, ao desenrolar das diferentes fases da inauguração, sem arredar pé, emprestando ao ato uma nota sobressainte de garrida presença e emoldurando completamente o anfiteatro que circunda a aerogare de Castelo Branco”3 . Desde as primeiras horas da manhã dessa histórica terça-feira, todos os caminhos do Faial desembocaram no aeroporto. Sublinha o “Correio da Horta” que era muita “a gente despejada ali, continuamente, de camionetas, automóveis de praça e particulares, além dos habitantes das localidades vizinhas que se deslocaram a pé. Da vizinha ilha do Pico, também foi elevada a quantidade de pessoas que se deslocou ao Faial, como convidados ou meros assistentes”. A multidão que “formava uma compacta e colorida moldura” posicionou-se nas zonas adjacentes e sobranceiras à aerogare e placa de estacionamento, observando os preparativos para a receção ao avião presidencial, assistindo antes à sucessiva aterragem de cinco aeronaves, pertencentes à SATA, Aeronáutica Civil e Força Aérea Portuguesa. Eram 11horas e 30 minutos quando chegou o “Boeing 727” da TAP que transportava o Chefe de Estado e que realizou uma aterragem perfeita. Depois de estacionado o avião na placa, o almirante Américo Tomás foi recebido pelo ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, pelo governador Freitas Pimentel e pelas outras autoridades mais representativas. Foram, de seguida, prestadas as honras militares devidas ao Chefe de Estado pelas forças em parada, formandas por pelotões da Marinha, Exército e Força Aérea, tendo à frente a Banda do Comando Militar dos Açores. Procedeu depois à bênção do aeroporto o bispo de Angra e ilhas dos Açores, D. Manuel Afonso de Carvalho, a que se seguiu a sessão solene que decorreu numa ampla sala do primeiro piso da aerogare. 

Na mesa de honra, o almirante Américo Tomás ocupou a presidência, estando ladeado pelo presidente da Assembleia Nacional, Amaral Neto, ministro do Interior, Gonçalves Rapazote, ministro das Obras Públicas e Comunicações, Rui Sanches, secretário de Estado da Informação e Turismo, César Moreira Baptista, secretário de Estado da Aeronáutica, Pereira Sarmento, secretário de Estado das Comunicações, João M. Oliveira Martins, subsecretário de Estado da Juventude e Desportos, Augusto de Ataíde, governador Freitas Pimentel, director geral da Aeronáutica Civil, Victor Veres e governador militar dos Açores, general Manuel Peixoto da Silva. Discursaram, sucessivamente, o diretor geral da Aeronáutica Civil, o ministro das Obras Públicas, o governador do distrito da Horta e, por último, o Chefe de Estado. Nestas notas, necessariamente breves, apenas se registam curtas passagens dos discursos do almirante Américo Tomás e do Dr. Freitas Pimentel. A propósito do empenho do Chefe do Distrito para a concretização do aeroporto, disse o Presidente da República: “o senhor governador pugnou sempre por este benefício para a ilha do Faial (…) Há nove anos [data da visita que o Chefe de Estado fizera aos Açores] que o Faial merecia este aeroporto; merecia-o porque lhe era devido”. O governador, profundamente emocionado, diria que “há nove anos, quando tive o prazer de saudar V… nesta terra, e depois de enumerar as muitas e variadas obras já executadas em todas as ilhas, eu disse: ‘estamos satisfeitos? Sem dúvida!’ Mas não estávamos totalmente. E não estávamos, porque acrescentei imediatamente: ‘Permita-me V… que interpretando uma premente necessidade no conjunto destas ilhas eu solicite o vosso valioso patrocínio para que brevemente seja uma realidade o nosso aeroporto’. Ora, continuava o governador: “O aeroporto da Horta, hoje inaugurado oficialmente, vai servir mais diretamente as ilhas do meu distrito e ainda São Jorge, como facilmente se conclui, olhando este conjunto. E vai abrir-lhe excelentes perspetivas de progresso e de melhoria nas suas condições de vida social e económica, não esquecendo o aspecto sentimental e humano de muitos milhares dos seus filhos que vivem nos Estados Unidos e no Canadá, e que podem agora com prazer visitar as suas terras de nascimento ou de origem, o que até aqui lhes era vedado ou difícil”. Passados que são 43 anos, as palavras do governador continuam atuais e pertinentes, agora acrescidas do facto evidente de que o aeroporto, uma vez aberto ao tráfego, não parou de crescer, devido ao substancial aumento de utilizadores, ao constante desenvolvimento tecnológico da aviação e ao dinamismo do transporte aéreo. Esse movimento sempre crescente, acentuado desde 1985 com as ligações diretas a Lisboa, requer que se continue a considerar o aeroporto da Horta como a mais importante infraestrutura potenciadora de um desenvolvimento que já vai tardando… 

 

1 Correio da Horta, 23 Julho 1945

2 Idem, 18 Outubro 1946

3 O Telégrafo, 25 Agosto 1971

 

 

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