A Matemática do Pré-Escolar: o exemplo de Singapura

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Singapura é uma Cidade-Estado localizada na ponta sul da Península Malaia, no Sudeste Asiático. Trata-se de um país insular constituído por 63 ilhas, que está separado da Malásia pelo Estreito de Johor, a norte, e das Ilhas Riau (Indonésia) pelo Estreito de Singapura, a sul. Singapura foi ocupada pelo Império do Japão no decorrer da Segunda Guerra Mundial, tendo voltado ao domínio britânico após a guerra. Em 1965, tornou-se um estado independente. Desde então, o país é um líder mundial em diversas áreas: é o quarto principal centro financeiro do mundo, o segundo maior mercado de jogos de casino e o terceiro maior centro de refinação de petróleo do mundo. Seguem-se outros dados relevantes. O porto da cidade é um dos cinco portos mais movimentados do mundo. O país é o lar do maior número de famílias milionárias em dólares per capita do planeta. Há quatro línguas oficiais: inglês, chinês, malaio e tamil. Cerca de 5 milhões de pessoas vivem em Singapura (aproximadamente metade da população portuguesa), apresentando uma das maiores densidades populacionais do Planeta. 

Muito poderia ser dito sobre Singapura. No âmbito deste artigo, interessa-nos falar um pouco sobre o sistema de ensino deste país. A verdade é que os alunos de Singapura têm geralmente as notas mais altas nos exames internacionais de Matemática. Veja-se, por exemplo, o caso do TIMS (Trends in International Mathematics and Science Study), que consiste numa avaliação internacional do desempenho dos alunos dos 4.º e 8.º anos de escolaridade em Matemática e Ciências, desenvolvida pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), uma associação internacional independente. A avaliação em Matemática é desenhada tendo em consideração duas dimensões: uma diz respeito ao conteúdo e explicita as áreas específicas avaliadas (Números, Formas Geométricas e Medida, Apresentação de Dados); a outra abrange a dimensão cognitiva e especifica os processos mentais mobilizados pelos alunos (Aplicar, Conhecer e Raciocinar).

O TIMSS 2011 foi a 5.ª edição deste estudo de avaliação, sendo a próxima em 2015. Desde 1995, os testes TIMSS são aplicados de quatro em quatro anos com a finalidade de gerar informação de qualidade sobre os resultados do desempenho dos alunos e sobre os contextos em que estes aprendem. Em 2011, Singapura ocupou o primeiro lugar da tabela para o 4.º ano de escolaridade, em ambas as vertentes (conteúdo e dimensão cognitiva). É um facto que não pode ser desvalorizado. Inspiradas nestes resultados, muitas escolas dos Estados Unidos da América têm vindo a adotar, nos últimos anos, o designado “Método de Singapura”. Os primeiros indicadores sugerem que os estudantes americanos que aprendem com manuais escolares importados de Singapura têm melhores resultados em Matemática. Em Portugal, o Colégio de São Tomás, em Lisboa, tem desenvolvido algum trabalho inovador nesse sentido, contando para isso com a coordenação de Carlos Pereira dos Santos, doutorado em Matemática e diretor do Jornal das Primeiras Matemáticas (http://jpm.ludus-opuscula.org).

Mas que aspetos se destacam no Método de Singapura? Em termos de conteúdos programáticos, os manuais escolares de Singapura cobrem um número significativamente inferior de tópicos, em comparação com os manuais dos Estados Unidos e de Portugal. A abordagem passa por estimular os alunos a aprender e dominar conceitos matemáticos chave. Opta-se, assim, por  menos conteúdos do que é habitual, mas aposta-se numa aprendizagem com maior profundidade dos conteúdos selecionados. Ainda que o treino da memória seja considerado importante, as crianças de Singapura também aprendem a utilizar ferramentas visuais para entender conceitos abstratos. Por exemplo, pede-se habitualmente aos alunos que desenhem barras e diagramas para visualizar os problemas (os conhecidos “modelos de barras”). Esta técnica, quando aplicada durante vários anos, desenvolve no jovem a capacidade de solucionar problemas complexos e de fazer cálculos mentais rápidos.

O sucesso deste método também passa por uma forte aposta no Pré-Escolar, seguindo a máxima “É de pequenino que se torce o pepino!” Desde logo, há que desconstruir a ideia bastante comum em Portugal de que, no Jardim de Infância, os temas matemáticos são trabalhados nas rotinas diárias e que esse trabalho informal é mais do que suficiente para cumprir os objetivos relativos ao ensino da Matemática nos primeiros anos. Tal como acontece com as outras áreas e domínios, também a Matemática deve ter um espaço de trabalho próprio (em termos da calendarização semanal das atividades como também na organização do espaço físico da sala do Jardim de Infância). Esse espaço deve ser ocupado com atividades desafiadoras que, num tom lúdico e com apelo à utilização de muitos materiais (estruturados e não estruturados), estimulem o desenvolvimento de competências matemáticas. Os grandes temas indicados para esta faixa etária são (por ordem de implementação, dos três aos cinco anos): Propriedades e Critérios; A Primeira Dezena; Forma; Espaço; Padrões; Medida; Decomposi-ções, Adições e Subtrações (dentro da primeira dezena); A Ordem das Dezenas (envolvendo o trabalho com números superiores a 10 e a interiorização do sistema de numeração posicional).

Terminamos com uma breve explicação dos principais pilares que caracterizam o Método de Singapura. Em primeiro lugar, destaca-se o extremo cuidado com a passagem do concreto para o abstrato. O processo de aprendizagem deve processar-se em três etapas: Concreto (os alunos participam em atividades usando objetos concretos, quer sejam materiais estruturados ou não estruturados); Pictórico (os alunos trabalham representações pictóricas de conceitos matemáticos – por exemplo, utilizam tracinhos ou pontinhos); Abstrato (os alunos resolvem problemas matemáticos de forma abstrata, usando numerais e outros símbolos). Há também um extremo cuidado em não saltar etapas. Os novos conceitos matemáticos são introduzidos, partindo de conceitos que já foram trabalhados à exaustão e que a criança domina. Esta progressão em espiral permite também uma revisão de conceitos matemáticos importantes, enquanto se promove a expansão dessas bases. Outro aspeto crucial passa por estimular a prática da oralidade. As crianças são chamadas a verbalizar o seu raciocínio, a usar frases completas, com sujeito e predicado, e a alargar o vocabulário que têm à sua disposição. Uma última palavra para o treino motor (a criança é convidada a traçar no ar, a contornar objetos com o indicador e, posteriormente, com um lápis) e para um convite à capacidade de a criança monitorizar o seu próprio pensamento, a ter consciência das estratégias que pode usar e a repensar sobre os processos de pensamento individual, num claro convite ao desenvolvimento da metacognição.

Termino com um pequeno desafio aos nossos leitores, retirado do manual “Earlybird Kindergarten Mathematics”, de Yeap Har e Winnie Tar. Na imagem, apresenta-se uma das primeiras atividades a ser desenvolvidas no tema “Propriedades e Critérios”. A ideia é descobrir o intruso, num convite à oralidade e à identificação de critérios para selecionar o objeto que está a mais (neste exemplo, temos dois possíveis critérios).

 

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