Retalhos da nossa história – CXLVII – Visconde de Leite Perry

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Dos três viscondes que viveram na Horta, foi este o último a deixar o mundo dos vivos. E, à semelhança do 1.º Visconde de Sant’Ana, era oriundo de território continental, fazendo, porém, a maior parte da sua vida nas ilhas açorianas. 

Com efeito, José Bressane Leite Perry nascera em Fafe a 9 de Março de 1862, sendo filho do Dr. José Ribeiro Vieira Perry e de D. Maria Brígida de Almeida Bressane Leite. 

Seguindo as pisadas de seu pai, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra em 1886, após o que exerceu o cargo de delegado do procurador régio em Braga, sendo colocado em Maio de 1888 no Faial como agente do ministério público junto do tribunal administrativo da Horta. Viajando no vapor “Funchal” desembarcou na capital faialense a 28 de Maio e, rapidamente se inseriu na sociedade local, de tal modo que decorrido apenas um escasso ano contraía matrimónio com D. Antónia Avelar, a única filha do poderoso e influente médico Dr. António Emílio Severino de Avelar e de sua esposa D. Jesuína Silva de Avelar. A cerimónia realizou-se na ermida de Nossa Senhora do Livramento, que ficava junto ao palacete dos pais da noiva, no dia 11 de Maio de 1889. O noivo tinha 27 anos, ao passo que a nubente apenas contava 18 anos de idade, pelo que, sendo “menor, foi naquele acto verbalmente prestado o necessário consentimento por seus pais” . Curiosamente, e além dos pais da noiva, as outras testemunhas daquele acto eram naturais do continente português: o celebrante, padre Feliciano António da Silva Reis, vigário da Praia do Almoxarife, nascera no Algarve, ao passo que as testemunhas do noivo, o magistrado Dr. Alexandre Pinheiro da Costa Macedo e esposa D. Maria Tomásia da Cruz Macedo, eram naturais do Minho. 

Assim, membro de uma destacada família faialense, o Dr. Leite Perry iria ter uma rápida carreira profissional e política, mercê, certamente, de mérito próprio, mas mais ainda da preciosa ajuda que lhe prestava o seu rico e influente sogro, o qual, recorda-se, conciliava habilmente os seus interesses com os do partido político que ocupava as cadeiras do poder, primeiro o progressista e depois o regenerador. Se nem sempre os ventos correram de feição ao jovem Dr. Leite Perry – de Março a Novembro de 1890 teve de ir para Angra ocupar o mesmo cargo que exercia na Horta, o que, atendendo às lutas partidárias da época, denota perseguição política – o certo é que, após haver sido delegado do Procurador Régio em São Jorge (1893-1894), se fixou, em definitivo, no Faial, ocupando sucessivamente os cargos de conservador do Registo Predial da Horta (1896-1903), auditor administrativo na Horta (1904-1906) e secretário-geral do Governo Civil, situação em que se aposentou escassos meses antes de falecer.

Seguindo claramente o partido regenerador – cujo líder era, desde 1895, o Dr. Avelar, seu sogro – Leite Perry ocupou ao mais elevados cargos políticos. Ainda nesse ano seria eleito deputado em representação do círculo plurinominal da Horta, fazendo algumas intervenções no parlamento em defesa de questões açorianas, nomeadamente apresentando um projecto de lei, baseado num diploma aprovado em 1887 pelo ministro progressista Mariano de Carvalho, para que os portos de Horta, do Pico, das Flores e do Corvo fossem considerados francos e, consequentemente, se extinguisse a alfândega da Horta e as suas delegações nas outras ilhas do distrito. Esta iniciativa legislativa (12.2.1896), bem como o projecto de lei que pretendia equiparar as taxas de pilotagem da Horta às de Ponta Delgada (9.3.1896) visava “suster a decadência do distrito devido à emigração e à alta fiscalidade, sendo a perda de receitas alfandegárias compensada pela subida dos impostos directos e todos beneficiando com a liberdade de comércio, uma vez que a agricultura e a indústria local eram irrelevantes” . Como já tive ocasião de escrever nesta rubrica “nem a lei progressista de Mariano de Carvalho, nem o projecto do deputado Leite Perry, muito menos a ideia defendida em 1902 pelo ilustre historiador faialense Dr. António Ferreira de Serpa jamais foram executadas. Apesar de não ter passado do papel, por evidente desinteresse do poder central, a iniciativa daquele parlamentar ultrapassava as habituais e pobres prestações dos eleitos pelo círculo da Horta, fossem eles regeneradores ou progressistas”.  

Eleito em 1896, Leite Perry foi também presidente da Câmara Municipal da Horta e exerceu em três períodos distintos o elevado cargo de governador civil da Horta. Os diplomas das nomeações e das exonerações têm as seguintes datas:

– 4 de Julho de 1900 e 18 de Outubro de 1904;

– 24 de Março de 1906 e 17 de Maio de 1906; 

– 14 de Janeiro de 1909 e 11 de Janeiro de 1910.

Entretanto, um mês antes de ser eleito deputado, fora agraciado pelo rei D. Carlos com o título de Visconde (decreto de 24 de Outubro de 1895).

Quando, em 28 de Junho de 1901, se iniciou a visita régia ao Faial o Visconde de Leite Perry ocupava o cargo de governador civil. Nessa condição participou activamente não só na esmerada preparação da visita mas ainda no decurso da mesma. Bem secundado por outras personalidades locais – em especial o líder regenerador e seu sogro Dr. Avelar, o presidente da Câmara Municipal, Barão de Roches, o administrador do Concelho, Vitoriano da Rosa Martins (que seria depois distinguido com o título de Barão da Ribeirinha) e o Conselheiro António Patrício da Terra Pinheiro – o Visconde foi um atento e diligente anfitrião de D. Carlos e de D. Amélia e demais comitiva. Esteve em todos os eventos da visita: lançamento da primeira pedra do edifício para o Observatório Meteorológico Príncipe Alberto de Mónaco, inauguração do posto semafórico dos Capelinhos, recepções, bailes, regatas e visitas a instituições de caridade e aos Grandes Armazéns Fayalenses. Os monarcas, reconheceram a sua diligência, agraciando-o com a grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e com a carta de Conselho. 

Nos períodos em que foi chefe do distrito realizaram-se melhoramentos importantes como a construção do hospital da Santa Casa da Misericórdia, a conclusão do farol dos Capelinhos e a instalação da Escola Normal da Horta para a formação de professores do magistério primário. Realce ainda para a ligação telegráfica às Lajes do Pico e a acção desenvolvida no fomento da plantação de vinhedos da casta americana Isabella na ilha do Pico, em substituição das vinhas destruídas pela filoxera.

Faleceu, aos 67 anos de idade, na manhã de 23 de Novembro de 1929 no seu palacete situado na actual rua Médico Avelar, “depois de sofrer resignadamente o martírio de uma doença torturante”. Era, segundo escreveu Osório Goulart, uma “alma bondosa, lavada de ódios, carácter honesto e recto, não deixou inimigos, porque a todos cortejava e tratava com aquela fidalga urbanidade que é apanágio dos homens de esmerada educação” .

Com a designação de “Visconde de Leite Perry” existem ainda hoje duas ruas que, na cidade da Horta e na vila da Madalena da ilha do Pico, homenageiam esta personalidade e testemunham o apreço dos respectivos municípios pelos serviços prestados. 

Não obstante ter havido o 2.º Visconde de Sant’Ana (decreto de 30.11.1904) atribuído a Manuel Fernando Rodrigo Joghe Alves Guerra de Sant’Ana, nascido em Turim a 8.10.1864 e falecido em Lausane a 24.1.1946 , e que jamais viveu no Faial, podemos considerar, com toda a propriedade, que com a morte do Dr. José Bressane de Leite Perry, a Horta perdeu o seu último Visconde.  

 

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